Enchentes

Deputados do RS discutem revisão do sistema de cheias diante de novo cenário climático

Debate na assembleia apontou falhas no conjunto de diques e casas de bombas instalados a partir da década de 1970

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Debate reuniu deputados, gestores municipais, técnicos, representantes de empresas de saneamento e bacias hidrográficas - Foto: Fernando Gomes/ALRS

O sistema de proteção contras as cheias na região metropolitana de Porto Alegre foi tema de audiência pública, nesta segunda-feira (8), na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O debate na Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do estado, presidida pela deputada Stela Farias (PT) reuniu gestores municipais, técnicos, representantes de empresas de saneamento e bacias hidrográficas.

Sob proposição e condução do deputado Miguel Rossetto (PT), a audiência colocou em foco as falhas do sistema e o que precisa ser feito para o funcionamento adequado dos diques de Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo, instalados a partir da década de 1970. Para o parlamentar, que também preside a Frente das Águas da Assembleia Legislativa, é necessária a avaliação de todo o sistema, implantado em outro cenário climático.

“Queremos entender o que funcionou, o que deu errado e por quê”, disse Rossetto. Para ele, o Rio Grande do Sul é o epicentro dos efeitos das mudanças climáticas, mas não está preparado para proteger as pessoas, as cidades e a natureza. “Considero esse um dos desafios mais importantes que o estado tem pela frente. Temos que reposicionar nossa agenda, e esse debate deve acontecer com muita intensidade nos municípios”, reforçou.

Em esfera federal, ele informou que “o presidente Lula já garantiu os recursos necessários para atualizar os projetos aprovados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2012, e que estão atrasados ou paralisados”. São os projetos da Metroplan para o Arroio Feijó (Alvorada), Rio Gravataí, Rio dos Sinos, Eldorado do Sul e Rio Caí.

Canoas necessita de diques e casas de bombas

Um dos municípios mais atingidos, Canoas foi representado pelo secretário de Obras, Guido Bamberg. Ele apresentou os principais números da tragédia e as ações emergenciais da prefeitura. “Foi a maior cheia da nossa história, ninguém estava preparado para tanta chuva em curto espaço de tempo, após 35 alertas de evacuação. De 28 de abril a 4 de maio, houve um nível de precipitação de 415 milímetros, que elevou o nível do Guaíba a 5,35 m”, lembrou.

Segundo ele, a perda estimada da arrecadação é de R$ 204 milhões até dezembro de 2024. O secretário relatou outros danos: das 27 unidades básicas de saúde, 20 foram danificadas; das quatro unidades de Pronto Atendimento, três ficaram submersas e o Hospital de Pronto Socorro comprometido; da rede de ensino infantil e fundamental que estavam na região alagada, 41 das 83 escolas municipais foram atingidas; 28 mil empresas afetadas (56,3%); 180 mil pessoas atingidas e mais de 70 mil residências inundadas.

A mancha de inundação em Canoas atingiu mais de 50% do território. O rompimento do dique Mathias Velho/Harmonia junto à casa de bombas número 6, e do dique Rio Branco /Fátima, em 3 de maio, despejou 88 milhões de metros cúbicos de água na região oeste da cidade, segundo dados do Instituto de Pesquisas Hidráulicas, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/Ufrgs).

“A partir daí, quando a água começou a baixar, tivemos um trabalho exaustivo. Cinquenta e duas motobombas móveis que vieram da Sabesp de São Paulo foram instaladas com capacidade de vazão de mais de 266 milhões de litros/hora de água. No bairro Mathias Velho, conseguimos esvaziar em 28 dias; e em 32 dias secamos a cidade. A metade do tempo previsto”, completou.

O sistema atual de proteção da cidade conta com oito casas de bombas. Para o secretário, a previsão de novos diques, requalificação das casas de bomba e elevação de diques atuais é urgente e envolve investimento de R$ 1,5 bilhão. “Naquele momento, só não inundou o centro da cidade por ser elevado. Nós precisamos avançar nesse sistema de proteção com muita celeridade”, enfatizou.

São Leopoldo e atualização do plano de contingência

O coordenador da Defesa Civil de São Leopoldo, Fabiano Camargo, apresentou mapas das áreas não protegidas por diques que tinham ocorrência de inundações, imagens de junho do ano passado com alagamento em várias regiões da cidade e imagens do evento de maio, quando houve o extravasamento do sistema de cheias, construído com base na enchente de 1941.

