O petróleo está no centro do debate eleitoral na Venezuela. O setor é motor da economia venezuelana e principal vetor de entrada de dólares no país, mas enfrenta dificuldades nos últimos anos e tem caminhos opostos apresentados pelos candidatos que disputam as eleições presidenciais de 2024: enquanto o governo quer fortalecer produção, a oposição, vender a empresa.
A indústria petroleira venezuelana começou a enfrentar dificuldades em 2015, quando os Estados Unidos impuseram sanções contra a empresa estatal venezuelana PDVSA. Outros países foram proibidos de negociar com a petroleira, o que atingiu em cheio a produção do país. Segundo cálculos do governo, em janeiro de 2015 eram produzidos 2,5 milhões de barris diários de petróleo. Em 2020 esse número caiu para 339 mil. Isso fez com que o país deixasse de arrecadar US$ 642 bilhões (mais de R$ 3,3 trilhões) nesse período.
O governo de Nicolás Maduro tem como meta principal ampliar a produção e a exportação do produto nos próximos anos, mesmo com as sanções dos EUA. Segundo o atual presidente e candidato para a reeleição, o objetivo é exportar, ainda neste ano, 1 milhão e 200 mil barris de petróleo por dia. Segundo o governo, a ideia é chegar a 2 milhões de barris por dia em 2025.
Para o pesquisador em economia da Universidade dos Andes, Arles Gomes, a proposta do governo apresenta um problema: o abastecimento de energia. Segundo ele, o aumento da produção petroleira no país depende de mudanças no setor elétrico.
A energia elétrica da Venezuela é produzida majoritariamente por usinas hidrelétricas. Ao todo, cinco centrais abastecem o país, sendo a principal delas a Hidrelétrica Simón Bolívar, conhecida popularmente como El Guri –responsável por prover energia também para o estado de Roraima, no Brasil. O país, no entanto, tem problemas de abastecimento
“Vamos aumentar a produção petroleira. Ok. Isso é realizável a médio prazo porque nesse momento o país não tem capacidade de geração elétrica suficiente para gerar um boom de produção petroleira. É um problema que as zonas onde estão as jazidas petrolíferas, sobretudo o petróleo leve que é comercialmente mais desejado e mais fácil de refinar, essas zonas estão nos extremos do país, ou a oriente ou ao ocidente. Nessas zonas a disposição de energia elétrica é muito pobre”, afirmou o pesquisador ao Brasil de Fato.
Ainda assim, a meta é fortalecer a estatal petroleira para ampliar a produção e, com o aumento das exportações, ter mais dólares para investimentos e programas sociais.
Oposição quer vender
Se o governo quer fortalecer a produção nacional sob o comando do Estado, a oposição propõe privatizar a PDVSA. O grupo do ex-embaixador Edmundo González Urrutia é liderado por María Corina Machado, que está inabilitada pela Justiça venezuelana por 15 anos e não poderá concorrer. Ainda assim, ela já reforçou que pretende privatizar a empresa estatal e aumentar a participação de empresas estrangeiras no setor petroleiro.
Mesmo sem poder concorrer, María Corina Machado tem um plano de governo que propõe um amplo programa de privatização de empresas e ativos públicos. Segundo o documento, a PDVSA está incluída neste pacote. Em entrevista ao site Politiks, a ultraliberal afirmou que é necessário atrair investimentos privados não só para o setor petroleiro, como todos os setores da economia da Venezuela.
“É claro que tem de ser privatizado. E não só a PDVSA, as empresas da Guiana, os hotéis, as empresas de telecomunicações. Pergunte a uma pessoa que trabalha na Corpoelec (Corporação Elétrica Nacional), ou PDVSA, ou Sidor (Siderúrgica do Orinoco), se ele quer trabalhar em uma empresa pública ou privada”, afirmou.
De acordo com ela, a posição da Venezuela tem que ser de aproximação com os Estados Unidos para que a privatização do setor petroleiro tenha melhores resultados. “A Venezuela tem uma posição em termos de perfil de petróleo que coincide perfeitamente com o sistema de refinação dos Estados Unidos. E isso não tem nenhum outro país. E aí há uma aliança estratégica”, afirmou em palestra na Universidade Católica Andrés Bello.
Obstáculos legais
A privatização de empresas como a PDVSA, no entanto, não são simples de serem executadas. A Constituição venezuelana não permite esse movimento sem uma mudança constitucional. O artigo 303 da Carta Magna do país estabelece que o Estado tem “todas as ações da Petróleos de Venezuela, SA, ou da entidade criada para a gestão da indústria petrolífera”. Ou seja, mesmo que a empresa mude de nome, 100% das ações da empresa são do Estado venezuelano.
Devido a essa determinação da Constituição, Arles Gomes afirma que a promessa de privatizar a empresa acaba sendo "estelionato eleitoral". Para ele, isso também representa um problema para a implementação de programas sociais e desvia o foco de um bem público.
“Prometer privatizar a PDVSA é um estelionato eleitoral, porque não se pode cumprir. Tem que propor uma mudança da Constituição para depois privatizar a indústria. Se você privatiza a principal fonte de dólares do país que é a indústria petroleira, os novos donos dessa empresa não vão se importar se a moeda desvaloriza, se a moeda se pulveriza por inflação, se a população passa fome, se faltam remédios. Eles não tem que se preocupar com nada já que a indústria não é pública, é privada”, disse.
Corrupção no caminho
Um dos principais problemas enfrentados pela empresa venezuelana são os casos de corrupção revelados nos últimos anos. O Ministério Público anunciou no começo de abril a prisão de Tareck El Aissami, ex-ministro do Petróleo e ex-presidente da PDVSA. Ele é acusado de participar de um esquema de corrupção. Segundo o procurador-geral da República, a segunda fase da operação PDVSA Cripto produziu evidências que ligam o ex-ministro e outros envolvidos no esquema de corrupção na estatal.
Também foram presos o ex-ministro da Economia e ex-presidente do Fundo de Desenvolvimento Social, Simón Alejandro Zerpa, e o presidente do banco digital Bancamiga, Samark López Bello. Eles seriam responsáveis pelas operações financeiras do esquema.
O governo estima que foram mais de US$ 17 bilhões (cerca de R$ 93 bilhões) desviados por meio de criptomoedas só no episódio chamado PDVSA Cripto. Mas o caso foi o quarto dos últimos anos. Os ex-ministros do Petróleo, Rafael Ramírez (2004-2014), Eulogio Del Pino e Nelson Martínez também foram acusados por corrupção na estatal e desvios na pasta responsável pelo setor no país.
Para Arles, a questão precisa ser resolvida pelo governo para poder evitar a saída de dólares já que o país precisa da moeda norte-americana.
“Algo está falhando e é preciso entender isso. A corrupção na PDVSA não é nova. Existe desde que se criou a PDVSA nos anos 1970, quando se nacionalizou o petróleo. É um assunto de Estado e o Estado precisa encontrar uma solução. A privatização não é o caminho, já que as empresas privadas também são suscetíveis a atividades corruptas. Se não, os bancos não quebravam”, concluiu.
Edição: Rodrigo Durão Coelho