Nenhuma. Dentro da lógica de produção e ocupação do território imposta pelo capitalismo no Brasil, nenhuma resposta. Nos últimos 11 anos, 94% dos municípios brasileiros sofreram consequências diretas da crise climática. É um caminho sem volta. Pelo menos, dentro das perspectivas que este sistema nos dá.
Mas aqui, no Brasil de Fato, a gente trata de outros mundos possíveis e de experiências de bem viver, pautadas pelo respeito aos direitos humanos e à natureza. Esta newsletter é sobre isso. Só que antes de chegar lá, precisamos discutir os rumos a que estamos sendo conduzidos pelo capitalismo em crise.
Para além da especulação que jamais pisa o solo – o capital fictício –, a exploração direta e irrestrita de recursos naturais em países da periferia capitalista é a saída possível para dar sobrevida à irracional meta de ganâncias sempre crescentes.
Avança o lucro, e não sobra espaço para as pessoas, para os rios, para as florestas. Tudo precisa virar latifúndio e monocultura. Isso explica por que quase 90% do desmatamento ocorrido no Brasil em 2023 esteve concentrado em menos de 1% das propriedades rurais.
Aliás, do ponto de vista do 1%, a crise climática é, na verdade, uma oportunidade, um terreno fértil para um novo ciclo de acumulação. Fecham as pequenas lojas, ficam as Havans. Morrem os pequenos parreirais, ficam as grandes Auroras. Concentram-se terras, lucros, recursos, poder!
A reconstrução de territórios devastados por catástrofes também se tornou um negócio. Se não há tempo para debate e não há participação social, o chamado “capitalismo de desastre” já tem a receita pronta.
O termo cunhado pela jornalista Naomi Klein no livro A doutrina do choque se refere ao uso, por parte de gestores privados e públicos, de experiências de choque – como catástrofes – para fazer avançar oportunidades de negócios de maneira que, em situações de normalidade, não seria possível.
No caso do Rio Grande do Sul, que vive há um mês a pior tragédia de sua história, esse caminho fica escancarado na contratação, em meio à crise, das empresas estadunidenses de consultoria Alvarez & Marsal (A&M) e Mckinsey, pelo governador Eduardo Leite (PSDB) e pelo prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB).
É disso que trata a reportagem da Gabriela Moncau, publicada hoje no Brasil de Fato. No que depender de Melo, Leite e da elite econômica gaúcha, a reconstrução será pautada pela lógica de mercado, aprofundando a dinâmica de ocupação do território que causou uma tragédia dessas proporções.
Desse modelo, espera-se um prato cheio para especulação imobiliária e para novas ondas privatistas. Em Nova Orleans, nos EUA, onde a A&M atuou em 2005 após a passagem do furacão Katrina, restaram apenas 4 escolas públicas – 318 passaram para iniciativa privada.
Outros mundos possíveis
“A catástrofe não foi criada pelas nuvens que choveram”, lembrou ao BdF o pesquisador do Observatório das Metrópoles Tarson Nuñes. “Elas poderiam não ter tido um impacto tão grande se os campos da Serra não tivessem sido aplainados para plantar soja, o que reduziu a cobertura vegetal, assoreou os rios, fez a água cair mais rápido.”
Há um modelo econômico causador desse processo e é evidente que os mais pobres são os mais atingidos. Foi assim no RS, nós estávamos lá e vimos de perto. A crise climática gera um prejuízo de US$ 125 bilhões anuais no mundo todo, mas 90% dessas perdas estão no Sul Global, de acordo com o estudo 'A Anatomia de uma Crise Silenciosa'.
Mas alternativas potentes também vêm do sul global. É o que o Brasil de Fato evidencia diariamente no podcast Bem Viver e, semanalmente, no Bem Viver na TV.
Outro exemplo foi a cobertura das etapas regional e mundial da Conferência Internacional Dilemas da Humanidade, quando movimentos populares de diferentes países se reuniram para mostrar suas experiências de outras formas de organização.
Mais de 140 organizações de 70 países estiveram reunidas em Joanesburgo para unificar enfrentamento ao neoliberalismo. As alternativas vêm da África do Sul, da Índia, da Tanzânia, da Tunísia, na Venezuela, em Cuba, no Brasil. São iniciativas que apostam na solidariedade no lugar do lucro, na cooperação no lugar da competição.
São alternativas como a agroecologia, uma lógica de produção e ocupação dos territórios compatível com a preservação da vida. Agroecologia não é brincadeira. É futurista. Combina ciência com ancestralidade para provar que dá para produzir comida sem veneno, preservando os mananciais, recuperando nascentes. As alternativas ao modelo capitalista precisam ser levadas a sério.
O arroz agroecológico do MST, cuja produção foi diretamente atingida pela tragédia no RS, tornou-se referência de produção em larga escala com respeito aos recursos naturais. E há mais experiências bem sucedidas nos assentamentos da reforma agrária, nas terras indígenas, quilombolas, nos bairros e comunidades.
Imagina o que seria possível com investimentos? E se a grana que vai pro agronegócio fosse redirecionada? E se a reconstrução do Rio Grande do Sul, por exemplo, apontasse para o caminho da reforma agrária?
Para prevenir novas tragédias, o RS – e todo o Brasil – precisa devolver o espaço que tirou dos rios e florestas. É possível fazê-lo sem democratizar o acesso à terra, às cidades? Para que alternativas reais floresçam, é preciso superar o capitalismo.
Seguiremos noticiando os outros mundos possíveis.
Um abraço!
*Rodrigo Chagas é jornalista e coordenador da Redação do Brasil de Fato.
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Edição: Geisa Marques