Neste ano, o Ilê Aiyê completa cinco décadas de existência. O bloco já surgiu rompendo paradigmas, ao definir que apenas pessoas negras poderiam participar.
"A gente falou 'porque não fazer um bloco só de negão?', porque a gente observava que tinha blocos de Salvador, blocos grandes, mas que não permitiam que negros saíssem. E o espaço de negros só cabia ali na percussão ou para carregar alegorias, fora da escola de samba", relembra Antônio Carlos dos Santos, de 72 anos, o Vovô do Ilê, nesta edição do Bem Viver, programa do jornal Brasil de Fato. Ele conta também sobre a história do bloco e os maiores desafios do grupo.
Nascido em novembro de 1974 e composto por ritmistas, cantores e dançarinos negros, o bloco foi fundado por Vovô e por Apolônio Souza Filho, o Popó, dentro do terreiro Ilê Axé Jitolu, liderado por Mãe Hilda Jitolu, no Curuzu, bairro da capital baiana com maior percentual de população negra no país de acordo com o IBGE.
Naquele período, década de 1970, a juventude fundadora do Ilê se via inspirada no movimento de black music e 'na onda soul' que vinha se estabelecendo nos Estados Unidos. A época era marcada também pela luta por justiça racial e direitos civis entre a população afro-americana, tendo entre suas principais organizações o movimento dos Panteras Negras, criado em 1966.
Toda essa efervescência contribuiu para influenciar a identidade do primeiro bloco afro do Brasil, que quase se chamou "Poder Negro", em homenagem ao movimento norte-americano "Black Power".
"Eu queria colocar o nome do bloco Poder Negro, mas minha mãe [Hilda de Jitolu] me chamou e baixou minha bola, que esse nome não. Porque era uma época muito dura, a ditadura, a polícia perseguia muito e não foi diferente", conta Vovô.
O Ilê Aiyê se tornou uma referência na luta contra o racismo ao enaltecer as raízes africanas na cultura nacional.
"Tinha muita família negra, mas muita gente, a maioria não assumia sua negritude. Pessoal dizia que era cabo verde, marrom glacê, chocolate, que é madrugão do sol, pardo, mas negro, poucas pessoas assumiam que era negro. Tanto que nós radicalizamos no início do Ilê. Quem não assumia sua negritude não saía no bloco", explica Vovô ao rememorar a primeira saída do bloco com cerca de 100 pessoas do Curuzu.
A potência do grupo, durante os anos de chumbo da ditadura militar, veio acompanhada com repressão. "Eles não acreditavam que um bloco da periferia só de negão não teria marginais", como explica Vovô, que relembra também que até pouco tempo atrás o nome dele estava no Departamento de Ordem Política e Social (Dops).
"Nós escapamos de ser mortos, de ser presos, de ser exilados, porque foi um movimento que mexeu muito com a cidade, começaram a surgir blocos afro em Salvador, em todos os bairros, no Curuzu, na Ladeira. A polícia lá, aí, dia de sábado, saiu uma patrulha chamada mista que tinha pelo Brasil, era composta de composta de Exército, as Forças Armadas. Os caras chegavam lá e terminavam o ensaio, batiam".
Considerado patrimônio cultural da Bahia, o nome do bloco tem origem iorubá: Ilê significa casa, e Aiyê, significa terra. O nome pode ser traduzido como "Nossa Casa" ou "Nossa Terra". O vínculo com o candomblé é fundamental na história do bloco afro e também para consolidação de uma escola antirracista e de formação para jovens negros nas periferias de Salvador.
"Hoje o pessoal fala muito assim: 'Ah, se não fosse o Ilê Aiyê'. Eu digo 'ah, se não fosse o Ilê Axé Jitolu, se não fosse Mãe Hilda'. Porque ela abraçou a ideia, nos acolheu, abriu as portas do terreiro, era lá que a gente se reunia, era lá que a gente virou o Ilê, as reuniões, tudo era feito no barracão", conta Vovô.
Em 2024, em comemoração ao meio século que se completa, o tema escolhido para o carnaval foi "Vovô e Popó, com o Axé de Mãe Hilda Jitolu, a Invenção do Bloco Afro - Ah, se não Fosse o Ilê Aiyê".
A "revolução dos tambores", como define ele, veio não só através das músicas que traziam a história do continente africano e das revoluções negras brasileiras, mas também na Escola Mãe Hilda de Jitolu, que traz até hoje no contraturno do ensino regular para crianças e jovens com cursos de percussão, música, dança, canto através da Band’Erê e também oferece aulas de profissionalização.
"Hoje se fala de educação antirracista. O Ilê já faz isso desde os anos 1980, quando nós fazemos na nossa escolinha e depois que nós criamos os Cadernos de Educação, que hoje é socializado no Brasil todo, e também para a música, poesia, que a gente combate a desigualdade e faz o resgate do orgulho de ser negro".
Vovô do Ilê acredita que a principal mudança é o aumento da conscientização do povo negro. Mas ainda há muito o que se conquistar.
"Você imagina pegar um ferry boat para atravessar para a ilha de Itaparica num domingo de manhã e todo mundo gritando 'maluco, o Carnaval já passou'. Mas hoje todo mundo usa colorido. E as pessoas negras também que criticavam, mas a gente conseguiu fazer essa cidade mais alegre, mais bonita, mais colorida. Ainda não conseguimos fazer ela ser menos racista", denuncia ele.
Mesmo o Ilê Aiyê com 50 anos, com esse reconhecimento na Bahia, no Brasil e no mundo, Vovô ressalta que ainda falta patrocínio e acesso a recursos para que o bloco mantenha as atividades.
"O Ilê está pronto, nós temos uma sede de 5,4 mil metros de área construída, tudo lá. Então basta ele [empresário] botar a marca dele, ajudar a recuperar as crianças, educar mais gente, formar esses meninos que estão aqui. A maioria deles foi formada lá, chegou lá com seis anos e continua tocando seu tambor, viajando. Essa é a oportunidade que o Bloco deu de conhecer o mundo. Se não fosse o Ilê, como é que eles vão fazer?Essa luta não é minha, essa luta é nossa".
E tem mais...
O Bem Viver traz luta e ancestralidade também do movimento quilombola no Brasil, com a Marcha Aquilombar.
No Momento Agroecológico, a gente te mostra as hortas comunitárias que estão transformando um bairro na periferia de São Paulo.
Você também vai conhecer a Escola de Cinema no Campo, que oferece prática audiovisual para camponeses do Pará.
E a solidariedade continua no Rio Grande do Sul. Acompanhe o trabalho feito na cozinha solidária do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB).
Quando e onde assistir?
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Na TV Floripa: sábado às 13h30, reprises ao longo da programação, no canal 12 da NET.
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Na UnBTV: sextas-feiras às 10h30 e 16h30, em Brasília no Canal 15 da NET.
TV UFMA Maranhão: quinta-feira às 10h40, no canal aberto 16.1, Sky 316, TVN 16 e Claro 17.
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O programa também é transmitido pela Rádio Brasil de Fato, das 11h às 12h, de segunda a sexta-feira. O programa Bem Viver também está nas plataformas Spotify, Google Podcasts, Itunes, Pocket Casts e Deezer.
Edição: Thalita Pires