A cidade teve 34.100 unidades habitacionais atingidas; 130 mil pessoas afetadas; cerca de 20 mil desabrigados atendidos em 130 abrigos atendidos pela prefeitura, além de abrigos voluntários. Hoje cerca de 700 pessoas continuam sendo assistidas em abrigos públicos.

O plano de contingência da cidade teve início em 2014, por meio das métricas das enchentes de 2003. Segundo Camargo, todo o planejamento foi cumprido, mas não foi suficiente. Ele propõe repensar e atualizar o plano que envolve São Leopoldo.

Para isso, segundo ele, é necessário estabelecer uma Política Pública Municipal de Proteção e Defesa Civil, com diretrizes, objetivos e as especificidades do município; estruturar a Defesa Civil; ampliar o Plano de Contingência Municipal com os elementos dos novos eventos de junho/2023 e maio/ 2024; criar um Núcleo de Proteção e Defesa Civil para promover uma consciência coletiva e mudança de hábitos; implantar Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil nas regiões da cidade; ter capacitação para os integrantes dos Núcleos Comunitários; além de estratégias de comunicação, compra de barcos e equipamentos de alerta.

Rossetto reforçou o entendimento de qualificar a Defesa Civil. “Precisamos uma nova Defesa Civil. Muitos estados tem Secretaria da Defesa Civil, como é o caso de Santa Catarina. Um dos casos dramáticos que nós tivemos foi quando as pessoas eram avisadas que deveriam sair de casa, mas sem saber para onde deveriam ir”, lamentou.

"Se a gente falha lá atrás na prevenção, todo o resto fica comprometido"

Engenheiro ambiental e doutor em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, o professor Maurício Paixão, do IPH/Ufrgs, falou sobre as lições da crise e como devem ser as respostas ao desastre. Destacou cinco etapas: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. Dessas, para ele, as três primeiras não foram feitas de forma satisfatória, a resposta foi a possível e agora todos empenham esforço na recuperação. “Mas reparem que se a gente falha lá atrás na prevenção, todo o resto fica comprometido”, reforçou.

Ele considera importante a atuação de voluntários, pois, se ela não existisse, certamente o cenário teria sido muito pior. O professor ponderou, contudo, que essa atuação necessitava de comando. Também pontuou o conhecimento da comunidade local para dar orientação para as equipes se moverem e a atuação das corporações.  

“As situações foram bem dramáticas em função da emergência, não havia equipamentos adequados”, disse ao lembrar que, mesmo sem treinamento, os voluntários resgataram pessoas feridas, gestantes, e ligadas a aparelhos. “Medidas estruturais funcionam, e obras são importantes sim. Mas eu também sou incentivador de soluções não estruturais, como a educação, por exemplo”, acrescentou.

O professor defendeu, a exemplo dos demais, o fortalecimento da Defesa Civil com a estruturação das carreiras, e dos núcleos que vão atuar dentro das comunidades. “Vamos precisar também, como desdobramento desse desastre, do resultado de pesquisas científicas que já estão em andamento no IPH. Não vão servir para este, mas para o próximo desastre”, sentenciou. O docente reforçou ainda a importância da educação e da criação de um centro de memórias para lembrar o que ocorreu.

Projetos e ações para contenção das cheias

De forma virtual, o diretor superintendente da Metroplan, Francisco Horbe, fez um relato da situação dos projetos da entidade voltados à contenção das cheias inscritos no PAC e que estão em andamento.

No projeto executivo, Horbe defende cinco eixos estruturantes: criação ou fortalecimento de órgão metropolitano como uma entidade de gestão integrada entre as esferas de governo; criação de um órgão de gerenciamento e monitoramento em termos de produção; centro de monitoramento e de alerta de risco; criação de fundo múltiplo para prover um banco de projetos para todo o estado e que sirva de exemplo para o Brasil; contratação desburocratizada – projeto e obras, RDC integrado; mapeamento das regiões atingidas, remanejando moradias e estabelecimento de um plano nacional de habitação.

Pela Secretaria Extraordinária da Reconstrução do RS, o diretor de relações econômicas, Ronaldo Zulke, informou que já existe decisão do governo federal sobre obras emergenciais de restabelecimento dos diques e das casas de bombas. Será feito, a partir de encaminhamento do Ministério da Integração junto às prefeituras da grande Porto Alegre.

Paralelamente, segundo o diretor, o projeto da Metroplan será ampliado, com a utilização da inteligência e das pesquisas locais. Sobre o sistema amplo de proteção, disse que precisa ser desenvolvido, mas que leva cerca de 3 a 4 anos.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira