"Sérgio Cabral, incentivador de cada sambista, é genial seja no jornal ou na revista". Composto por Leci Brandão, estes são versos do jingle da campanha vitoriosa de Sérgio Cabral para a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, em 1982, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).
A parceria entre os dois era antiga. O disco de estreia de Leci, "Antes que eu volte a ser nada" (1975), lançado pela gravadora Marcus Pereira, havia recebido um texto de contracapa de Cabral, verdadeiro selo de qualidade para uma sambista em início de carreira.
Em seu texto de despedida, Leci lembrou da luta de Cabral contra a ditadura militar (1964-1985), da participação em O Pasquim e do trabalho como agitador cultural: "jogou holofotes em jovens artistas da música a vida toda e eu fui uma delas".
Zeca Pagodinho também homenageou o amigo, frequentador das rodas de Xerém. "Um entusiasta e exímio pesquisador sobre o samba, o Brasil perdeu hoje um de seus mais talentosos jornalistas", publicou o cantor.
Criado no subúrbio da zona norte carioca, Cabral iniciou no jornalismo como estagiário no Diário da Noite em 1957 e, no fim de 1959, chegou ao Jornal do Brasil como repórter e copidesque. Com o reconhecimento recebido pelas coberturas do carnaval de 1960 e 1961, passou a escrever coluna própria sobre música popular no recém-criado Caderno B. No ano seguinte, filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi demitido por participar de greve da categoria.
Em 1974, já consolidado como especialista em música e cultura popular, lançou o clássico "As escolas de samba do Rio de Janeiro - o quê, quem, como, quando e por quê". Relançado em 1996, o livro é referência máxima na bibliografia sobre as agremiações cariocas. Cabral seguiu escrevendo e nos anos seguintes publicou biografias de Pixinguinha, Tom Jobim, Almirante e Ari Barroso, entre outras obras.
Paralelamente, trabalhou também no mercado fonográfico. Foi produtor, por exemplo, de dois dos quatro discos de Cartola: "Verde que te quero rosa" (1977) e "Cartola 70 anos" (1979), ambos pela RCA Victor.
Com o fundador da Mangueira, o jornalista havia vivido intensamente os anos de Zicartola, bar e restaurante que funcionou entre 1963 e 1965. Cabral fazia as vezes de mestre de cerimônias na casa.
Também compositor, lançou um LP com seu principal parceiro em 1980: "Rildo Hora... e Sérgio Cabral". O disco teve participações de Toninho Horta, Radamés Gnattali, Luiz Eça e João Donato, além da produção musical de Martinho da Vila. Foi na voz de Martinho, aliás, que Cabral emplacou seu maior sucesso musical, "Visgo de Jaca", uma das tantas parcerias com o maestro pernambucano Rildo Hora.
Sua grande consagração pessoal, no entanto, não veio da indústria fonográfica, e nem da política. Em 1997, a vida de Sérgio Cabral se transformou em enredo da Em Cima da Hora, escola de samba de Cavalcanti, região onde nasceu.
Eu jornalista me fiz
Um eterno aprendiz carioca de fato
Um dia num lampejo de amor
Eu me vi compositor
Mangueira me mostrou o seu retrato
Quem luta faz opinião
Chegou a hora da justiça social
É Pixinguinha, é Elizete, é uma constelação
Glória à cultura nacional
"Nada se compara a isso. Nada, nada, absolutamente nada. Eu já tive várias emoções, momentos inesquecíveis, mas esse... A escola de samba do meu coração, do bairro em que fui criado, pessoas que conhecem minha família... É um grande abraço que recebi dessa maravilhosa escola de samba que é a Em Cima da Hora", declarou à televisão logo após o desfile.
Além de tanta coisa, Sérgio Cabral foi o maior jornalista do samba que tivemos. Ele morreu no último domingo (14), no Rio de Janeiro, aos 87 anos.
* Matheus Lobo Pismel é doutorando na Universidade Federal de Santa Catarina, onde pesquisa a história dos jornalistas do samba no Rio de Janeiro.
** Este é um texto de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Martina Medina