Estados Unidos e Bolívia entram em campo neste domingo pela 1ª rodada da Copa América no estado de Dallas. Mas os dois países disputam fora do campo um recurso que é fundamental para a indústria estadunidense: o lítio.
A Bolívia tem a maior reserva do recurso no mundo. São cerca de 23 milhões de toneladas concentradas no sul do país. A região conhecida como salar do Uyuni forma um triângulo de grandes reservas com a Argentina – que tem 17 milhões de toneladas – e Chile – com outras 9,3 milhões de toneladas.
A demanda pelo minério aumentou vertiginosamente nos últimos anos depois do crescimento da produção de carros elétricos. A indústria depende do lítio para fazer baterias de alto rendimento para os veículos. Com isso, o preço do produto subiu e, em 13 anos, saltou de US$ 5 mil (R$ 27 mil) por tonelada do carbonato em 2010 para mais de US$ 80 mil em 2022. Em 2023, o preço caiu para US$ 23 mil no que especialistas entendem como resultado de uma queda nas vendas de carros elétricos na China.
Os Estados Unidos tentam controlar a produção de lítio do país para evitar a concorrência de China e Rússia na região. Isso ficou ainda mais claro durante uma conferência da Câmara dos Representantes dos EUA em março de 2023. A chefe do Comando Sul, Laura Richardson, disse que o triângulo do lítio é tratado como uma questão de "segurança nacional sobre o nosso quintal dos fundos".
O professor Paulo Niccoli Ramirez já havia exposto essa situação no livro O Golpe de 2019 na Bolívia – Imperialismo contra Evo Morales (Ed. Coragem, 2023). De acordo com ele, o país teve participação direta no golpe contra Evo Morales em 2019 e tinha no lítio o seu principal objetivo.
Já o governo boliviano tem adotado estratégias para manter o recurso sob produção estatal e fazer parcerias estratégicas com outros países que têm tecnologia para explorar o mineral. O Estado criou a lei 928, que prioriza a soberania nacional na produção de lítio com a participação integral da estatal YLB em todas as etapas da produção. Além disso, implementou a tecnologia chamada pelo governo de Extração Direta de Lítio (EDL), que é menos poluente e gasta menos água para limpar o lítio bruto.
A ideia do governo é que, ao longo do tempo, o próprio país tenha capacidade de produzir as ferramentas necessárias para a extração do lítio.
No plano de industrialização dessa cadeia produtiva, o país firmou em 2023 uma parceria com a China para ampliar a capacidade de produção anual do composto químico. O consórcio CBC - integrado pelas companhias chinesas Contemporary Amperex Technology Limited (CATL), Brunp e China Molybdenum Company Limited (CMOC) - estão responsáveis por instalar duas plantas de produção de carbonato de lítio nos salares bolivianos de Coipasa e Uyuni.
A empresa Uranium One Group, braço da estatal russa Rosatom, também assinou um projeto que aceita as condições do governo da Bolívia para fazer testes e projetos pilotos no país.
Com investimento de mais de US$ 1 bilhão (quase R$ 5,2 bilhões), cada planta teria capacidade de produzir 25 mil toneladas por ano de carbonato de lítio. Em 2022, a produção boliviana do mineral foi de apenas 600 toneladas segundo a YLB.
Para o economista boliviano Martin Moreira, o ideal é que o país tenha o controle sobre a produção e a relação com os EUA não é positiva neste sentido.
"Em primeiro lugar, devemos manter a soberania do país e fazer negócios com os Estados Unidos significa perder a soberania e aceitar condições. Nessas condições colocadas pelos EUA, procuramos não negociar com empresas que tenham as condições do país do Norte, mas podemos negociar com investidores que aceitem as condições do país quanto à exploração de recursos minerais estratégicos e não restrinjam a livre gestão da YLB como a empresa que vai orientar. A ideia é que as empresas dos outros países respondam a esta empresa estratégica boliviana", disse ao Brasil de Fato.
A nacionalização da produção de recursos minerais em 2008 e, em 2017, a criação da YLB, permitiram que os investimentos e as exportações na área fossem voltados à estrutura pública do país. Para Moreira, isso resolveu grande parte dos problemas estruturais do país.
"Graças à nacionalização, os problemas estruturais da Bolívia puderam ser resolvidos, desde as infraestruturas até à saúde e à educação. Agora, o lítio é a nossa oportunidade de atrair investimentos e divisas para o país", disse.
O que outros países da região fazem com seu lítio
Diferente da Bolívia, no Chile e na Argentina o lítio não é nacionalizado. No Chile, parte dos parlamentares constituintes apresentaram, em 2022, propostas para regulamentar a mineração chilena de cobre, lítio, e acabar com as concessões privadas, determinando a soberania do Estado sobre essas explorações. As propostas, porém, foram rejeitadas pela Convenção Constitucional, e sequer chegaram à versão do texto final da primeira versão da nova Constituição, que também acabou sendo rejeitada em plebiscito.
O debate sobre a nacionalização do lítio na Argentina também ganhou força nos últimos anos, com propostas de criação de uma empresa estatal de lítio, discutidas em um país onde os bens minerais pertencem às províncias. O setor empresarial argentino, representados pela Cámara Argentina de Empresários Mineros (CAEM), Unión Industrial Argentina (UIA) e a Cámara Argentina de la Construcción (Camarco), tem se oposto à iniciativa.
Com 880 mil toneladas de reservas identificadas de lítio, o Peru se encontra em 13° lugar na lista da US Geological Survey (agência estadunidense responsável por recursos naturais). Dois meses antes do recente golpe contra Pedro Castillo, o chamado Bloque Magisterial de Concertación Nacional apresentou no parlamento peruano um projeto de lei para nacionalizar a prospecção, exploração e industrialização do lítio no país.
Edição: Rodrigo Durão Coelho