Violência

“Força Nacional está protegendo mais os não indígenas do que nós”, diz liderança após ataque no MS

Investida de jagunços terminou com dez indígenas feridos no sábado (3); dois deles estão hospitalizados em estado grave

Brasília |
Registros de um dos ataques ocorridos à comunidade no mês de julho - Divulgação/Aty Guasu

Uma liderança do povo Guarani-Kaiowá, de Mato Grosso do Sul, disse ao Brasil de Fato neste domingo (4) que a comunidade está se sentindo desprotegida pela equipe da Força Nacional destacada para cuidar da Terra Indígena (TI) Panambi-Lagoa Rica. A declaração vem um dia após uma nova investida de jagunços a indígenas que desde julho atuam em uma retomada na região. Segundo as lideranças, esse foi o décimo segundo ataque à comunidade.

“Eles estão protegendo mais os não indígenas do que nós. Estamos achando isso muito estranho. O que está acontecendo é muito grave e os ataques são sempre assim: os colonos usam armas letais e não tem nem como escapar porque eles atiram pra matar mesmo. Eles usam bala de borracha às vezes só pra disfarçar [a gravidade da ação]. E agente da Força Nacional era pra atuar defendendo a nossa comunidade, mas eles não estão fazendo isso. Tudo isso é muito estranho. Parece uma enrolação”, queixa-se Celso Kaiowá.

O ataque terminou com dez indígenas feridos, sendo dois deles em estado grave. Um deles foi atingido com uma bala na cabeça e outro levou um tiro no pescoço. Ambos estão internados no Hospital da Vida, em Dourados (MS). “Eles estão na linha vermelha, correndo o risco de perderem a vida mesmo, por conta da gravidade do ataque”, diz Celso Kaiowá.

O caso está sendo acompanhado pelo Ministério Público Federal (MPF), pela Defensoria Pública da União (DPU) e outras instituições, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que, em nota divulgada no sábado (3), disse que os atos de violência são “insuflados por políticos ruralistas e bolsonaristas locais”. A entidade também afirmou que o destacamento da Força Nacional que atua na TI teria se retirado do local e “dado liberdade” para a atuação dos jagunços.

O Cimi afirma ainda que os agentes voltaram a atuar no local após pressões. “O ataque de sábado ocorreu na retomada Pikyxyin, uma das sete [que ocorrem] na Terra Indígena Lagoa Panambi, identificada e delimitada desde 2011, e a mesma onde na sexta (2) um ataque já havia ocorrido, mas sem ferir os indígenas, e também local em que um casal de jagunços armado foi detido pela Força Nacional na quinta (1). Ou seja, os agentes federais sabiam que o ambiente seguia tenso, com incursões de jagunços nas retomadas”, registra a nota do conselho.

O Conselho Indigenista menciona ainda que a Defensoria Pública da União (DPU) teria anunciado que vai entrar com representação pedindo a destituição do comando da Força Nacional no Mato Grosso do Sul. O Brasil de Fato tentou contato com o órgão por meio de sua assessoria de imprensa para tentar confirmar a informação, mas ainda não teve retorno. Questionado pela reportagem sobre como avalia a possível retirada dos agentes da TI, Celso Kaiowá diz que a comunidade teme a saída da tropa.

“O que a gente quer é que outros agentes venham pra cá no lugar desses e que eles ouçam os indígenas. O grupo que está aqui não nos escuta e eles parecem proteger mais os colonos do que a gente. Continuamos achando esse comportamento deles muito estranho”, afirma. A TI Panambi-Lagoa Rica foi delimitada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2011. Nela vivem quase 2 mil pessoas divididas em cerca de 400 famílias, segundo informações da comunidade.

“É uma área com várias retomadas acontecendo ao mesmo tempo e muitos conflitos. Eles querem usar o marco temporal contra a gente”, desabafa Celso Kaiowá, ao se queixar da tese que só reconhece como áreas indígenas aquelas que já estavam ocupadas ou sob litígio em 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal. Essa releitura dos direitos territoriais indígenas foi aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado e segue levantando controvérsias e atiçando disputas no âmbito de diferentes áreas tradicionais.

Outro lado

O Brasil de Fato tentou ouvir neste domingo (4) o Ministério da Justiça, pasta à qual a Força Nacional está subordinada, para tratar das críticas feitas nesta reportagem. Em nota enviada após a publicação da matéria, a assessoria de imprensa da pasta informou que “a situação de ocorrência de conflito na Terra Indígena (TI) Lagoa Panambi está sob controle”.

“A Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) tem intensificado a presença na região desde o início de julho, onde permanece até o momento. Desde sábado (3), a FNSP está com todo o efetivo em Mato Grosso do Sul, auxiliando o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o MPF, que estão intermediando os conflitos. Os integrantes dos acampamentos estão respeitando os limites estabelecidos pelo MPI e MPF. O confronto ocorreu no início da tarde, no momento em que a FN fazia o patrulhamento em outra área da mesma região”, argumentou o ministério.

Segundo a pasta, a FNSP teria chegado ao local “assim que acionada”, cessando o conflito, depois do qual a tropa acionou o MPI e o MPF. “Na noite de sábado (3), uma equipe com quatro viaturas e 12 agentes da Força Nacional fez o patrulhamento no trecho Panambi e Lagoa Rica, em Douradina (MS), com quatro viaturas e 12 agentes da Força Nacional. Não houve ocorrências. Às 8 horas deste domingo (4), outra equipe, com seis viaturas e 18 agentes da Força Nacional, assumiu o trabalho. A região continua sem ocorrências”, emenda a nota.

O texto diz ainda que “o MPF intermediou os diálogos e o acordo entre os dois grupos. A situação foi controlada e cada grupo permaneceu em seu acampamento, [sendo eles] orientados a não avançarem. A FNSP permanece atuando segundo o planejamento dos órgãos apoiados, com a finalidade de garantir a segurança de forma ininterrupta". Por fim, o Ministério da Justiça afirma que irá deslocar agentes de outros estados para reforçar o efetivo que hoje patrulha a TI.


 

Edição: Nathallia Fonseca