O filho do presidente da Venezuela tem o mesmo nome do pai. Por isso Nicolás Maduro Guerra, 34, carrega o apelido de “Nicolasito”. Mesmo sem tanta proeminência na política, ele já chama atenção e tira fotos com os apoiadores chavistas por onde passa. E apesar da pouca idade e com uma carreira ainda iniciante na política do país, ele já acumula alguns papéis importantes no atual governo.
Maduro Guerra é o único filho de Nicolás Maduro e foi eleito deputado pelo estado de La Guaira pela primeira vez em 2021. Ele participou no último domingo (30) do simulacro eleitoral da Venezuela e percorreu três centros de votação, acompanhado do governador de La Guaira, Jose Alejandro Teran. Depois de cumprimentar os eleitores e dar declarações às TVs venezuelanas, o filho de Maduro convidou o Brasil de Fato e os jornais argentinos Tiempo e C5N para acompanhá-lo em uma viagem em seu carro até a capital Caracas.
O deputado tem um grande foco nos assuntos econômicos. Formado em economia, ele é vice-presidente da Comissão Permanente de Economia, Finanças e Desenvolvimento Nacional da Assembleia do país. A relação com a China é um dos temas de maior interesse de Maduro Guerra dentro dos debates sobre economia. E ele não esconde a sua inspiração: “Meu pai foi meu grande formador”.
A primeira vez que ele viajou ao país asiático foi em 2006. O atual presidente Maduro ainda era presidente da Assembleia Nacional e ele o acompanhou em uma viagem diplomática. Aquela experiência, somada à influência do pai, fez com que Maduro Guerra se aproximasse dos chineses. Em 2015, o agora deputado foi estudar no país e foi aí que ele se aprofundou na realidade chinesa e trouxe as inspirações para a Venezuela.
“Estudando e morando em Pequim conheci o modelo, como levantam as bandeiras do socialismo com características chinesas. Apoiam o mercado e explicam que não é uma invenção do capitalismo, mas que existe desde que a humanidade se instalou. Então o que fazemos com o mercado, bem, nós o socializamos”, afirmou.
A principal ferramenta para isso, segundo o deputado, seriam as Zonas Econômicas Especiais (ZEEs). A ideia formulada pelos chineses se pautava no investimento público e privado em determinadas áreas para o desenvolvimento de diferentes setores da economia. Nicolás Maduro Guerra se elegeu em 2021 como deputado tendo as ZEEs como bandeira de campanha para La Guaira.
O estado se inspirou no modelo da chinesa Shenzhen para formar sua Zona Econômica Especial. Antes de se tornar uma ZEE, a cidade chinesa tinha apenas 30 mil habitantes e sua principal renda era a pesca. O lugar se tornou um projeto piloto para a atuação das ZEEs no país e recebeu investimentos para a indústria de tecnologia, finanças e o setor portuário.
Na Venezuela, Maduro Guerra foi autor do projeto aprovado em 2022 que criou espaços com incentivos fiscais para que investidores públicos e privados, nacionais e estrangeiros, desenvolvam projetos em quatro zonas com diferentes áreas de foco atuação: Paraguaná, Aragua, ilha La Tortuga e La Guaira.
Para o filho de Maduro, a ZEE é uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento do socialismo na Venezuela.
“O mais difícil agora é desenvolver e levar adiante. Nós estamos trabalhando nisso. A ideia é nos apropriar do mercado, da produção, da industrialização, da tecnologia, mas com um modelo que queremos construir, que é o socialismo. Parafraseando os chineses, um socialismo com particularidades venezuelanas. Somos um país petrolífero, mas temos de mudar isso, mesmo que o petróleo exista durante os próximos 50 anos. Temos que pensar diferente e estamos fazendo isso”, disse.
O projeto de um Estado forte estava presente em sua casa desde cedo. O ex-presidente Hugo Chávez já formulava a ideia de ter uma Venezuela conduzida pelo Estado desde antes de assumir o poder em 1999. Mas a discussão sobre um socialismo bolivariano só ocupa a pauta a partir de 2006, depois da segunda vitória eleitoral de Chávez.
Com isso, a inspiração em modelos que formularam o socialismo como pilar passaram a ter prioridade na discussão pública da Venezuela. Maduro Guerra vai à China também com interesse em discutir esse formato e essa ideia de sociedade.
“Aqui na Venezuela chegamos à conclusão de que o mundo se debate num choque de modelos. A China não quer assumir esse papel, quer um mundo mais amplo. Mas o que vejo é de um lado os Estados Unidos e do Ocidente, que coloca o dinheiro, o capital, o ter mais, o consumismo no centro. Isso faz com que esse modelo seja inviável para a humanidade, porque no final vamos esgotar tudo”, disse.
Economia e eleições
O filho de Maduro diz que se sente mais confortável discutindo economia e fala com orgulho dos resultados econômicos do país no começo do ano. O país conseguiu reduzir a inflação e estabilizar o câmbio. Segundo o governo, a perspectiva é terminar o ano com um crescimento de quase 8% do PIB.
A contração do processo de dolarização também foi um dos pontos fundamentais na economia venezuelana. O uso de dólares caiu na Venezuela no último ano. Segundo relatório do instituto Ecoanalitica, as transações com a moeda estadunidense representaram 32,7% de todas as trocas comerciais em fevereiro de 2024, uma redução em relação aos 42,3% registrados em maio de 2023.
Segundo o deputado chavista, o uso do dólar foi uma “válvula de escape” paralela ao bolívar, a moeda nacional, em meio a uma crise sem precedentes no país. Para ele, o ideal seria abandonar o uso da moeda, mas ele reconhece a lentidão nesse processo.
