Poucas horas após os disparos em um comício de Donald Trump, candidato à presidência dos Estados Unidos, a internet já estava tomada por teorias conspiratórias e uso político do crime.
Luiza Foltran, pesquisadora do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o impacto do atentado no conservadorismo global foi imediato e pode ampliar as temperaturas nesse setor.
Ela observa que, inicialmente, as manifestações de chefes de Estado conservadores foram de solidariedade a Trump e repúdio ao crime. Após esse primeiro momento, reações que conectam o ato à esquerda começam a se proliferar.
“Já se alimenta uma hipótese de que foi tudo orquestrado pelo progressismo, pelo globalismo. É uma chave também retórica, que eles usam muito, que coloca o Partido Democrata, os detentores de poder e as instituições no mesmo bojo.”
Foltran cita a construção de uma narrativa que coloca esse grupo como “único setor que poderia orquestrar algo nesse sentido". As teorias conspiratórias apontam que até mesmo a morte do atirador seria um ato dos oponentes da extrema direita.
“Ter eliminado o autor do atentado seria uma espécie de queima de arquivo. E isso tudo, comprovaria que, na verdade, eles estão tentando encobrir a fraqueza do Biden, eliminando o Trump”, diz ela.
O que já foi falado
O presidente da Argentina Javier Milei fez ataques diretos e disse que o crime foi fruto do “desespero da esquerda internacional”, que recorre ao “terrorismo”. Ele foi o único chefe de Estado que endossou as teorias conspiratórias.
Nas palavras dele, a oposição à direita, “está disposta a desestabilizar as democracias e promover a violência para se enraizar no poder. Com pânico de perder nas urnas, recorrem ao terrorismo para impor sua agenda retrógrada e autoritária”.
No mesmo tom, congressistas conservadores nos EUA ampliaram a narrativa. O aliado de Trump Mike Collins, da Georgia, acusa diretamente o atual presidente dos Estados Unidos. “Joe Biden enviou as ordens”, escreveu nas redes sociais.
Possível candidato a vice-presidente de Trump, o senador JD Vance também responsabilizou os democratas. "A premissa central da campanha de Biden é que o presidente Donald Trump é um fascista autoritário que deve ser parado a qualquer custo. Essa retórica levou diretamente à tentativa de assassinato do Presidente Trump".
Também cotado para compor a chapa do ex-presidente, o senador Tim Scott, seguiu a mesma linha. Segundo ele, o ataque foi uma “tentativa de assassinato auxiliada e incentivada pela esquerda radical e pela mídia corporativa”.
Fernando Brancoli, professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que a utilização política do incidente com tiros em um comício de Donald Trump revela estratégias centrais do conservadorismo global.
“A rápida disseminação de desinformação que acusa a esquerda de envolvimento demonstra uma tática de manipulação que visa fortalecer a base conservadora ao criar inimigos comuns. Esse uso de crises para moldar narrativas que demonizam o adversário político é uma prática comum para incitar medo e reforçar a lealdade entre seus seguidores”.
Brancoli avalia que a estratégia de “mobilização baseada na desinformação” pode influenciar movimentos de extrema direita globalmente e reforçar a polarização e a instabilidade.
“A eficácia dessa abordagem reside na capacidade de deslegitimar opositores e consolidar o poder através da manipulação da opinião pública, o que, em última análise, pode levar a uma maior aceitação de políticas autoritárias e repressivas em diversas nações”.
Influenciadores da extrema direita fortaleceram as teorias de que o ataque foi um complô. A maior parte delas afirma que o crime foi cometido pelo que chamam de deep state (Estado profundo, em português), suposta rede de poder paralelo que teria controle do mundo.
As postagens também incitam o pânico, com afirmações de que novos ataques irão ocorrer e que uma guerra civil é iminente, além de acusações de envolvimento dos serviços secretos de inteligência e segurança dos Estados Unidos.
O professor de Política Internacional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Paulo Velasco, também falou sobre o tema com o BdF. Ele apontou que não será surpresa se a extrema direita global usar o ocorrido em proveito das temáticas que defende.
“Justamente no sentido de reforçar algumas pautas relativas ao rigor, no combate à violência e à criminalidade, que têm sido pautas importantes para a extrema direita global”, afirmou ele.
Ainda de acordo com Velasco, os grupos conservadores devem tentar desassociar o ataque das facilidades na obtenção de armas nos Estados Unidos. Com Trump na postura de vítima, o problema não seria o acesso aos armamentos, mas sim uma suposta deterioração da sociedade estadunidense.
“(A narrativa da direita) estaria associando o fato de ontem não à excessiva difusão de armas, porque algo que jogaria contra a sua pauta. Mas muito associando justamente contra os desajustes da sociedade americana e a necessidade de resgatar essa sociedade na sua essência”.
Biden
Em rápido pronunciamento público na tarde deste domingo (14), o atual presidente dos EUA, Joe Biden, pediu aos estadunidenses que não fizessem conjecturas sobre os motivos ou a afiliação do atirador. "Ainda não temos nenhuma informação sobre o motivo do atirador. Sabemos quem ele é". Biden também pediu que a população "deixe o FBI fazer o seu trabalho".
O suspeito, Thomas Matthew Crooks, de 20 anos, foi morto pelas forças de segurança após efetuar os disparos.
Edição: Raquel Setz