As eleições para o Parlamento da União Europeia causaram tremores políticos e ganharam as manchetes dos jornais de todo o mundo, muitas delas surpresas com o avanço da extrema direita. Mas para analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, mais do que ganhos práticos, a grande vitória da ultradireita europeia é ter aumentado sua visibilidade e movido o eixo de gravidade político, ao atrair o centro para sua direção.
"A extrema direita era marginal há dez anos, hoje esta sendo falada por todos. Sua maior vitória é puxar o centro à sua direção, mudando o eixo de gravidade de todo o espectro político", disse Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV (FGV NPII).
A extrema direita ainda é a quarta força no bloco, atrás dos socialistas, direita moderada e liberais. Para Vitor Pieri, do Instituto de Geografia da Uerj, os deputados da extrema direita passam a ter "só um pouco mais de espaço, nada muito significativo".
Paz lembra que a fatia dos reacionários "cresceu de pouco menos de 20% para pouco mais de 22%, não foi um avanço significativo, o avanço foi qualitativo, cresceu nos principais países", diz ele, se referindo a líderes do bloco, como França e Alemanha. No primeiro, o presidente Emmanuel Macron convocou eleições parlamentares para o final do mês após seu partido não ter mais do que a metade dos votos obtidos pela extrema direita. Na Alemanha, por outro lado, o chanceler, Olaf Scholz, descartou renunciar.
"Com o avanço da extrema direita nos principais países, os que criam grandes políticas no bloco, vamos ver esses países mais desconfortáveis em liderar mudanças que promovam a integração", afirma Leonardo Paz.
Racismo
O analista da FGV lembra do mantra adotado desde a década de 1990: É a economia, estúpido, cunhada durante a campanha presidencial de Bill Clinton em 1992, como verdade política que não faz mais sentido, por considerar a economia como determinante para a decisão popular.
Sinal da mudança dos tempos, Paz aponta que hoje a pauta de costumes tem pesado mais nas decisões da população. "Em países como EUA e Brasil a economia vai bem e há a percepção de que a coisa está ruim. Estamos em um momento da História em que elementos culturais, de valores, conseguem capturar a percepção da realidade das pessoas", diz.
"Quem apoia a extrema direita não é pobre, mas a classe média que sente que seus valores estão sendo combatidos."
Pieri concorda: "A União Europeia lida mal com o tema do multiculturalismo, da tolerância ao novo, a nascente identidade europeia. São questões mal resolvidas e que, num contexto de guerra híbrida, desinformação e fake news, fica mais difícil conter a desinformação. E mais fácil culpar imigrantes."
"A extrema direita surge com um discurso populista, vazio, mais que tem fácil penetração”, afirma ele. “Eles não têm necessariamente uma proposta de país, mas sempre culpam as minorias por situações que não são necessariamente problemas, mas são vistas como problemas", afirma ele.
O que fazer?
Vitor de Pieri diz que, ao contrário de outras partes do mundo, a extrema direita na União Europeia não é personificada por um nome forte. "Não há um rosto que una todos, acaba sendo um bloco impessoal, o que facilita seu combate".
Leonardo Paz destaca que "muitos partidos vêm se recusando a incorporar a extrema direita em coligações de governo, evitando provar da maçã envenenada".
"É uma boa estratégia de sobrevivência", afirma ele, lembrando de casos como o PSDB brasileiro que, ao flertar com o radicalismo, à época da eleição presidencial de Bolsonaro, acabou por se esvaziar.
E o número maior de deputados de extrema direita, inimiga tradicional dos organismos multiculturais, pode agora engessar o funcionamento do bloco? "Não diria isso porque pressupõe o travamento de processos", diz Paz. "Acredito que o que deve ocorrer é o aumento do custo político para a aprovação de medidas."
Movimentos populares e partidos progressistas europeus apontam como causa para o avanço da extrema direita o neoliberalismo e a repressão aos movimentos populares. Eles apostam em aprofundar suas políticas que visam o aumento dos direitos a todos como saída para a crise.
Mas Paz, que acredita que a pauta de costumes teve peso maior do que as condições materiais da população, enxerga a situação de outro ângulo.
"O desafio dos partidos progressistas é examinar como eles estão propondo o avanço das pautas sociais, como casamento LGBT, igualdade das mulheres e liberação da maconha. É difícil retroagir, mas esses partidos têm que pensar em como vão propor esses avanços sem causar mais fricções que acabem por afastar mais pessoas."
Edição: Lucas Estanislau