Coluna

Contaminação por deriva de agrotóxicos volta a ameaçar bicho-da-seda em Glória de Dourados (MS)

Imagem de perfil do Colunistaesd
Larvas saudáveis do bicho-da-seda alimentando-se das folhas de amoreiras - Paulo Pelizari
Única análise feita pelo Ministério Público na terra de um sericicultor encontrou sete contaminantes

Após oito anos da aprovação da lei municipal que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em Glória de Dourados, no Mato Grosso do Sul, a cultura do bicho-da-seda foi ameaçada novamente na cidade, dessa vez, pela deriva de agrotóxicos dos municípios vizinhos, Ivinhema (MS) e Jateí (MS). De janeiro a fevereiro de 2024, houve perda total ou parcial das larvas, que são alimentadas pelas/os produtoras/es com folhas de amoreiras até virarem casulos. Imagens mostram quase todas mortas, e é possível ver ao redor do inseto o vômito verde causado pelo veneno.

O sericicultor Paulo Pelizari conta que mais de 50% de suas larvas morreram. As substâncias que adoeceram e mataram o bicho-da-seda foram variadas. Segundo Pelizari, o Ministério Público foi acionado e os produtores aguardam o resultado da investigação. Numa única análise feita pelo Ministério Público em sua propriedade, foram encontrados sete contaminantes: Clorantraniliprole, Flubendiamida, Imidacloprido, Metamidofós, Metoxifenozida, Tebufenozida e Triflumuron.

Pelizari conta que já há múltiplas análises e todas comprovam a presença de venenos em nexo com o relatório das/os produtoras/es da região. “A gente tem comprovado que o problema é real e vem do avião, mas a gente só tem a lei dentro do município, fora não tem o que fazer”, lamenta.


Larvas doentes do bicho-da-seda / Paulo Pelizari

A pequena Glória de Dourados (MS) tem pouco mais de 10 mil habitantes e fica a 300 km da capital Campo Grande (MS). Nos anos 1980, chegou a ser o maior berço do bicho-da-seda no Mato Grosso do Sul, que é o terceiro maior produtor do País, até que a monocultura da cana-de-açúcar chegou na região e introduziu a pulverização aérea de agrotóxicos.

Para salvar a maior população de bichos-da-seda do Mato Grosso do Sul da morte e proteger seus habitantes do câncer, Glória de Dourados conseguiu aprovar, em 2016, uma lei municipal que proíbe a pulverização de agrotóxicos na cidade.

Em 2020, a cidade apareceu no levantamento Municípios Agroecológicos e Políticas de Futuro, realizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), como pioneira no combate aos agrotóxicos. Na época, a Lei Municipal 1087/2016 chegou a ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF) por representantes do agronegócio, entre eles a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que alegavam a sua inconstitucionalidade. Mas a lei nunca deixou de vigorar.

Para Olácio Komori, diretor da Associação de Produtores Orgânicos de Mato Grosso do Sul (Apoms), a aprovação da lei no município se deveu a vários fatores, mas, principalmente à  mobilização social. “Se, na primeira audiência pública feita no município, estivessem só os agricultores e a usina [de açúcar], poderia ter sido diferente. Eles [representantes do agronegócio] tinham vários advogados, mas nós contamos também com a presença dos técnicos da Caravana da Agroecologia que passava pelo estado, composta por integrantes da ANA e da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).

Para a audiência convocada pelo Ministério Público estadual, a Apoms também pediu o apoio a personalidades influentes em várias instâncias, como pesquisadoras dos impactos dos agrotóxicos, que escreveram cartas com pareceres técnicos e científicos sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde humana e no ambiente para serem lidas no auditório. “É muito importante ter essa retaguarda da população”, explicou Komori.

Segundo o  diretor, a proibição da pulverização aérea inibiu a contaminação, permitindo que a sericicultura se mantivesse até hoje na cidade como uma atividade muito boa para pequenas áreas.

 

 As amoreiras de Glória de Dourados, as larvas do bicho-da-seda e os casulos (Foto: Olácio Komori)

“Aqui em Glória de Dourados, quando a lei municipal foi aprovada, em vez dos aviões, as empresas passaram a usar gafanhotões, aqueles tratores enormes, e hoje usam drones”, conta. O problema é que, segundo Komori, atualmente, “dependendo do clima, o veneno que está passando lá, chega aqui”. ‘Vários municípios não cogitam mais essa atividade por causa do impacto do agrotóxico na criação das larvas”, disse Komori.

Agora, após a aprovação no Senado da nova lei federal que rege os agrotóxicos, sancionada com alguns vetos do presidente Lula, o tema retorna ao Congresso. A lei entrará em vigor flexibilizando o uso de substâncias potencialmente danosas à saúde humana e de inúmeras espécies animais, como o bicho-da-seda. Mas o assunto não deve morrer aí. Há inúmeras políticas públicas, ações, programas, leis, portarias e instruções normativas que ajudam a coibir na esfera municipal o uso dos agrotóxicos, como em Glória de Dourados.

O levantamento Municípios Agroecológicos e Políticas de Futuro, realizado pela ANA nas eleições de 2020, mapeou cerca de 700 iniciativas municipais que apoiam a agroecologia. Com eleições à vista, essas ações podem servir de exemplos para os poderes executivo e legislativo nos municípios. Todas essas iniciativas estão cadastradas na plataforma Agroecologia em Rede e sua análise pode ser consultada na publicação Municípios Agoreoclógicos e Políticas de Futuro.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Matheus Alves de Almeida