PLEITO NO DOMINGO

Favorita no México, progressista Claudia Sheinbaum deve se tornar a primeira presidenta da história da América do Norte

Todas as pesquisas indicam sua vitória; esquerdista encerrou campanha em tom de otimismo

Brasil de Fato | Enviado especial à Cidade do México |
Claudia pode se tornar a primeira mulher presidente da história da América do Norte - AFP


“Sentimos entusiasmo e alegria em ir votar. Sentimos muito orgulho de ser mexicanos e de saber que está em nossas mãos a construção dos próximos seis anos. No próximo domingo, será o início do segundo andar da Quarta Transformação", explica com total convicção Amelia Gomez ao Brasil de Fato.

Professora rural do interior do estado do México, Amelia é uma das milhares de pessoas que participaram na quarta-feira (29) da cerimônia de encerramento da campanha do partido governista antes das eleições deste domingo. Vestida com uma camiseta do Morena e um boné com o slogan “Claudia Sheinbaum presidenta”, confia que ganharão as eleições fazendo com que o projeto do atual governo tenha continuidade.

Todas as pesquisas apontam esse cenário. Parece ser indiscutível que a coalizão governista, liderada pelo movimento-partido Morena, será reeleita para a presidência. A única questão é qual será a diferença de votos em relação à oposição: alguns estudos falam de uma diferença de 30%, enquanto as análises mais conservadoras preveem que será de “apenas” 10%.

No caso desse cenário se concretizar, este domingo, 2 de junho, ocorrerá uma exceção eleitoral: o México se tornará um dos poucos países em que o partido no poder conseguiria ser reeleito após a crise da pandemia de covid-19. O caso é ainda mais excepcional se considerarmos que, após seis turbulentos anos no cargo, o atual presidente, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), mantém uma imagem positiva de mais de 60%.

Desde a manhã de quarta-feira, as ruas do centro da Cidade do México se tornaram um verdadeiro tumulto. Cerca de 550 mil pessoas de diferentes províncias do país lotaram completamente a Plaza de la Constitución - popularmente conhecida como Zócalo. Em todas as ruas ao redor da praça lotada, foram montados telões para transmitir o encerramento da campanha.

A lendária banda de cumbia, Los Ángeles Azules, foi a responsável pela musicalização antes de os candidatos tomarem a palavra. Nos dias prévios ao encerramento da campanha, desde Morena se repetiu que seria uma festa para “comemorar que o triunfo está chegando”.

Frente ao palco, do outro lado da Plaza, pendiam dos prédios duas enormes faixas com as frases Esta é uma revolução e Primeiro os pobres. Esta última, um slogan que AMLO repete com frequência em seus discursos públicos.

“Viemos juntos de Santiago Juxtlahuaca, na província de Oaxaca, cerca de 40 camponeses. Viemos para que nosso projeto continuasse a ser ouvido, viemos porque queremos que a transformação continue", disse Francisco Hernández Canizales ao Brasil de Fato.


O Zócalo foi o local escolhido para o encerramento da campanha / AFP

Foram os próprios membros da comunidade que juntaram o dinheiro para pagar o transporte até a Cidade do México. Foram nove horas de viagem para passar apenas um pequeno tempo na praça. Contam que nunca haviam feito algo assim antes. Nunca sentiram afinidade com nenhum governo até a chegada de Andrés Manuel López Obrador.

Ao lado do grupo que acompanhou Canizales desde Oaxaca, algumas senhoras conversam entre si em Mixteco - um dos idiomas dos povos nativos do país. Senhora idosas que vieram desde o estado de Hidalgo.

A poucos metros de distância, um homem coberto por um sombrero tradicional nos conta que seus avós “lutaram na Revolução de 1917. Eles lutaram para ter suas terras e poder trabalhar nelas. E agora, nesses seis anos, nós, camponeses, fomos reconhecidos. Agora vamos trabalhar duro para que nossa presidente, Doña Claudia Sheinbaum, ganhe”. Histórias como essas se repetem em todos os cantos da praça.

Aqui nasceu a esperança”

O evento contou com apenas duas oradoras. A primeira foi Clara Brugada, candidata à prefeita da Cidade do México, uma das cidades mais populosas da América Latina, atrás apenas de São Paulo.

“É uma honra estar aqui com vocês hoje. No Zócalo, onde o povo travou milhares de batalhas", disse Brugada ao iniciar seu discurso.

“Aqui nasceu a esperança. Nesta praça, ao lado de López Obrador, derrotamos repetidas vezes os conservadores que resistem às forças de transformação. Hoje enchemos esta praça e no domingo encheremos as urnas com votos a favor da transformação", continuou.

Economista de formação, Brugada faz parte do núcleo fundador do Morena, o movimento/partido com o qual Andrés Manuel López Obrador (AMLO) se elegeu presidente em 2018 após décadas de hegemonia de governos conservadores. Ela é uma das mais importantes líderes de esquerda do país e uma das poucas que - sem ambiguidade - se define como feminista em um país onde apenas um punhado de pessoas o faz.

Vinda da militância ligada a movimentos populares, Brugada foi prefeita de Iztapalapa, uma das áreas mais pobres e populosas da Cidade do México. A partir daí, desenvolveu uma administração inovadora na qual os habitantes da área e diferentes movimentos sociais foram incluídos de forma participativa e protagonista na resolução de diferentes problemas.

Depois de listar todas as governadorias que o oficialismo espera ganhar, Brugada continuou seu discurso declarando que “esta grande cidade continuará a ser o coração do Obradorismo”. Nos últimos 27 anos, a Cidade do México tem sido governada por expressões progressistas. Antes da vitória presidencial de AMLO, a cidade sempre foi uma contra-tendência em relação ao governo nacional.

“Garanto a vocês que até o final de 2030 a cidade será ainda mais segura, mais próspera, mais feminista e mais diversificada, seremos a cidade mais conectada, mais pacífica, mais ciclista, mais eletromobilizada e mais cuidada”, enfatizou.


“Sigamos fazendo história”

Em seguida, foi a vez do discurso da candidata presidencial Claudia Sheinbaum. “Comprometo-me a manter o legado do Presidente López Obrador”, disse ela ao começar. Sheinbaum aspira a se tornar a primeira mulher presidente não apenas do México, mas de toda a América do Norte. Nos quarenta minutos seguintes, ela apresentou os 20 eixos principais de seu programa de governo e se comprometeu a “preservar o legado” do atual presidente.

Apresentando-se como a continuidade do mandato de seis anos de AMLO (2018-2024), mas enfatizando que, se vencer, uma nova etapa será aberta no país, a candidata presidencial disse que “Andrés Manuel López Obrador fez uma grande façanha em nosso país, as fundações e o primeiro andar foram lançados, mas ainda falta a consolidação e o progresso dessa mudança real que continua sendo o desejo do povo do México, e é por isso que eu chamei para construir juntos e juntos o segundo andar da Quarta Transformação”.

“‘Sigamos fazendo história’ é o nome da coalizão de centro-esquerda formada pelo MORENA, o Partido do Trabalho (PT) e o Partido Verde Ecologista do México (PVEM), com a qual Sheinbaum pretende vencer as eleições e que todas as pesquisas mostram como favorita por uma ampla margem.

Oriunda do meio acadêmico, Claudia Sheinbaum estudou física e é pesquisadora titular do Instituto de Engenharia da UNAM. Sua carreira na gestão política começou durante o mandato de Lopez Obrador como chefe de governo do Distrito Federal (atual Cidade do México), entre 2000 e 2006. Naquela época, Sheinbaum foi nomeada Secretária do Meio Ambiente do Distrito Federal.

Como parte do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007, Sheinbaum foi uma das ganhadoras do Prêmio Nobel da Paz pelo trabalho realizado no fornecimento de informações sobre as mudanças climáticas e seus efeitos para a ONU.

Nas eleições de 2018, ela foi a primeira mulher a ser eleita chefe do governo da Cidade do México. Em junho de 2023, solicitou deixar o cargo para participar da eleição interna do Morena que definiria o candidato presidencial.


Claudia Sheinbaum integrou time que ganhou Prêmio Nobel por estudo sobre mudanças climáticas / AFP

No Zocalo, toda vez que Sheinbaum interrompia seu discurso para recuperar o fôlego, a multidão reunida explodia sob o canto de “Presidenta! Presidenta!”.

“Chegou a hora das mulheres e da transformação, o que significa viver sem medo e livre de violência, e desta tribuna eu digo às mulheres jovens, a todas as mulheres do México, companheiras, amigas, irmãs, filhas, mães, avós: vocês não estão sozinhas”, disse ela, depois de observar como estava orgulhosa de ser - provavelmente - “a primeira mulher presidente em 200 anos de República”.

Este é um país que tem um dos maiores índices de violência masculina do continente: estima-se que 10 mulheres são assassinadas todos os dias no México. Ao lado dos cantos de apoio ao candidato, uma das principais colunas do Zócalo foi a dos coletivos LGBTIQ+. Com dezenas de bandeiras do orgulho, eles mostraram a diversidade da concentração na Plaza.

Junto com os rostos das pessoas - camponeses, indígenas e trabalhadores pobres - foram acrescentadas as diversidades sexuais e de gênero, mostrando o movimento social e cultural que se aninha nas forças da chamada Quarta Transformação.

Cenário eleitoral

No domingo, quase 99 milhões de mexicanos serão convocados para votar. Com 20.708 cargos em jogo, trata-se de uma das maiores eleições da história do país.

Além da presidência e do governo da Cidade do México, serão eleitos os governadores de oito estados. Enquanto todos os assentos no Congresso mexicano serão renovados: os 128 do Senado e os 500 da Câmara dos Deputados. Os resultados de domingo serão definitivos, já que esse é um dos poucos países da região onde o presidente é eleito por maioria simples.

Em uma espécie de grande coalizão anti-Morena contra os candidatos do oficialismo, os partidos tradicionais, incluindo o Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o país por quase 70 anos, o Partido da Ação Nacional (PAN) e o Partido da Revolução Democrática (PRD), se aliaram. Todos esses partidos eram ferrenhos oponentes um do outro até que AMLO se tornou presidente em 2018.

Xóchitl Gálvez é a candidata presidencial da aliança conservadora. Ela se apresenta ao público como uma candidata “independente”, demonstrando a magnitude da crise pela qual o sistema partidário tradicional está passando. Apesar de ter o apoio de quase todo o establishment da mídia, todas as pesquisas a colocam em um distante segundo lugar.

Uma das principais apostas dessa grande coalizão é tentar disputar a Cidade do México. Uma eventual derrota do partido governista na cidade mais importante do país poderia atenuar a crise pela qual está passando este setor. Entretanto, embora a diferença não seja tão acentuada quanto na eleição presidencial, as pesquisas colocam o candidato da aliança conservadora, Santiago Taboada, entre 5 e 10 pontos atrás de Clara Brugada.

Uma das questões do dia será ver como o Congresso ficará formado. O governo atual de AMLO propôs cerca de 20 emendas à constituição atual. O objetivo é elevar algumas das políticas sociais que foram criadas nos últimos seis anos ao status constitucional.

Mas Sheinbaum também pretende avançar com reformas importantes - como a judicial - que marcariam uma espécie de “mapa do caminho” para um eventual governo seu. Mas para conseguir isso, o partido governista e seus aliados precisariam conquistar o que é conhecido como “maioria qualificada”.

 

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho