Paralisações e greves do funcionalismo público, luta contra as privatizações, ocupação de terra, defesa do Ipsemg e combate ao avanço da mineração marcaram o primeiro semestre de 2024 em Minas Gerais. Em todo o estado, trabalhadores resistiram ao avanço do projeto neoliberal, aplicado pelo governador Romeu Zema (Novo).
“Fizemos um conjunto de mobilizações, denunciando que Zema é promotor da manutenção de privilégios, e quer entregar para a iniciativa privada o patrimônio do povo mineiro, privatizando as empresas públicas, precarizando o trabalho dos servidores e entregando os bens naturais”, comenta Sílvio Netto, da direção do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Contra as privatizações
Entre os dias 19 de abril e 1º de maio, mais de 500 organizações populares e sindicais construíram o Plebiscito Popular em Defesa das Estatais de Minas Gerais, que consultou mais de 300 mil pessoas de 120 municípios sobre o futuro das empresas mineiras. 95% disseram que Cemig, Copasa, Gasmig, Codemig e Codemge devem continuar públicas. Desde o seu primeiro mandato, Zema propõe a privatização das estatais.
O plebiscito também perguntou à população sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/2023, de autoria do governo, que ficou conhecida como “PEC do cala a boca”. Com a proposição, o governo quer retirar a obrigatoriedade de realização de um referendo popular para vender as empresas mineiras. 98% dos participantes do plebiscito popular disseram ser contra a medida.
“Foi um processo que fortaleceu o protagonismo popular e o exercício da democracia direta e participativa. A população não aceita a venda de estatais tão fundamentais. Também provocamos a unidade entre sindicalistas, professores, igreja, juventude, militância partidária, da cultura etc”, avaliou a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL).
Defesa da saúde pública
O governador também enfrentou mobilizações contra a privatização dos hospitais da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). Em abril, ele enviou para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a proposta de criação de uma instituição de direito privado para gerir as unidades da rede.
Na época, o Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais (CES/MG) emitiu um parecer técnico alertando que o PL 2.127/24 abriria caminho para a privatização da saúde. Trabalhadores e usuários fizeram diversas manifestações contra o projeto.
A deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) destaca que a não aprovação da proposta nos primeiros seis meses do ano foi uma das principais conquistas do semestre.
“Se tivesse sido aprovada, representaria o avanço da agenda privatista no estado e o desmonte da saúde pública”, avalia a parlamentar.
Mobilizações do funcionalismo
Mesmo tendo sancionado um reajuste de quase 300% em seu próprio salário no ano passado, neste ano, Romeu Zema propôs inicialmente um aumento de apenas 3,62% aos servidores do estado. A proposta foi motivo de dezenas de paralisações das categorias do funcionalismo público.
“É uma tentativa de perpetuar a política de desvalorização salarial, que ameaça os direitos e as conquistas históricas dos trabalhadores da educação. Atualmente, os educadores mineiros recebem apenas metade do salário que lhes é devido”, avaliou o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (SindUTE/MG), na época.
Os servidores denunciaram que o reajuste não seria capaz de repor sequer a inflação e apresentaram uma contraproposta de 10,67%. Em meio a seguidas mobilizações dos trabalhadores, Romeu Zema ajustou a proposta para apenas 4,62%.
Beatriz Cerqueira destaca que, ainda assim, as lutas protagonizadas pelo funcionalismo público foram fundamentais para escancarar a falta de interesse do governo em valorizar os profissionais.
“Desmontamos o falso discurso do governo de valorização dos servidores. Ele não imaginava que teria uma reação tão massiva dos trabalhadores, a ponto do governador ter que suspender agendas oficiais, com medo dos servidores, que estavam manifestando em todas as regiões do estado”, destaca a deputada.
Greve de mais de 60 dias
Na educação superior, Zema enfrentou uma greve de mais de dois meses dos docentes da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), com adesão de 80% da categoria. Após a paralisação, que terminou no dia 26 de junho, a Associação dos Docentes da UEMG (Aduemg) destacou que a categoria saiu vitoriosa.
“A greve entrou para a história como a mais forte, ampla e mobilizada da universidade. Conquistamos uma série de vitórias importantes, diante de tantos ataques que sofremos nos últimos anos. Não resolvemos tudo, mas demos uma importante lição”, avaliou o sindicato.
Entre as conquistas, estão a manutenção do pagamento da ajuda de custo em caso de licenças, a realização de concurso público para as vagas com cargos já criados, a garantia de R$ 10 milhões no orçamento para política de assistência estudantil e o atendimento gradual dos pedidos de docentes que querem ampliar suas jornadas de trabalho de 20 para 40 horas.
Contra o desmonte do Ipsemg
Os trabalhadores também enfrentam o PL 2238/24, que reajusta em 80% os valores das contribuições ao Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg).
O projeto propõe o aumento do teto de contribuição de R$275,15 para R$500,00, e do valor mínimo de R$33,02 para R$60,00. A proposta ainda estabelece a criação de uma alíquota adicional de 1,2% para titular e cônjuge de mais de 59 anos de idade. Além disso, a medida altera a cobertura de assistência médica prestada pelo instituto, excluindo, por exemplo, o fornecimento de próteses e a internação domiciliar.
Luta pela terra e em defesa dos bens naturais
Outro destaque do primeiro semestre foi o enfrentamento à mineração. Criticado por flexibilizar as normas ambientais e favorecer as mineradoras, Zema facilitou o avanço de empreendimentos que ameaçam as serras de Minas Gerais e intensificou as investidas para a exploração predatória do lítio na região do Vale do Jequitinhonha.
“A mineração avança em todas as regiões do estado. Na extração da bauxita na Zona da Mata, na extração do minério de ferro no Quadrilátero Ferrífero, na tentativa de minerar a Serra do Gandarela ou na mineração da própria Serra do Curral, nas barbas da capital”, destaca Sílvio Netto, do MST.
“E ainda tem a falácia da ‘economia de baixo carbono’, que aponta toda a bacia do Rio Jequitinhonha para a extração do lítio. Todos os técnicos dizem que, na melhor hipótese, esse mineral gasta 50 mil litros de água por minuto para o seu beneficiamento básico. Isso atinge diretamente o principal limite da sobrevivência de todo o povo da região, que é a água”, complementa.
No dia 8 de março, mulheres do MST protagonizaram, junto a 500 famílias da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a ocupação de um terreno abandonado e improdutivo em Lagoa Santa. Entre as pautas da mobilização, o movimento destacou as críticas ao atual modelo de mineração, a denúncia do fortalecimento do agronegócio no estado e o combate à fome.
“Esfregamos na cara do governador que aqui o povo não vai se render. Essa ocupação demonstrou toda a legitimidade da luta pela terra e da defesa do meio ambiente”, relembra o dirigente do movimento.
Impasses sobre a dívida do Estado
Mesmo com a apresentação de propostas alternativas, a ameaça de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) como “resolução” para a dívida de Minas Gerais com a União, que já atinge R$ 170 bilhões, seguiu na ordem do dia. O tema também pautou as mobilizações populares de oposição ao governador no primeiro semestre.
Além de privatizações, o RRF prevê o congelamento dos salários dos servidores, a suspensão da realização de concursos públicos e a retirada de direitos, como progressões de carreira e férias prêmio. Em troca, a dívida do Estado é suspensa pelos próximos nove anos, mas depois volta a ser cobrada com juros e correções.
“O governo Zema insiste no RRF porque nunca se preocupou com a efetiva negociação da dívida. Além de não se esforçar, ele dificultou que avançassem as negociações. Toda negociação na qual ele não é o protagonista, ele desqualifica, evidenciando que não tem interesse em resolver. O governo Zema vive da polarização”, comenta a deputada estadual Beatriz Cerqueira.
Uma das propostas alternativas ao regime, batizada de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados junto à União (Propag), está em negociação entre o presidente do Senado e o Governo Federal. O Propag prevê, entre outras coisas, a federalização de empresas públicas estaduais.
O cientista social Estevão Cruz alerta para a necessidade da população se manter mobilizada.
“Muitas empresas que foram federalizadas terminaram privatizadas. O governo Zema sempre quis se desfazer das estatais porque tem uma visão privatista, antidemocrática e elitista. Ao sinalizar acordo com a proposta de Rodrigo Pacheco, o governador pode estar entendendo que esse é um caminho para o seu objetivo, que é desfazer das empresas”, avalia.
Perspectivas para o próximo semestre
Entre as perspectivas para o próximo semestre, as lideranças políticas destacam a necessidade de seguir com o enfrentamento à agenda de Romeu Zema, de forma unificada.
“As principais tarefas são da ordem da mobilização e da organização popular. O conjunto de iniciativas do primeiro semestre provaram que, apesar da reeleição de Zema, há disposição do povo mineiro em lutar para defender nossos direitos e patrimônio. Temos a tarefa de seguir construindo agendas de lutas que contribuam para avançar no desgaste do governador e acumulem para a construção de outro projeto político para Minas Gerais”, aponta Camila Moraes, da coordenação da Campanha Estadual Fora Zema.
Por se tratar de período eleitoral, Sílvio Netto destaca que a segunda parte do ano precisa ser marcada pela combinação entre a luta institucional e de massas.
“Nós temos desafios que não se resolvem nas urnas. E, ao mesmo tempo, a eleição terá papel importantíssimo. É fundamental seguirmos enfrentando o fascismo na disputa institucional. Todo vereador e prefeito que se vincule à extrema direita precisa ser derrotado em Minas Gerais. Mas também é necessário seguir as mobilizações populares”, avalia.
“Precisamos celebrar a unidade das organizações populares e sindicais em torno dos temas fundamentais para a soberania do povo mineiro. Alimento, mudanças climáticas, trabalho, saúde, educação, etc, precisam ser colocados à luz das disputas institucionais, mas também na luta ideológica e, principalmente, ocupando as ruas e os latifúndios, fazendo greves, promovendo a luta direta. É isso o que realmente muda a vida do povo”, complementa o dirigente do MST.
O outro lado
Procurado pelo Brasil de Fato MG para comentar sobre as denúncias, o governo de Minas não respondeu até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto para manifestações.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Lucas Wilker