Contaminação de solo, água, fauna e flora pela disposição de resíduos como óleos, eletroeletrônicos, produtos químicos entre outros. Devido à decomposição, ventos carregando gases tóxicos. Esses são alguns dos impactos ao meio ambiente causados pela alta quantidade de resíduos das enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul.
Ainda em meio ao maior desastre socioambiental do RS, um levantamento preliminar conduzido por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com a empresa Mox Debris e voluntários, apontou que o volume de entulho gerado no estado poderia chegar a 46,7 milhões de toneladas.
De acordo com o estudo divulgado em maio deste ano, foram atingidas cerca de 400 mil construções em áreas urbanas, inundadas parcial ou totalmente no estado. A pesquisa do IPH focou nos resíduos de construção civil, cujo impacto nessas estruturas gera um volume de entulho mais expressivo.
Quando as águas baixaram, e gradativamente as pessoas foram retornando às residências e iniciando o processo de limpeza, a situação se tornou ainda mais grave. Aquilo que era útil ou tinha significado, tornou-se resíduo. Sofás, livros, móveis, eletrodoméstico e brinquedos perderam-se em meio à lama.
Em Porto Alegre, por exemplo, foram recolhidos até o momento cerca de 95 mil toneladas de resíduos. Já na cidade de São Leopoldo, na região Metropolitana, mais de 330 mil toneladas. A realidade trouxe um novo desafio para a questão da limpeza urbana das cidades, que por semanas conviveu com ruas tomadas por resíduos, mau cheiro e lama.
Processo de recolhimento
Na avaliação da doutora em Engenharia Civil, especialista em Economia Circular e pesquisadora do NucMat Unisinos, Joice Pinho Maciel, o ritmo da coleta dos resíduos comprova o despreparo e a ausência de plano de contingência para esse tipo de situação de emergência.
Joice, que também é sócia-fundadora da Apoena Socioambiental e Awty Guardião dos Rios, cita como exemplo o caso da capital gaúcha. “Porto Alegre já enfrentava um grande desafio para a coleta de resíduos extra domiciliares (resíduos volumosos e caliças, etc). Além de não investir no programa municipal de coleta seletiva com a inclusão de catadores, em que grande parte das unidade de triagem já estavam sucateadas na ocasião da enchente”, pontua.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Unisinos e membro da Aliança Resíduo Zero Brasil (ARZB), Carlos Alberto Mendes Moraes corrobora com Joice no que tange à celeridade do recolhimento dos dejetos. “O ritmo não é nada adequado, pois os municípios não estavam preparados para caso de calamidade. Assim, não foram nada ágeis para montar procedimento, para agilizar este processo, tem muito bairros sofrendo com o cheiro de material em decomposição.”
Para agilizar a limpeza das vias urbanas dos municípios da região Metropolitana foram criados aterros temporários, conhecidos como bota-espera. Em São Leopoldo o destino final dos resíduos é o Aterro Ambiental LTDA, localizado em Gravataí. Em Porto Alegre, o destino final é a Unidade de Valorização de Resíduos da construção Civil São Judas Tadeu LTDA, também em Gravataí. Contudo, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) suspendeu a licença de operação concedida ao local que atenderia outros municípios da região, como Canoas.
De acordo com a decisão, a empresa não comprovou ter cumprido os requisitos exigidos pela municipalidade no exercício do seu legítimo poder de polícia ambiental. “Como se sabe, em matéria ambiental, vige o princípio da prevenção, visto que, ocorrido o dano ambiental, quase sempre as consequências são irreversíveis, afetando a presente e futuras gerações, especialmente em um empreendimento de grande porte como um aterro sanitário.” A empresa chegou a recorrer da decisão, mas o fechamento foi mantido pela Justiça.
Em reunião realizada nesta quinta-feira (25) entre as prefeituras da região Metropolitana e o Ministério Público (MP), definiu-se que um novo aterro sanitário será escolhido para receber os resíduos pós-enchente. Na reunião, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) se comprometeu a encaminhar aos municípios uma lista com aterros sanitários licenciados como destino final. Somente estes locais poderão se habilitar.
De acordo com reportagem do GZH, o Consórcio de Municípios da Região Metropolitana vai abrir, na próxima segunda-feira (29), edital único para credenciamento de aterros sanitários aptos a receber entulhos da enchente. O valor máximo será de R$ 109 por tonelada de resíduo destinado.
