O governo da Colômbia e a guerrilha Exército de Libertação Nacional (ELN) realizaram na última semana mais um ciclo dos Diálogos de Paz em Caracas, na Venezuela. Em documento assinado ao final da reunião, no sábado (25), as duas partes concordaram em ampliar a participação popular nas conversas pelo fim dos conflitos armados.
O objetivo é que as comunidades participem de forma ativa dos diálogos para a paz no país para um Grande Acordo Nacional para a "superação do conflito social, político, econômico e armado". De acordo com o documento, a ideia é incluir toda a sociedade colombiana nas discussões, especialmente “as pessoas historicamente excluídas no mundo rural e urbano”.
Para isso, será feito um debate interseccional da sociedade colombiana, que vai discutir enfoques étnicos, raciais, de gênero, territoriais, geracionais e de direito. O texto reconhece que há grupos excluídos na sociedade que precisam de uma participação ativa nos processos políticos do país, inclusive nos diálogos de paz entre o governo e o ELN.
As duas partes estabeleceram também quatro eixos de discussão para pensar transformações sociais. Primeiro, o regime político. Governo e ELN discutiram a importância de transformar práticas, estruturas e instituições do Estado que vulnerabilizam os direitos e o bem-estar da sociedade colombiana. Ainda de acordo com o documento, é importante “desenvolver a democracia em todas as suas formas”.
As conversas também discutiram a transformação do modelo econômico para um sistema sustentável e que tenha “responsabilidade social”. O objetivo é “superar as desigualdades e abandonar o modelo especulativo”. Outro eixo destacado é uma nova política ambiental, para implementar uma nova relação entre os seres humanos e a natureza.
Por último, o texto fala sobre a importância de mudança nos âmbitos da educação e cultura como fundamentais para formar uma sociedade “ativa, deliberativa, crítica e propositiva”.
“Este processo de diálogo de paz reconhece a sociedade colombiana como sujeito histórico e político das transformações e busca enaltecer e fazer ser efetivo seu direito a participar e construir condições dignas de vida para a nação. Ainda assim, convoca a assumir o compromisso histórico das comunidades, movimentos, povos étnicos, organizações para a construção de um país democrático e em paz, que garanta um caminho efetivo para eliminar a violência da política e acabar com o longo ciclo de guerra”, diz o texto.
Para o pesquisador colombiano do paramilitarismo Leonardo Alzate, o acordo de Caracas também traz uma mudança na perspectiva econômica.
“O acordo é muito bom pela inclusão. Muda a perspectiva não só social e política, mas também econômica por dar empoderamento para as comunidades organizadas na questão orçamentária e de investimento social para que as comunidades tenham melhores condições de vida”, explica.
Neste sentido, o documento define que o Estado deve cumprir as reivindicações das comunidades organizadas e da participação cidadã e transformá-las em política de Estado. Este critério é chamado pelo texto de “vinculante”, ou seja, os debates por paz estão ligado ao Plano Nacional de Desenvolvimento, que é a base política dos governos da Colômbia.
O Estado passa a ter o compromisso de implementar tudo que é acordado pelas comunidades envolvidas nos debates por paz. Isso quer dizer que as comunidades organizadas em seu territórios podem interferir no orçamento nacional, a partir das demandas. Com isso, o governo passa a ser obrigado a realizar os investimentos demandados pela participação cidadã.
O trecho foi muito criticado pelo empresariado, já que dá mais poder às comunidades no orçamento do país. Para Leonardo Alzate, esse aspecto é fundamental para as reformas que o presidente, Gustavo Petro, quer implementar na Colômbia.
“Esse movimento é muito impactante e por isso os ricos do país estão criticando. O governo pode aprovar as reformas. Se eles estão vinculados ao Plano Nacional de Desenvolvimento, as demandas que são de execução não precisam passar pelo Congresso”, afirma Alzate.
Cessar-fogo e paz
O cessar-fogo acordado entre ELN e o Estado colombiano segue em vigor até agosto. O documento, no entanto, não abordou a questão dos sequestros, um ponto de tensão entre as duas partes nos últimos meses. O ELN chegou a declara “crise aberta” nos diálogos com o governo depois de acusar o Estado de violar os acordos de Havana, em Cuba.
Já o alto comissário para a paz, Otty Patiño, chegou a dizer logo antes dos diálogos em Caracas que não haveria acordo se não se encerrasse os sequestros por parte do grupo guerrilheiro.
O acordo trata sobre a necessidade de manter os diálogos para a desarticulação de grupos armados e do paramilitarismo. “Isso é importante porque o ELN segue sendo um dos atores mais importantes do país”, conclui Alzate.
Negociações com ex-Farc
O Comissariado de Paz da Colômbia anunciou nesta segunda-feira (27) o 5º Ciclo de Diálogo de Paz com a principal dissidência das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o Estado-Maior Central (EMC). Os debates serão realizados em Bogotá de 20 a 26 de julho.
O anúncio vem na esteira de uma nova tensão entre o grupo armado e o governo. Gustavo Petro determinou na semana passada a troca no comando do Exército do país e a instalação de um Conselho de Segurança permanente no Estado de Cauca. As medidas foram tomadas depois de dois ataques no sudoeste do país. Segundo o governo, nove pessoas ficaram feridas e dois policiais morreram em ações do grupo EMC..
O EMC tinha um acordo de cessar-fogo com o governo desde outubro de 2023. Em janeiro, as duas partes prorrogaram a trégua até 15 de julho.
Ao longo de 2023, a relação entre governo e EMC foi tensa. Um cessar-fogo assinado válido no primeiro semestre chegou a ser suspenso depois do assassinato de quatro indígenas menores de idade.
Em vídeo publicado nas redes sociais, o chefe do governo nas negociações, Camilo González Posso, afirmou que “há diferenças entre o que está em cima da mesa com a preservação do cessar-fogo, com as apostas de transformações territoriais, com a construção de uma agenda de paz, e o que está acontecendo em Cauca e no sul do país com a escalada de violência”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho