A principal associação que representa os produtores de soja do Brasil, a Aprosoja, empossou nova diretoria. Antônio Galvan, que teve o indiciamento pedido pela CPMI do 8 de janeiro, deixa o comando e passa o bastão para Mauricio Buffon, produtor com fazendas no Tocantins.
Buffon quer reconstruir pontes com o governo federal, após a Aprosoja radicalizar no apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ver seus líderes investigados por possível envolvimento na tentativa de golpe de estado, em janeiro de 2023. “A Aprosoja Brasil estará presente em todas as mesas de negociação sempre fazendo uma defesa firme dos agricultores com ganhos para o setor produtivo”, disse o novo presidente ao site da entidade.
O discurso menos radical coincide com um momento de fragilidade do setor. A safra atual de soja e de milho (2023/2024) está prevista para ser a pior dos últimos 25 anos, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, ligado à Esalq/USP. Na cerimônia de posse, Buffon disse que o objetivo inicial da entidade é conseguir dinheiro e perdão de dívidas para os produtores afetados pela crise climática.
Apesar de citar a emergência do clima, o novo presidente da Aprosoja e sua nova diretoria se esforçam para contestar a moratória da soja, acordo que impede a comercialização de grãos produzidos em áreas desmatadas da Amazônia após 2008. Buffon, inclusive, atua há anos para impedir que uma medida semelhante seja aplicada no Cerrado.
Porém, o acordo é visto por especialistas como uma forma de conciliar a produção de alimentos com a preservação ambiental, já que ele não impediu o avanço da soja na Amazônia, onde as lavouras se expandiram de 1,6 milhão de hectares para 6,6 milhões de hectares, entre 2008 e 2022, priorizando áreas já desmatadas. O cálculo hoje é de que menos de 3% do desmatamento na Amazônia se deve à soja. Estima-se que a moratória tenha evitado, em dez anos, o desmatamento de cerca de 1,8 milhão de hectares no bioma.
Buffon foi procurado por meio da assessoria da Aprosoja, mas não retornou ao pedido de entrevista. O espaço segue aberto para manifestações.
:: Maranhão avança na proibição de pulverização aérea de agrotóxicos ::
Sojeiros no Congresso
Poucas horas após tomar posse, membros da Aprosoja participaram de uma audiência na Câmara dos Deputados sobre o tema. “Estamos discutindo aqui a moratória na Amazônia. E já se fala em moratória no Cerrado. E isso nos causa grande preocupação. Temos mais de 8.300 produtores associados [só no Mato Grosso]. E o assunto que mais chega para nós chama-se moratória da soja”, disse o produtor Lucas Costa Beber, presidente da regional no Mato Grosso e agora também vice-presidente da Aprosoja Brasil.
Na ocasião, foi criado um grupo de trabalho na Câmara para buscar uma negociação entre produtores rurais, que querem flexibilizar a moratória, e exportadores de grãos, que defendem sua manutenção.
:: Congresso derruba vetos de Lula ao PL do Veneno; organizações alertam para risco à saúde ::
A Aprosoja argumenta que a moratória, firmada em 2006, é um acordo privado que fere a legislação brasileira, já que prevê desmatamento zero em áreas de produção de soja na Amazônia, enquanto o Código Florestal, de 2012, permite o desmatamento legal de 20% de uma propriedade rural na mesma região para exploração econômica.
Antes de ser escolhido como presidente da Aprosoja nacional, Buffon presidiu a regional de Tocantins, onde se destacou por questionar o acordo. Ele foi um dos articuladores da Carta de Palmas, um manifesto dos sojeiros contra a implantação da medida no Cerrado e no Matopiba (região agrícola que engloba partes de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). “Uma resposta à ofensiva recente de ONGs e membros da cadeia europeia importadora de soja”, afirma o documento.
Diretoria mantém acusados de envolvimento com golpe
Apesar do embate com a moratória, a chegada de Buffon ao poder é uma tentativa de a associação demonstrar uma postura mais diplomática em Brasília após a gestão de Galvan.
Galvan foi apontado por relatórios de inteligência da Abin, apresentados durante a CPMI do 8 de Janeiro, como líder de um grupo informal chamado Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA), responsável pelo envio de caminhões para Brasília e pelos bloqueios rodoviários realizados logo após o resultado das eleições de 2022. Beber também integrou o movimento, segundo a CPMI.
Outros dirigentes da entidade, na Bahia e em Goiás, também participaram do financiamento golpista, segundo a comissão parlamentar que investigou os atos antidemocráticos.
:: Sem estoques de arroz e feijão, Brasil deve importar alimentos após cheia no RS ::
A Abin informou em relatório enviado aos parlamentares que o MBVA tinha capacidade de mobilização nacional e organizou, desde o ano de 2019, atos em Brasília com deslocamento de máquinas agrícolas, caminhões e caravanas. Em uma manifestação realizada em Brasília em 15 de maio de 2021, o MBVA estampou nos caminhões a mensagem “Faça o que for preciso! Eu autorizo, Presidente!”, em alusão a um possível golpe de estado pelo ex-presidente.
“Os integrantes do MBVA agiram com o claro propósito de questionar a lisura do processo eleitoral e apoiaram a pauta golpista de intervenção militar pelas Forças Armadas”, diz o relatório da Abin.
Galvan e Beber tiveram o indiciamento pedido pela CPMI, assim como os outros dois dirigentes regionais da Aprosoja. Buffon não está na lista de 13 fazendeiros que tiveram o indiciamento pedido pela comissão, e se tornou uma saída para reconstruir pontes com o governo federal.
Aposta em perfil político
Nascido no município de Ronda Alta, no Rio Grande do Sul, foi no Tocantins que Buffon fez sua carreira política. Em 2017, foi eleito presidente da Aprosoja no estado, e no ano passado tornou-se segundo suplente pelo PTB da senadora Professora Dorinha (União Brasil-TO).
Com uma fortuna declarada de quase R$ 30 milhões, Buffon é dono de terrenos, fazendas, carros, tratores, plantadeiras e silos, segundo informou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No ano passado, recebeu R$ 121,5 mil em multas do Ibama por armazenar agrotóxicos de forma incorreta e com prazo de validade vencido em uma de suas propriedades no Tocantins. Seu saldo ambiental, no entanto, é maior. Em 2017, recebeu uma multa de R$ 3 milhões em uma propriedade no Mato Grosso que funcionava sem licença ambiental.
“O que me atraiu para a Região Norte foi o clima, as oportunidades e o fato de ser uma região de expansão para a produção de grãos. O Matopiba é responsável hoje por cerca de 30% da produção de grãos do Brasil. Tocantins é hoje um estado com grande crescimento agrícola”, disse em entrevista a um site do agronegócio.
O Matopiba é formado majoritariamente pelo Cerrado, bioma que responde por metade da produção nacional de soja, mas que está fora da moratória. Um grupo de trabalho chegou a ser formado em 2017 junto ao Ministério do Meio Ambiente para discutir como implementar medidas para frear o desmatamento no Cerrado vinculado à produção de soja.
Porém, as conversas não avançaram e o grupo foi desfeito, segundo confirmaram à Repórter Brasil duas fontes que participam das negociações. Eles dizem que o setor produtivo sempre foi crítico da moratória, e que é cada vez maior a pressão para que o acordo seja flexibilizado.