O Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) ficou de fora dos anúncios previstos para a próxima quarta-feira (3) durante o lançamento do Plano Safra 2024/2025, dirigido ao agronegócio, e do Plano Safra da Agricultura Familiar. O anúncio oficial sobre os planos acontecerá no Palácio do Planalto, às 15h.
De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, o valor a ser liberado para os Planos é de R$ 400,58 bilhões em crédito para empresários, sendo R$ 293,88 bilhões destinados ao custeio e comercialização e outros R$ 106,7 bilhões para investimentos. Para a agricultura familiar serão destinados R$ 74,98 bilhões em crédito.
Ainda segundo a pasta, entraves nas negociações sobre o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) e dificuldades orçamentárias para os editais dos Núcleos de Estudos sobre Agroecologia e Produção Orgânica (NEAs) forçaram o adiamento do plano voltado para a promoção da agroecologia, que deve ser lançado apenas dia 16 deste mês.
O Pronara foi elaborado por um grupo de trabalho criado em 2013 para orientar e organizar as iniciativas do governo federal para restringir o uso de agrotóxicos no país. Setores ligados ao agronegócio pressionam para que o nome do programa seja alterado e restrito apenas aos agrotóxicos de alta toxicidade.
Já os editais para os Núcleos de Estudos sobre Agroecologia e Produção Orgânica (NEAs), outro tema em aberto, é vinculado às universidades e institutos federais em articulação com comunidades, movimentos sociais e territoriais, no desenvolvimento de pesquisa e extensão para a promoção da agroecologia e da produção orgânica. O núcleo é parte do Planapo.
Pressão das entidades
Entidades ligadas à agroecologia lançaram, na sexta-feira (28), uma carta aberta e abaixo-assinado subscrito por mais de 300 organizações, na qual cobram do governo federal o anúncio de recursos e a retomada dos editais, que têm período de execução de quatro anos.
Atualmente, são cerca de 200 núcleos em funcionamento. As entidades e organizações afirmam que os editais não são publicados há quatro anos, impactando, a partir da falta de recursos, programas de pesquisa e extensão em agroecologia.
As entidades também chamam atenção para um edital no valor de R$ 50 milhões anunciado pelo governo federal em novembro de 2023, durante o Congresso Brasileiro de Agroecologia, que até o momento não ocorreu.
“Com a chegada do Lula nesse terceiro mandato, havia uma expectativa de que a gente pudesse reconstruir esse apoio, já que no governo Bolsonaro, nós não tivemos como manter isso. Então desde outubro de 2023, antes ainda do Congresso Brasileiro de Agroecologia no Rio [de Janeiro], nós começamos a fazer um debate, uma negociação com o governo em torno da construção desse edital que é fundamental para a gente seguir com esse trabalho. Mas até então esse edital não foi publicado”, afirma José Nunes da Silva, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e integrante da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).
Nunes afirma que os movimentos buscam interlocução com os diversos ministérios do governo, mas até o momento não há sinalização sobre os recursos.
Segundo o coordenador-executivo da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) e integrante do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Paulo Petersen, a falta de previsão para novos recursos frustra expectativas das entidades de agroecologia do país.
“A gente está falando de recursos não para um edital, mas para quatro anos. Então mesmo que tenha um primeiro edital agora, de 40 milhões, a gente precisa de editais todo o ano, é preciso saber com quanto eles estão se comprometendo nos próximos quatro anos”, afirmou Petersen.
O Brasil de Fato procurou os ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e de Ciência e Tecnologia (MCTI) e os questionou sobre os recursos dirigidos ao Planapo, especificamente sobre os editais para os NEAs. O MCTI, da ministra Luciana Santos, afirmou que as informações relativas a esses programas devem ser obtidas através do MDA, que por sua vez, informou que não poderia adiantar os anúncios que serão feitos pelo presidente.
Sem mencionar o Planapo, o ministério comandado por Paulo Teixeira (PT) informou que haverá anúncios voltados para o fomento da agroecologia e da agricultura orgânica, “com foco em desenvolvimento sustentável e inclusivo no campo”.
O que são os NEAs?
Os Núcleos de Estudos sobre Agroecologia e Produção Orgânica (NEAs) são parte das políticas públicas de inclusão e incentivo à agroecologia e à produção orgânica, desenvolvidos a partir de parcerias entre universidades e institutos federais, movimentos sociais, e organizações da sociedade civil.
Os NEAs foram inspirados nos Grupos de Agricultura Alternativa ou Agricultura Ecológica, que surgiram na década de 1980. Em 2010, durante o segundo governo Lula, foi lançado o primeiro edital público para financiar a criação e manutenção dos núcleos.
De acordo com a ABA, de 2012 a 2016, o governo federal investiu R$ 42,8 milhões nos NEAs, tendo atendido 60.824 beneficiários diretos.
“Os NEAs já comprovaram um efeito muito grande de formação profissional de pesquisa em agroecologia no Brasil inteiro. Ajuda a fortalecer a agenda da agroecologia nas instituições acadêmicas. É uma política que custa muito pouco e que tem uma efetividade muito grande”, defende Petersen.
Reclamações
Mesmo apresentando um aumento de 20% no valor total liberado em relação ao ano passado, deputados da bancada ruralista criticam o volume de recursos do Plano Safra, que consideram insuficientes para atender às necessidades do setor. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil negociava um aumento de 30% no crédito para o Plano Safra 2024/25, chegando a um total de R$ 570 bilhões, o que não ocorreu.
Por outro lado, movimentos sociais e povos indígenas questionam a discrepância entre os valores dirigidos ao agronegócio e à agricultura familiar, bem como à proteção ambiental dos territórios. No dia 26 de junho cerca de 200 indígenas fizeram uma manifestação em Brasília para questionar a distribuição de recursos do Plano Safra 2024/25.
Em suas redes sociais, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) João Pedro Stédile lembrou que, enquanto os empresários reclamam sem motivos, “continuam de fora, sem acessar o crédito, 500 mil famílias assentadas e outras 3 milhões de famílias entre os agricultores mais pobres”, criticou.
Edição: Nathallia Fonseca