O Consórcio estima em 700 mil toneladas o volume de lixo a ser destinado em toda região, com 300 mil somente em Canoas. O valor projetado é de R$ 80 milhões, com custeio proporcional por município.
Porto Alegre
De acordo com o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), até o início do mês de julho já foram investidos ao menos R$ 100 milhões na força-tarefa da limpeza pós-enchente na cidade. O serviço contou com 1,5 mil garis e a utilização de 621 equipamentos, como caminhões de hidrojato do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), veículos da frota do DMLU, entre outros.
Ao Brasil de Fato RS, o diretor-Geral do DMLU, Carlos Hundertmarker, destacou que as 21 áreas que foram alagadas na Capital estão com o processo de retirada dos resíduos completamente concluída.
Durante o processo de limpeza, foram feitas a retirada de entulhos dos espaços públicos, raspagem do lodo da enchente, varrição de vias e limpezas de bocas-de-lobo, ruas e calçadas. “Nós já estamos na terceira fase do nosso processo de limpeza e reconstrução. Dia 9 de julho, nós atualizamos o nosso 156 (WhatsApp), que é um canal de contato do cidadão com a prefeitura, colocando uma nova aba chamada de Enchente Porto Alegre. Ali o cidadão tem a possibilidade de selecionar a limpeza pós-enchente, o DMLU recebe e automaticamente as nossas equipes já vão lá e já fazem análise e recolhimento desses resíduos.”
De acordo com o diretor, já foram recolhidos aproximadamente 95 mil toneladas de resíduos do pós-enchente. “É importante destacar que dentro dessa operação nós tivemos que fazer alguns bota-espera, que são áreas provisórias para poder receber esses resíduos que nós recolhemos de dentro dos bairros.”
Para garantir o depósito adequado de altas quantidades de resíduos, a prefeitura contratou nove espaços provisórios. Até esta terça-feira (23) um estava totalmente fechado. Outro próximo à Receita Federal, na região central, estava em via de fechamento. Outros dois localizados na Avenida Voluntários da Pátria estão sendo limpos, cada um com aproximadamente 6,5 mil toneladas. O aterro localizado na Loureiro da Silva está 80% limpo. O aterro localizado no Sambódromo está aproximadamente 60% limpo. Apenas o aterro localizado na Severo Dullius, no bairro Sarandi, Zona Norte, segue recebendo resíduos de moradores e comerciantes.
De acordo com Hundertmarker, a coleta automatizada e a domiciliar continuam normalmente e têm como destinação o aterro de Minas do Leão. Já os resíduos das enchentes (materiais inertes), seriam destinados ao aterro em Gravataí. Antes da decisão do MP, o município já havia enviado 45 mil toneladas. O contrato com o aterro foi assinado no dia 21 de maio no valor de R$ 19,710 milhões, por seis meses. O local teria capacidade para descartar de 77 mil a 180 mil toneladas.
Segundo pontua o diretor, o aterro de Gravataí foi amplamente discutido e analisado pela equipe técnica de engenheiros do DMLU. E tem a liberação tanto da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do RS (Sema) quanto da Fepam. “A nossa equipe pesquisou, estudou, visitou diversos aterros aqui do estado do Grande do Sul e até mesmo fora do estado. A nossa preocupação com a destinação correta, focada na questão ambiental, foi que pesou muito. O ranking foi preocupação ambiental, depois o valor (R$ 109,00 a tonelada) e depois pela proximidade”.
“Nós não podemos, de maneira alguma, perder a consciência ambiental que nós tínhamos antes dessa enchente. Porto Alegre é ainda referência nacional em segregação de resíduos. Somos muito superiores à média nacional, que é de 2,5% Temos muito ainda que desenvolver essa consciência ambiental, dentro das nossas casas fazer essa destinação correta”, pontua do diretor.
São Leopoldo
O município de São Leopoldo já recolheu cerca de 330 mil toneladas por uma força-tarefa em 26 setores. Foi a primeira cidade a concluir a primeira etapa de recolhimento dos resíduos extradomiciliares.