“Eles atacaram duramente a nossa moeda. Foi um roteiro preparado, como fizeram em países como o Chile nos anos 1970, depois na Malásia e na Indonésia, quando a esquerda venceu lá, e na África também. Somos um país rentista do petróleo, e quando sancionaram a venda o nosso bolívar sofreu e foi muito desvalorizado. Aí as pessoas começaram a usar o dólar e o Estado permitiu. Não formalizou, mas permitiu que a válvula de escape fosse essa”, disse.
O governo estima que o bloqueio impactou a economia da Venezuela em cerca de US$ 642 bilhões (mais de R$ 3,3 trilhões). Para o filho de Maduro, esses efeitos têm reflexo direto na disputa eleitoral. Ainda assim, o deputado é muito confiante quando fala de eleição. Sempre usa o “quando” e nunca o “se” para se referir à reeleição de Nicolás Maduro em 2024.
“Não quero nos vitimizar porque não somos vítimas mas sim vitoriosos, mas vamos às eleições de mãos atadas. O Estado tem mais de US$ 23 bilhões bloqueados fora do país. Deixamos de arrecadar US$ 300 bilhões por causa das sanções. Mas estou seguro que vamos ganhar. Sem triunfalismo, mas tenho muita expectativa”, afirmou.
Para ele, há dois tipos de oposição no país: uma que dialoga e que acredita no pleito e outra extremista, que se pauta nos interesses dos Estados Unidos.
“Há pessoas na oposição que acreditam no país, mas divergem dos critérios que usamos. Essa oposição entendeu que o caminho é votar. Eles sabem que o sistema eleitoral é infalível. Essa parte da oposição não quer lidar como a oposição extremista e violenta que sempre prepara cenários alternativos e nunca foi democrática. E, acima de tudo, não são donos de si próprios. Estive nas mesas de diálogo no México e em Barbados e vi que tinham de consultar os EUA sobre qualquer decisão que tomassem. Eles se reúnem com embaixadores americanos e assessores de suas equipes. Quando você não é o dono do seu destino, você não pode tomar suas próprias decisões. Eles estão amarrados ao que diz o Departamento de Estado, o Pentágono ou a Casa Branca, não sei. Essa é a oposição extremista. Não esperamos nada deles”, afirmou.
Relações na América do Sul
A volta de Lula à presidência em 2023 mudou a perspectiva da Venezuela na região. Reconhecido como uma liderança na América do Sul, o presidente brasileiro reaproximou o país do vizinho, retomou as relações diplomáticas e tem, agora, a expectativa de aumentar os investimentos em território venezuelano.
“O presidente Lula é um touro. Passou pela prisão, teve câncer, a morte de sua esposa. Foram tantas coisas que aconteceram com Lula e mesmo assim ele está conduzindo o Brasil, com a lógica do Brasil, com as problemáticas do Brasil, com o que deixou Bolsonaro. Sabemos que Venezuela e Brasil farão grandes coisas juntas no futuro”, afirmou Maduro Guerra.
Já a relação com a outra potência sul-americana, a Argentina, tomou um caminho oposto. O presidente argentino Javier Milei já disse que encabeçaria uma articulação contra a Venezuela para que as sanções contra o país aumentassem. Ele também chamou Maduro de “ditador”. O presidente da Venezuela respondeu e disse que o chefe de Estado da Argentina representa o “sionismo, o novo fascismo”.
Para Nicolasito, essa forma de governar de Milei vai deixar estragos na Argentina e terá o mesmo resultado do Brasil: a volta das forças progressistas ao governo.
“Milei é uma vergonha para a América Latina. Aí você vê os sete meses da Argentina com ele: o país não levanta a cabeça. A dívida é cada vez maior, a pobreza espalha-se cada vez mais, o declínio económico está a piorar. Vai acontecer como no Brasil: Bolsonaro deixou um desastre e no final chegaram as forças progressistas”, afirmou.
Confira outros trechos da entrevista:
Avaliação sobre os nacionalismo “antiglobalização”
"Vou ser filosófico. A humanidade avança numa interconexão muito grande. Há 100 anos não existiam aviões, o horizonte eram as cidades mais próximas de você. Seu relacionamento máximo era no máximo com seu país. Agora o mundo é menor. Se houvesse voos diretos, em 6 ou 7 horas estaria em São Paulo ou Buenos Aires. Em 13 horas estou em Moscou, em 27 horas em Pequim.
Temos que nos localizar onde estamos, mas também o que queremos ser. E acredito que a própria humanidade irá descartar os nacionalismos. Vou parecer fanático, mas na China encontraram um modelo que coloca a família e a humanidade no centro. Compartilhamos um planeta, um ambiente. As gerações mais jovens estão a compreender isso e sinto que seremos uma comunidade mais unida".
Participação dos jovens na política nacional
"Eu entrei na direção nacional do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) em 2021, e muitos outros entraram comigo, como Rander Peña, vice-presidente de Assuntos Internacionais do PSUV. Não só o presidente nos permitiu a entrada de jovens, mas também muitos dos líderes políticos, como Diosdado Cabello (vice-presidente do PSUV) e Delcy Rodríguez (vice-presidente). Querem que proponhamos, que transformemos.
Sempre há debate: nos vemos todas as segundas-feiras na direção nacional do partido. Diosdado dirige o debate e pede nossa opinião sobre tudo. Temos consciência da unidade e penso que é isso que nos diferencia da oposição. Há sempre muito debate, mas quando a liderança nos diz “temos que fazer isto”, fazemos de uma forma muito militante".
Esta entrevista foi realizada em conjunto com Marcos Príncipi (C5N) e Sebastián Rodríguez Mora (Tiempo)
Edição: Lucas Estanislau