O primeiro debate das eleições nos Estados Unidos ocorreu ontem diante de algumas expectativas. A lembrança do embate entre os mesmos candidatos em 2020, marcado pelo atropelo das regras e agressões verbais, e a polarização atual sugeriam algo não muito diferente passados quatro anos.
Para evitar situação parecida, a CNN mudou algumas regras, como desligar o microfone na hora da fala do oponente. A realidade, no entanto, surpreendeu. Não pela ausência de ofensas mútuas, mas pelo desempenho considerado por muitos catastrófico de Joe Biden. Com 81 anos de idade, ele é o presidente mais velho a ocupar o salão oval da Casa Branca.
Essa temática das capacidades físicas e mentais de ambos os candidatos vem sendo pautada há algum tempo. Mas Trump, com 78 anos e seu estilo histriônico, descaradamente mentiroso, mostrou mais vigor físico.
Ao longo do debate, Biden demonstrava dificuldade de concentração, não conseguia terminar linhas de raciocínio e mesmo sua voz ressoava baixa demais para o contexto. Enquanto Trump falava, o olhar de Biden parecia perdido em pleno estúdio.
A imprensa estadunidense não escondeu o alarde e revelou que vários nomes do Partido Democrata debatiam seriamente a possibilidade de trocar Biden até a convenção nacional do partido, a ser realizada no fim de agosto, em Chicago.
Sobre o debate, os temas já esperados tomaram conta da discussão: inflação, aborto, migração, guerra na Ucrânia e invasão de Israel contra a Palestina ocuparam a maior parte do tempo.
Trump buscou responsabilizar Biden pela inflação, que argumentou que o cenário internacional marcado por conflitos pressiona os preços. Por sua vez, Biden defendeu a criação de empregos em seu governo. Trump afirmou que o aborto deve ser uma questão estadual, enquanto Biden criticou a derrubada de Roe versus Wade, defendendo claramente o direito ao aborto.
Para não perder voto feminino, Trump não atacou o aborto claramente, chegou a defendê-lo em casos como estupro e risco de vida da mulher. Afirmou ainda referendar a decisão da Suprema Corte que manteve acesso às pílulas abortivas. Postura bastante diferente dos conservadores brasileiros, diga-se de passagem.
Já sobre migração, Trump manteve retórica agressiva e recheada de xenofobia diante de um Biden catatônico. Em relação à guerra na Ucrânia, Biden acusou Trump de certa conivência com uma suposta iniciativa russa de “recompor o bloco soviético”. Trump, por sua vez, alegou que a guerra só aconteceu porque Putin não respeita Biden e que, se fosse ele o presidente, o conflito não teria sequer iniciado. Trump vem criticando os altos gastos dos EUA no apoio à Ucrânia.
Um dos raros consensos foi o apoio inequívoco à Israel e ausência de críticas sérias em relação ao massacre em andamento contra o povo palestino, marcado por incontáveis violações de direitos humanos.
Ainda que Trump tenha manipulado bem o tempo das respostas, driblando boa parte das perguntas dos jornalistas, chamou a atenção como o 6 de janeiro de 2020, quando apoiadores do antigo presidente invadiram o Capitólio em uma tentativa golpista, teve pouco impacto no debate. Mesmo quando perguntado se respeitaria o resultado das atuais eleições, Trump respondeu dizendo que, se tudo ocorresse legalmente, respeitaria, deixando margem para interpretação em relação ao “legalmente”. A recente condenação de Trump por comprar o silêncio de uma atriz pornô também teve menos repercussão do que poderia.
O debate foi catastrófico para Biden. Levantamento prévio realizado pela 538/Ipsos indicava que eleitores pressupunham que Biden teria desempenho abaixo do que o de Trump. Mas o cenário foi ainda pior. As eleições estão extremamente polarizadas.
Último levantamento no New York Times mostra que ambos os candidatos possuem 46% dos votos. No entanto, Trump está à frente, segundo o Washington Post, em seis de sete estados considerados decisivos: Pensilvânia, Michigan, Carolina do Norte, Nevada, Arizona e Georgia. Apenas em Wisconsin Biden está na dianteira. Já de acordo com o New York Times, Trump está à frente mesmo em Wisconsin. Em 2020, Biden ganhou em todos esses estados, exceto na Carolina do Norte.
Esses estados serão decisivos. Seja quem vencer em cada um deles, a diferença será pequena. Nesse sentido, é compreensível o pânico no Partido Democrata causado pelo desempenho de Biden ontem.
*Vinicius Moraes da Cunha é historiador (USP), doutorando em Administração Pública e Governo (FGV/EAESP) e pesquisador visitante (Center for Latin American Studies/ Department of Political Science - University of Pittsburgh)
** As opiniões contidas neste artigo não representam necessariamente as do Brasil de Fato
Edição: Lucas Estanislau