O Banco Central (BC) divulgou nesta terça-feira (14) a ata da última reunião do seu Comitê de Política Monetária (Copom) e evidenciou divergência no órgão sobre a definição da taxa básica de juros da economia nacional, a Selic.
Na última quarta-feira (8), o Copom decidiu reduzir a taxa de 10,75% ao ano para 10,5% ao ano. O corte de 0,25 ponto foi menor do que o de 0,5 ponto que havia sido sinalizado pelo Copom após sua reunião anterior, em março.
O corte menor acabou definido numa votação apertada. Cinco diretores do BC, incluindo o presidente Roberto Campo Neto – todos eles remanescentes da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) –, votaram pela queda de 0,25%. Outros quatro – todos eles nomeados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – votaram por uma redução de 0,5.
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Segundo a ata da reunião, os indicados por Lula defenderam um corte maior para manter a credibilidade do Copom. Eles argumentaram que o órgão já tinha sinalizado uma redução de 0,5 ponto na Selic. Cumprir com isso ajudaria o comitê a manter sua reputação ante os agentes da economia.
"Para tais membros, julgou-se apropriado, tal como em reuniões anteriores, seguir o guidance [sinalização, em inglês]", descreve a ata.
Já para os indicados por Bolsonaro, mais importante que seguir a tal sinalização, seria garantir o cumprimento da meta de inflação fixada para 2024 e para o futuro. Eles argumentaram que o cenário da inflação internacional está mais adverso e que as projeções para a inflação no país estariam em alta. Por isso, seria mais adequado reduzir menos a Selic com o objetivo de contrair a atividade econômica e segurar preços.
"Tais membros consideraram que uma redução de 0,25 ponto percentual era mais apropriada para o atingimento da inflação na meta no horizonte relevante", diz o documento.
Ele ainda aponta preocupações do Copom com o cumprimento de metas fiscais pelo governo. O órgão lembrou que o Executivo alterou suas metas para as contas públicas em abril. Reforçou que uma política fiscal comprometida com a sustentabilidade da dívida pública ajuda a manter as expectativas sobre a economia e a inflação sob controle.
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O que é Selic?
A taxa Selic é referência para a economia nacional. Ela é o principal instrumento disponível para o BC controlar a inflação no país.
Quando ela sobe, empréstimos e financiamentos tendem a ficar mais caros. Isso desincentiva compras e investimentos, o que contém a inflação. Em compensação, o crescimento econômico tende a ser prejudicado.
Já quando a Selic cai, os juros cobrados de consumidores e empresas ficam menores. Há mais gente comprando e investindo. A economia cresce, criando empregos e favorecendo aumentos de salários. Os preços, por sua vez, tendem a aumentar por conta da demanda.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defende, desde de que assumiu o governo, a redução da taxa. Quando ele assumiu a Presidência, a taxa estava em 13,75% ao ano. Já caiu mais de 3 pontos percentuais. Ainda assim é considerada alta por Lula e pelo próprio Banco Central, que a chama de "contracionista" – para contrair a economia.
Lula argumenta que o Brasil precisa crescer mais e gerar mais empregos. Reforça que seu governo tem compromisso com o controle da inflação e dos gastos públicos.
Economistas ligados a bancos, por exemplo, estimam hoje que a inflação feche o ano em 3,76%. No começo de 2024, eles estimavam que ela fecharia em 3,90%.
Essa estimativa para 2024 está dentro do intervalo da meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A meta é de 3% para este ano, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ou seja, até 4,5%.
Ideologia
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta terça-feira (14) que vê a divergência entre os membros do Copom como uma questão técnica. Para ele, a ata do Comitê demonstra isso. "[A ata] foi muito técnica. Temos duas posições técnicas respeitáveis [sobre o patamar da Selic]", ressaltou.
Economistas ouvidos pelo Brasil de Fato, no entanto, discordam. Para eles, considerando o comportamento da inflação neste ano e as expectativas para ela, não haveria motivo para o Copom reduzir o ritmo de queda da Selic, como de fato fez.
Esses mesmo economistas indicam que a mudança no ritmo dos cortes não tem só a ver com preocupações sobre a inflação. Tem mais a ver, na verdade, com uma divergência ideológica e sobre visão de mundo econômico entre os membros do BC.
Para eles, indicados por Bolsonaro tendem a dar demasiada importância às contas públicas, redução da dívida e outros pontos da política fiscal. Qualquer mudança nisso, para eles, poderia levar à inflação, e isso justificaria manter a Selic num patamar mais alto.
Já os indicados por Lula defendem a Selic num patamar em que esteja equilibrado o controle de preços e o crescimento econômico. Hoje, contudo, eles são minoria no Copom. Com isso, a visão bolsonarista tem prevalecido.
"A diferença entre os diretores indicados pelo Bolsonaro e pelo governo Lula é que eles têm visões diferentes de mundo", reforçou Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). "Foram indicados pelo governo Bolsonaro, sobre a influência do Paulo Guedes [ex-ministro da Economia], economistas com essa perspectiva do mercado financeiro."
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Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, ratificou que a divisão do Copom é política. Para ele, ela prejudica o país, que poderia conviver com juros mais baixos caso não o comitê não tivesse membros indicados por Bolsonaro em sua composição.
"Para o governo, a diferença de 0.25 ponto nos juros corresponde a cerca de R$ 12 bilhões a mais que serão pagos de juros da dívida", disse ele. "Se a preocupação [dos diretores indicados por Bolsonaro] é com a meta fiscal, isso é um contrassenso", completou.
Edição: Rodrigo Chagas