A Venezuela realiza esse ano a sua 15ª eleição presidencial desde a redemocratização, em 1958. De lá para cá, algumas regras mudaram, mas o pleito mantém um formato que foi reconhecido por diferentes centros de pesquisa do mundo e chegou a ser elogiado até pelo ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter. Se os resultados das últimas eleições foram contestados por países do Norte global, o sistema é constantemente testado e se tornou exemplo para outros pleitos.
A eleição para presidente na Venezuela tem apenas um turno. Ganha quem tiver o maior número de votos. O mandato para o presidente é de 6 anos. No país, não há limite de reeleição para presidente. O atual chefe do Executivo é Nicolás Maduro, que concorre à reeleição para o 3º mandato. Antes dele, Hugo Chávez também foi eleito 3 vezes, mas morreu logo no início de sua 3ª gestão.
Para votar, é preciso ter ao menos 18 anos e o voto não é obrigatório no país. Assim como o Brasil, a Venezuela também usa a urna eletrônica, mas a diferença é que no sistema venezuelano o voto é também é impresso. O Conselho Nacional Eleitoral venezuelano contratou uma empresa em 2004 que desenvolveu e implementou mais de 500 mil máquinas e treinou 380 mil profissionais para operar as máquinas.
O procedimento é simples. Os centros de votação são em escolas públicas. O eleitor entra na sala de votação, valida sua biometria e registra o voto na urna eletrônica. Ele recebe o comprovante do voto, confere se está correto e deposita em uma outra urna, onde ficam armazenados os votos impressos. Quando a votação é encerrada, o chefe da seção imprime o boletim de urna e faz a contagem dos votos impressos para conferir se estão de acordo.
O Conselho Nacional Eleitoral do país, CNE, também realiza antes de todas as eleições um calendário de auditoria das máquinas. O objetivo é revisar toda a tecnologia das urnas, os registros dos eleitores, o software usado e os serviços de telecomunicações para que não haja falhas no sistema durante o pleito.
Para o ex-vice-presidente do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, Leonardo Morales, o sistema é extremamente confiável e nunca teve problemas para a contagem e divulgação dos votos.
“Não fica dúvida que o sistema eleitoral e a sistematização dos votos são robustos e que foram aprovados por várias eleições. Há auditorias que permanentemente são feitas nesses equipamentos. Se abrem as máquinas de votação onde profissionais que estão nas áreas de engenharia, informática, telecomunicações, verificam que a configuração do sistema corresponde ao que o conselho anunciou. Antes de cada processo eleitoral há uma bateria, um grupo de auditoria que sempre é realizado com organizações participantes, seus especialistas e seus técnicos”, afirmou ao Brasil de Fato.
A confiabilidade do sistema também já foi elogiada por institutos que observam eleições na Venezuela. Um deles é o Centro Carter dos EUA. O dono da organização, Jimmy Carter, chegou a afirmar em 2012 que o sistema era "o melhor do mundo".
"São 92 eleições que monitoramos, eu diria que o processo eleitoral na Venezuela é o melhor do mundo", disse ele em discurso anual do Centro Carter em Atlanta. Ele reforçou que o sistema é totalmente automatizado, o que confere agilidade na contagem.
A disputa presidencial é realizada em uma data diferente das eleições para deputados no país. Os congressistas têm um mandato de 5 anos e um calendário próprio de troca. A próxima eleição será em 2025, onde serão renovados todos os 277 assentos.
A legislação eleitoral permite que os partidos estabeleçam critérios para escolher seus candidatos. Não é exigida, por exemplo, a realização de primárias, como em outros países. A direita venezuelana, por exemplo, realizou eleições prévias em outubro de 2023 para definir a ex-deputada ultraliberal María Corina Machado para concorrer no pleito.
Ela, no entanto, está inabilitada pela Justiça venezuelana por 15 anos por "inconsistência e ocultação" de ativos na declaração de bens que ela deveria ter apresentado à Controladoria-Geral da República (CGR) enquanto foi deputada na Assembleia Nacional (2011-2014). O ex-embaixador Edmundo González Urrutia ocupou o lugar dela para a disputa.
Já o Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) definiu o nome de Nicolás Maduro para ser o candidato à reeleição. Ele já era o nome natural para essa disputa, já que é o atual presidente do país.
Financiamento, teste e observação
As campanhas não podem receber doações anônimas, de entidades públicas, de empresas estrangeiras ou empresas com concessões públicas.
Para colocar a prova todos os testes sistemáticos que são realizados no país, é realizado um simulacro para que os eleitores conheçam o sistema eleitoral. Esse ano, o teste foi feito a um mês do pleito. A ideia é treinar o procedimento da votação e analisar erros a serem corrigidos para o dia das eleições.
A Venezuela também recebe historicamente observadores eleitorais para acompanhar o pleito. Mesmo que esses grupos não tenham a responsabilidade de emitir um juízo de valor em torno da validade ou não dos resultados, eles fazem recomendações e sugestões para o sistema do país.
Este ano, diferentes grupos vão acompanhar as eleições. Em março, o CNE anunciou ter convidado a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), Comunidade do Caribe (Caricom), União Africana, União Europeia, especialistas da ONU, Brics e o Centro Carter dos Estados Unidos para observar as eleições de 2024 na Venezuela.
Dois meses depois, no entanto, o órgão eleitoral venezuelano cancelou o convite para a União Europeia acompanhar como observador as eleições presidenciais. A decisão foi tomada depois que o bloco europeu anunciou o aumento da validade das sanções contra a Venezuela até 10 de janeiro, data da posse do presidente eleito.
A presença da União Europeia como observadora nas eleições de 28 de julho era um critério do chamado acordo de Barbados, assinado entre governo e parte da oposição em outubro de 2023. O texto definia que o pleito deveria ser realizado no segundo semestre de 2024 e contaria com missões de observação da União Europeia, do Centro Carter e da Organização das Nações Unidas (ONU).
Depois de anunciar publicamente que não enviaria representantes para as eleições, o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil (TSE) confirmou ao Brasil de Fato que vai enviar dois especialistas em sistemas eleitorais para acompanhar o pleito.
Segundo Leonardo Morales, os observadores são importantes porque dão uma série de recomendações ao CNE, que são adotadas pelo órgão depois de cada disputa. O objetivo é melhorar o processo.
“Os observadores escrevem um informe e entregam ao CNE. Essa é a função dos observadores. O CNE tem a obrigação de verificar se essas observações são prudentes, corretas e se valem a pena de serem implementadas. Quando eu estava no CNE, eu dizia, em relação a um informe da União Europeia, que havia um conjunto de recomendações que o Conselho deveria adotar imediatamente, não porque era uma ordem do bloco, mas porque ajuda a tornar o processo eleitoral venezuelano mais forte”, disse Morales.
Morales disse que quando eu trabalhava no CNE, ele ouvia que os observadores gostavam de vir aqui porque “eles aprendiam muito com o sistema eleitoral venezuelano”. Ele explica que, se a ideia é que os observadores “validem” o processo eleitoral, é preciso haver uma mudança no procedimento do convite aos representantes.
“Se todos os venezuelanos, o próprio governo e o CNE entendem que temos que convidar os observadores para dar garantias de que as coisas estão sendo bem feitas, bom, tudo bem. Mas não é verdade, como alguns pensam, que vai sair o representante da ONU, ou de representantes de especialistas eleitorais da América Latina, para dizer: aqui se fez uma fraude. Porque eles não trazem tantos especialistas para todas as mesas eleitorais do país, eles estão em alguns lugares de importante acesso”, afirmou.
Maduro contra 9
O CNE anunciou em maio que 21,4 milhões de venezuelanos estão aptos a votar no dia 28 de julho. Cerca de 69 mil deles estão fora do país. O presidente Nicolás Maduro busca a reeleição contra outros 9 candidatos, sendo o principal deles o ex-embaixador Edmundo González Urrutia. Ele é apoiado por María Corina Machado.
Em junho, 8 dos 10 candidatos assinaram um acordo para respeitar o resultado das eleições. Edmundo se recusou a participar e não assinou o documento. Além dele, Enrique Márquez, do partido Centrados, não assinou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho