Uma pesquisa inédita revela que as organizações de luta pelos direitos LGBTQIAPN+ no Brasil enfrentam uma realidade de falta de apoio financeiro, violência e desigualdade. O estudo mapeou a atuação e os desafios desses movimentos em todas as regiões do país.
O preconceito aparece no estudo como um elemento central entre os obstáculos impostos à continuidade e à capilaridade da atuação. De Norte a Sul, ele está muito conectado à violência e ao conservadorismo. Keila Simpson, presidenta e fundadora da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), afirma que as iniciativas sempre viveram uma realidade de precariedade, potencializada a partir de 2016.
"É preciso compreender e considerar que as organizações da sociedade civil, especialmente as LGBTQIAPN+, sempre foram organizações muito fragilizadas. São organizações que trabalham com uma população extremamente vulnerabilizada e estão sempre com o pires na mão buscando recurso. A maioria ainda vive muito de fomento de fundos públicos, quase nada da iniciativa privada. Muitos dos fundos são editais de financiamento do governo federal, especialmente."
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No Centro-Oeste, por exemplo, a luta LGBTQIAPN+ esbarra na cultura política heteronormativa, fortemente influenciada pelo agronegócio. Já na região Sul, a pesquisa identificou a presença de grupos nazistas e fascistas como um ponto crítico.
Em todas as regiões, também foram observados gargalos consideráveis no acesso a recursos, na formação administrativa voltada a pessoas que atuam nas organizações, nas dificuldades de planejamento financeiro e captação de investimentos.
Nas regiões Norte e Nordeste, além da violência, há muitas dificuldades de acesso a recursos e formação.
A questão administrativa também foi observada no Sudeste. Nessa parte do Brasil, a distribuição de recursos na região reflete desigualdades estruturais da sociedade brasileira, com mais financiamento para organizações representadas por homens gays, cisgêneros e brancos.
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Keila Simpson ressalta que, sem as organizações, uma parte importante da população LGBTQIAPN+ fica sem acesso a políticas públicas essenciais. Segundo ela é preciso explicitar essa realidade para a sociedade em geral.
"Tem uma parcela da população que necessita de ações importantes e impactantes. É necessário que tenha de fato um diálogo entre a sociedade para a compreensão de que essas pessoas precisam dessas ações pontuais. Não estamos falando de nenhum privilégio, não estamos falando de uma população que está ali esperando ou que está pela rua, fazendo 'mimimi', não é isso. Essa população de fato vive à margem e não tem possibilidades de acessar muitos dos serviços, as próprias políticas, se não tiver projetos que vão trabalhar nessa perspectiva."
As organizações apontaram que, mesmo dentro de uma mesma região, há desigualdades entre estados e cidades. Nesse processo, as áreas rurais enfrentam mais desafios que as urbanas. Movimentos formados por populações mais vulneráveis também estão na lista das que recebem menos visibilidade. Isso atinge movimentos formados por pessoas com deficiência, negras, indígenas, transexuais e mulheres.
A pesquisa foi realizada em parceria entre o Projeto Pajubá – iniciativa da Associação Brasileira de ONGs (Abong), a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).
Mais de 90 organizações foram ouvidas. Além dos dados qualitativos, o estudo traz depoimentos das lideranças dos movimentos.
Edição: Nicolau Soares