O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) decide no final da tarde desta quarta-feira (20) se mantém ou baixa a taxa básica de juros da economia nacional, a chamada Selic. A taxa está hoje em 11,25% ao ano e a maioria dos economistas ligados a bancos já esperam que ela seja reduzida para 10,75%.
No entanto, uma nova tensão entre o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), acrescentou mais um fator nessa discussão. Enquanto Lula tem cobrado publicamente uma redução ainda mais robusta da taxa, Campos Neto engajou-se pessoalmente em negociações para aprovação de uma proposta legislativa que contraria frontalmente os pensamentos de Lula para o BC.
O tal texto é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65 de 2023, apresentada no final de 2023 pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO). A PEC visa aprofundar a autonomia concedida por lei sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2021.
A lei de Bolsonaro fixou mandatos para o presidente e os diretores do BC, proibindo que o presidente da República os substitua — algo que era comum a cada início de mandato. Campos Neto, que foi indicado por Bolsonaro e fica no BC até o final deste ano, quer aproveitar seus últimos dias no órgão para pressionar congressistas a aprovar um texto que dá ao banco a chamada autonomia financeira.
Desta forma, o BC não seria mais financiado pelo Orçamento Público. Ele próprio encontraria formas de se autofinanciar, tornando-se ainda mais independente do governo eleito e das bandeiras defendidas a cada eleição.
Campos afirmou em palestra a empresários em São Paulo que a autonomia financeira do BC seria um avanço e daria ao órgão capacidade de manter um quadro de funcionários capacitado para suas funções.
"A gente vê o BC cada vez mais inserido no mundo de tecnologia e digitalização e é preciso ter um quadro com capacidade administrativa mais comparável ao setor privado", disse.
Oposição
Lula já sinalizou ser contrário a autonomia que o BC tem hoje. No início do seu novo governo, ele declarou que sua equipe avaliaria a situação até para saber se essa autonomia poderia ser revertida pelo Congresso Nacional. "Vamos ver qual é a utilidade que a independência do Banco Central teve para este país", disse ele à CNN Brasil.
O governo nunca encaminhou um projeto para rediscussão da autonomia atual. Lula, contudo — principalmente durante os primeiros meses do seu novo governo — criticou duramente a gestão de Campos Neto por conta do patamar da Selic.
O presidente assumiu o governo em janeiro de 2023 com a taxa em 13,25% ao ano. Ela só caiu em agosto, após seis reuniões do Copom.
Lula ainda não se pronunciou publicamente sobre a proposta de extensão da autonomia existente. A deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, criticou o projeto.
Para ela, o texto submete o país a uma "ditadura monetária" e permite ao BC manter juros exorbitantes influenciando a economia nacional.
O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) informou que os servidores ainda não deliberaram se concordam ou não com a PEC 65, mas criticaram a atuação de Campos Neto em favor de sua aprovação.
"Roberto Campos Neto disse, no início de 2023, que proporcionaria diálogo total com a categoria. Contudo, a PEC 65 foi elaborada na surdina, sem debates com os servidores do BC", acrescentou. "O sindicato enfatiza que há um sentimento de precipitação e inoportunidade na maneira como a proposta foi apresentada ao Congresso."
Atraso
Dias depois de Campos Neto defender a autonomia financeira do BC, Lula disse que sua teimosia atrapalha o crescimento econômico do país.
"Não tem nenhuma explicação os juros da taxa Selic estarem a 11,25% [ao ano]. Não existe nenhuma explicação econômica, nenhuma explicação inflacionária, não existe nada", afirmou Lula em entrevista ao SBT exibida dia 11. "Nada, a não ser a teimosia do presidente do Banco Central em manter essa taxa de juros."
A taxa Selic é uma espécie de referência para a economia nacional. Sua redução tende a baratear empréstimos e financiamentos, estimulando o crescimento da atividade econômica, a geração de empregos e renda. Sua elevação, por outro lado, retrai a atividade econômica e freia a inflação.
A Selic também é usada para correção monetária da dívida pública do país. Seu corte em 0,5 deve gerar uma economia de R$ 23 bilhões no pagamento dessa dívida. O valor é equivalente ao dobro do orçamento deste ano do programa Minha Casa Minha Vida.
Edição: Matheus Alves de Almeida