As eleições municipais deste ano são mais um capítulo da nova fase da luta política que iniciou em 2016, com a radicalização da direita e o rompimento do pacto democrático da Constituição de 1988.
As contradições políticas e sociais dos governos Lula e Dilma, que se agudizaram com o aprofundamento da crise mundial do capitalismo, levaram ao esgotamento do modelo econômico de relativo crescimento econômico, políticas de distribuição de renda e conciliação de classes.
De lá pra cá, as forças neoliberais avançam com seu programa, fazendo a esquerda enfrentar uma correlação de forças desfavorável. Nesse processo, a extrema-direita emergiu e atua para se impor sobre a direita tradicional e disputar os rumos do país.
A disputa eleitoral de 2024 faz parte desse jogo de forças. Com a eleição de Lula para a presidência, o cenário é mais favorável para os partidos do campo progressista. Nas últimas eleições municipais, por exemplo, o líder petista estava preso em Curitiba, no Paraná.
No entanto, as amarras impostas pela frente ampla construída em 2022, que atualmente é bastante disfuncional, dificulta o processo de acúmulo de forças neste pleito. Muitas candidaturas se movem para o centro e abrem mão de fazer o debate político e ideológico. Perdem sua identidade e não conseguem se diferenciar nem apresentar respostas para os problemas concretos.
No campo da direita, as correntes neofascistas atuam para reproduzir neste pleito o resultado que tiveram na eleição para o Congresso Nacional. A bancada bolsonarista teve votação expressiva nos seus estados e fez do Parlamento uma trincheira conservadora para fazer uma intensa luta ideológica. Agora, querem consolidar lideranças, eleger prefeitos e vereadores para se enraizar nas cidades. Lançarão candidatos conservadores, figuras ligadas à família Bolsonaro, pastores fundamentalistas, policiais militares envolvidos em chacinas etc.
A direita tradicional se movimenta para manter suas peças no jogo, mas sofre uma pressão da esquerda e da extrema-direita para fazer composições, alianças e acordos. Nas cidades onde está na prefeitura, como no Rio de Janeiro, constrói alianças heterodoxas para isolar a esquerda e a extrema-direita. Inclusive, deixa apagado o apoio que recebe da esquerda para não perder votos do campo mais conservador… Onde está mais fragilizada, pende para um lado ou para o outro, a depender da conjuntura local.
Nesse jogo, a eleição em São Paulo é um caso especial, tanto pela importância da maior cidade do país como também pela disposição das peças no tabuleiro.
De um lado, o atual prefeito e candidato à reeleição Ricardo Nunes (PMDB) conseguiu construir uma ampla aliança, com partidos da direita tradicional, inclusive aqueles que fazem parte da base do governo Lula, e forças da extrema-direita, alinhadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o governador de São Paulo Tarcisio de Freitas (Republicanos).
Do outro lado, o candidato do campo da esquerda é Guilherme Boulos (PSOL), liderança do movimento de moradia e deputado federal mais votado do estado de São Paulo, com mais de 1 milhão de votos. Embora tenha apoio entusiasmado do presidente Lula, não conseguiu montar uma aliança para além dos partidos do campo da esquerda.
Pela direita, tem também a candidatura de Pablo Marçal (PRTB), coach boquirroto adepto do radicalismo bolsonarista. Pelo centro, Tabata Amaral (PSB) quer se colocar como uma alternativa mais moderada para disputar a herança dos tucanos, que tem como candidato o apresentador de TV José Luiz Datena, que pode abandonar a disputa.
A eleição de São Paulo terá um grande peso no cenário da disputa presidencial e influirá nas alianças que se formarão em 2026. Além disso, terá impacto na correlação institucional de forças que o governo Lula enfrentará na segunda metade do mandato.
Uma vitória de Nunes, com apoio de Bolsonaro e um discurso mais à direita para obstruir Marçal, fortalecerá a extrema-direita, tanto no Congresso Nacional como na cidade de São Paulo, onde Lula venceu em 2022.
A eleição de Boulos com a sustentação de uma frente progressista e um programa de mudanças dará um impulso para a esquerda, abrindo a possibilidade de implementação de medidas que melhorem a vida da população da cidade, que podem ganhar repercussão nacional.
Os setores mais à direita que fazem parte da frente ampla não têm nenhuma fidelidade ao governo Lula e fazem sua projeção de poder para o próximo período. Se a extrema-direita demonstrar força, poderá arrastar a direita tradicional para o seu campo.
Nesse caso, a crise política nacional se aprofundará e o quadro do governo Lula se deteriorará, porque a fatura no Congresso Nacional ficará mais cara e as margens para a governabilidade institucional será ainda menor.
Assim, estas eleições fazem parte da batalha política geral e são uma oportunidade para a esquerda fazer o enfrentamento ideológico com a extrema-direita, demarcar com a direita tradicional, defender um projeto popular para as cidades e estimular a participação e mobilização popular, acumulando forças para as lutas que virão.
* Igor Felippe Santos é jornalista e analista político com atuação nos movimentos populares.
**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Nathallia Fonseca