De acordo com a Superintendência de Comunicação da Prefeitura de São Leopoldo, as equipes ainda trabalham no “rescaldo”, ou seja, aqueles resíduos que ficaram em bairros, depois da remoção do grosso e foram colocados pelos moradores quando da equipe ter removido na primeira passagem. Agora, as equipes iniciaram a limpeza das ruas e avenidas com o hidrojateamento e varrição nos bairros mais atingidos nas regiões Nordeste, Norte, Oeste, Leste e Centro. Devido as condições climáticas, a limpeza dos pontos transitórios se estenderá até o início de agosto.
As equipes que atuaram durante 54 dias no trabalho de recolhimento dos resíduos foram compostas por servidores e máquinas da Secretaria de Mobilidade e Serviços Urbanos (Semurb), Secretaria de Obras e Viação (Semov) e Serviço Municipal de Água e Esgotos (Semae). Também houve a contratação de empresas terceirizadas e de prefeituras de municípios vizinhos que enviaram por alguns dias suas equipes para auxiliar neste trabalho.
Em relação ao investimento a estimativa inicial era de cerca de R$ 50 milhões para o recolhimento de até 200 mil toneladas. “Como o trabalho não encerrou totalmente, não temos como afirmar o valor total no momento. Foram mil trabalhadores e 300 máquinas utilizadas no recolhimento dos resíduos”.
A população pode fazer solicitações de recolhimento por meio do WhatsApp (51) 9 9337-6656.
É preciso gerenciar os resíduos produzidos pela sociedade
“O plano de gestão integrada de resíduos atual não inclui ações de contingência para situações como essas, e a prefeitura e não estavam preparada para fazer a gestão e destinação desses resíduos, e nem a população preparada para destinar os resíduos por falta de orientação da gestão publica”, afirma Joice.
Conforme pontua a Sema, o estado vem, desde o início das enchentes, orientando os municípios sobre a destinação dos resíduos. A pasta, em conjunto com a Fepam e o MPRS, chegou a lançar uma cartilha informativa com orientações gerais sobre a destinação dos resíduos sólidos gerados pelo desastre.
De acordo com Joice, os aterros são planejados para receber um volume de resíduos diários durante um certo período, baseado num estudo de produção diária da população. Contudo, a enchente produziu um volume muito maior do que foi planejado, e isso implicou no recebimento e acondicionamento maior nesses espaços, reduzindo o tempo de uso desses aterros.
De acordo com o professor Carlos Moraes, se o entulho está misturado à lama, moveis, orgânicos e outros resíduos de casa, acaba não tendo alternativa ao aterro sanitário, pois está muito misturado. “O erro está antes na verdade, terem indicado para as pessoas simplesmente jogarem tudo fora. Claro para as pessoas é bem complicado também pela situação de fragilidade, ver não sobrar nada dentro de casa. Uma opção nos casos de menor heterogeneidade seria buscar separar por meio de sistema de peneiramento, em alguns lugares estão fazendo isso. Assim, ao sobrar apenas móveis com terra, obedecendo à legislação ambiental, foi permitido fazer uma blindagem deste material depois de triturado para ser utilizado em fornos de cimento ou clinquer, como combustível”, explica.
Conforme expõe Joice, para cada resíduo é possível um tratamento específico. Móveis de madeira: secagem, trituração para reduzir volume e após uma caracterização do resíduo, aplicar no solo ou mesmo produzir briquetes de madeira para combustíveis. Eletroeletrônicos: após secagem e higienização, recuperação de peças e metais para a reciclagem. Utensílios, ferramentas e tecidos, após higienizar, reutilização ou encaminhamento para reciclagem.
Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)
Para Moraes, o desastre climático mostra que os municípios e as pessoas não sabem gerenciar resíduos. “A lei traz bem explicado os cuidados, os tipo de resíduos, por que não se deve misturar resíduos, contaminação do solo, agua e ar”, pontua.
Na avaliação de Joice, o Brasil já vem a passos lentos no atendimento da PNRS. “O Planares (Plano Nacional de Resíduos Sólidos) recém trouxe metas para atendimentos a nível nacional, mas estamos distantes de atender de forma adequada a esta política. Após esse evento extremo no Rio Grande do Sul, o Planares deveria trazer um capítulo sobre a gestão de resíduos em situação de emergências climáticas para orientar e preparar as cidades para situações futuras”, conclui.
*Com informações do GZH e Sul 21.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira