Organizações de direitos humanos da Alemanha e da América Latina fizeram uma intervenção na Assembleia Geral Anual da Bayer para acionistas da empresa na manhã desta sexta-feira (26), que ocorreu virtualmente. A interrupção ocorreu por meio de acionistas críticos à bioquímica.
A advogada Daisy Ribeiro, da organização Terra de Direitos, falou sobre as violações de direitos humanos e os impactos ao meio ambiente devido ao uso de glifosato, principalmente ingrediente ativo do Roundup, utilizado amplamente nas plantações de soja e milho em todo o mundo. “Os resultados mostram claramente como as violações que documentamos – como a destruição de culturas orgânicas adjacentes, impactos na saúde devido à fumigação ou contaminação da água – não são a exceção, mas infelizmente a regra”, disse Ribeiro durante a assembleia.
A integrante da organização Terra de Direitos disse que os impactos “não deveriam ser novidade” para os acionistas da Bayer, uma vez que os problemas causados pelo glifosato são de conhecimento público. Em 2015, a Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer (AIPC), órgão ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um relatório em que afirma que o glifosato é um agente potencialmente causador de câncer, mais precisamente o linfoma Non-Hodgkin.
“As situações que documentamos não são exclusivas de um município ou país, mas mostram que o problema é generalizado na América do Sul e que a Bayer está fechando os olhos para ele”, afirmou a advogada.
Um dia antes da assembleia, quatro organizações de países da América Latina e uma da Alemanha se juntaram para denunciar a Bayer na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) pelos impactos do agrotóxico glifosato no meio ambiente e na saúde humana.
A denúncia foi feita ao Ponto de Contato Nacional (PCN) da Alemanha, onde está localizada a sede da Bayer, em Leverkusen, a 560 quilômetros de Berlim. O órgão é responsável por promover as diretrizes da OCDE para empresas multinacionais, bem como tratar de casos a partir de mecanismos de reclamação não judicial.
Entre as organizações que peticionam a denúncia, estão a Centro de Estudios Legales y Sociales, da Argentina; a Terra de Direitos, do Brasil; a BASE Investigaciones Sociales, do Paraguai; a Fundación TIERRA, da Bolívia; e o European Center for Constitutional and Human Rights (Centro Europeu dos Direitos Constitucionais e Humanos, em português), da Alemanha.
Daisy Ribeiro recomendou aos acionistas que a empresa se envolva no processo na OCDE para alterar as práticas a fim de alinhá-las às garantias dos direitos humanos e das obrigações ambientais. “Frequentemente vemos da Bayer, ou seja, que o que a empresa está fazendo atualmente é suficiente. Está longe de ser suficiente. Não existem políticas que abordem os problemas específicos que são bem conhecidos na região.”
Sarah Schneider, responsável pela área de agricultura global e nutrição mundial da Organização Misereor, afirmou durante a reunião que a Bayer coloca em risco a saúde humana e o meio ambiente há anos, especialmente em países do Sul global. Ainda assim, não se vê “a empresa tomar medidas efetivas para lidar com esses abusos”.
“Embora a Bayer continue afirmando que seus produtos são seguros, desde que sejam usados de acordo com os regulamentos, a realidade na prática é diferente em muitos lugares. Temos chamado repetidamente a atenção da Bayer para esse problema. No entanto, a Bayer continua com essa alegação”, disse Schneider durante a sua intervenção em nome da Misereor.
“A responsabilidade pelo estabelecimento de um sistema eficaz de due diligence, incluindo a prevenção de impactos negativos sobre as populações afetadas pelo uso de produtos agrícolas, recai principalmente sobre a sede da Bayer na Alemanha.”
Na mesma linha, Silvia Rojas, que falou em nome da Base de Investigaciones Sociales do Paraguai, afirmou diretamente aos acionistas que os produtos da Bayer, "em particular os pesticidas à base de glifosato e a soja transgênica, estão contribuindo para violações dos direitos humanos das populações rurais, camponesas e indígenas do Paraguai, bem como de outras populações do Cone Sul da América Latina".
"A Bayer se comprometeu publicamente a alinhar suas políticas para lidar com as mudanças climáticas, mas tem apenas uma posição geral sobre desmatamento e degradação florestal. Isso não é compatível com os riscos de perda de biodiversidade e degradação florestal para os quais contribuem os pesticidas à base de glifosato e as sementes de soja geneticamente modificadas da Bayer, especialmente no Cone Sul", afirmou Rojas.
Crise na empresa
A ação contra a bioquímica ocorre em um momento de crise financeira para a empresa. Em abril deste ano, o preço médio de uma ação da Bayer girava em torno de 26,22 euros. Seu recorde, no entanto, já foi de 140 euros, em 2015.
A diminuição do preço começou após a compra da Monsanto, responsável pela produção do glifosato, por US$ 66 bilhões (o equivalente a R$ 346 bilhões, de acordo com a taxa de câmbio de hoje), em 2018, consolidando a Bayer como o maior grupo de agrotóxicos e transgênicos do mundo.
Desde então, a empresa passou a ser alvo de ações judiciais em diferentes países. Em 2013, os Estados Unidos condenou a Bayer a pagar 1.560 milhão de dólares a quatro pessoas que desenvolveram câncer após lidar com o glifosato. O júri de Missouri defendeu que a empresa deveria ser condenada por negligência, como não deixar explícito os perigos potenciais do Roundup.
Já neste ano, um jurado da Pensilvânia condenou a empresa a pagar 2.250 milhões de dólares ao determinar que o glifosato causou câncer em John McKivison, de 49 anos. Seus advogados afirmaram que ele desenvolveu o linfoma Hodgkin após utilizar o Roundup em sua propriedade por décadas.
"O veredicto unânime do jurado foi uma condenação de má conduta por parte da Monsanto e uma declaração de que sua má conduta foi um desprezo imprudente pela segurança humana e uma causa substancial do câncer de John McKivison", disseram os advogados de McKivison, Tom Kline e Jason Itkin, em uma declaração à imprensa na época.
Outro lado
Em resposta às falas das intervenções, os acionistas afirmaram que a empresa já tem mecanismos de denúncias que funcionam através dos canais de comunicação, como um número de telefone disponível no site da Bayer.
Sobre a denúncia à OCDE, a assessoria de imprensa informou em nota que não tem ciência dos "supostos incidentes" nos países citados pela denúncia e que todos os produtos são "exaustivamente testados".
"Ao analisar os efeitos do glifosato na saúde humana e animal e no ambiente, a Autoridade Europeia responsável pela Segurança dos Alimentos (EFSA) não identificou quaisquer áreas problemáticas críticas, depois de a Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) já ter concluído que o glifosato não é cancerígeno", disse a assessoria em nota.
Edição: Vivian Virissimo