Horas antes do início de um processo de consulta popular sem precedentes na Venezuela, Jorge Arreaza - dirigente da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América - Tratado de Comércio para os Povos (ALBA - TCP) - afirmou que as eleições presidenciais de 28 de julho definirão "uma fase da batalha" contra o imperialismo dos Estados Unidos, na qual o país escolherá entre ser "pátria ou colônia". Ele também destacou que, na Venezuela, haverá uma eleição transparente e que a oposição tem todas as ferramentas à sua disposição para competir.
Ex-vice-presidente e ministro do Poder Popular para as Comunas e os Movimentos Sociais, Arreaza concedeu entrevista pública aos meios de comunicação credenciados no 'Encontro para uma Alternativa Social Mundial', realizado entre 18 e 20 de abril na cidade de Caracas.
Participaram da entrevista: Brasil de Fato, ARG Medios, Barricada TV, El Grito del Sur, Tiempo Argentino, Agencia Prensa Rural, People 's Dispatch, Diálogos do Sul e Comunica Sul.
Referência do chavismo, Arreaza também falou sobre críticas em relação à corrupção no governo e salientou que, devido ao bloqueio econômico externo, houve uma desaceleração na velocidade do processo socialista revolucionário.
Neste domingo (21), a Venezuela vai realizar pela primeira vez uma consulta popular a nível das comunas. Uma comuna é uma forma de organização baseada no autogoverno e na autogestão com um modelo econômico próprio, o que Hugo Chávez chamou "a alma do projeto do socialismo real".
Mais de 4.500 projetos de obras públicas e decisões a nível territorial terão de ser definidas nas urnas pelos cidadãos. "Há projetos de águas, eletricidade, gás, educação, saúde, estradas, projetos sócio-produtivos. O povo decidirá qual é o mais importante", disse Arreaza.
Além disso, o representante governista explicou o modo de gestão que este sistema eleitoral deverá impor a partir da votação territorial. "É a este primeiro nível de governo do povo que o presidente se submete. O povo dita a agenda. Um pouco o que o filósofo argentino Enrique Dussel (1934 - 2023) chamou de “poder obedencial”. O companheiro Evo Morales costumava dizer: 'é preciso mandar obedecendo'. Esse é o caminho a seguir", salientou.
Após esta consulta popular, terá início a campanha para as eleições presidenciais.
Leia a entrevista:
O que é que está em jogo nas eleições de 28 de julho?
Desde 1998, o que está em jogo é a própria existência da pátria, da República. A Venezuela estava numa tendência quase imparável para se tornar uma neocolônia. Nos últimos anos do século XX, éramos governados pelo FMI e pelo Banco Mundial. Chávez chegou então a uma reflexão muito pessoal, a uma evolução ideológica: a única forma de superar o capitalismo é o socialismo, o nosso socialismo democrático, com o poder popular. Sem este caminho, sem este projeto, não teremos pátria.
Voltamos às mãos do Fundo Monetário, voltaram a tirar nosso petróleo, estaremos no jogo geopolítico da OTAN, incorporados como aliados. Portanto está realmente em jogo nosso futuro enquanto país, inclusive como identidade. Não conseguiram nos impor um governo paralelo de fantoches dos ianques com aquele conto do senhor Guaidó. Não conseguiram matar o presidente com drones. Não conseguiram desestabilizar a moeda com uma guerra econômica interna, com 930 sanções de todos os tipos em cima de nós. Não conseguiram destruir a companhia petrolífera venezuelana. Não conseguiram com mercenários. Não conseguiram com ameaças de invasão. Por isso, temos de garantir a vitória nesta fase pela via eleitoral. Só então, na noite de 28 de julho, poderemos dizer aos estadunidenses que ganhamos esta parte, esta fase da guerra.
Há críticas da oposição e de venezuelanos que emigram. Como o oficialismo lida com essas críticas à forma de governo?
Aqui eles têm plena liberdade de criticar o que quiserem. É impossível que não nos critiquem. O comandante Chávez dizia: “No dia em que os gringos e a burguesia nos aplaudirem, estamos perdidos”. Por isso, comemoro que cada vez haja mais críticas. De fato, deveria haver mais críticas. O que acontece é que as circunstâncias do mundo, do petróleo, das sanções, do bloqueio de alguma maneira desaceleraram a marcha da Revolução Bolivariana.
Tivemos que fazer concessões em alguns setores, tivemos que aceitar o dólar como moeda que circula para o comércio. O Estado era o grande importador de tudo o que era estratégico e hoje é o setor privado, e agradecemos que o setor privado tenha colaborado. Mas há contradições importantes.
Quando vemos fenômenos como os da corrupção, que vimos aqui, foram para a prisão pessoas muito importantes dentro da Revolução. Bem... Tudo isso se deve ao fato de, no meio do bloqueio, da perseguição, não poder sequer vender o petróleo. Para que o petróleo venezuelano seja retirado, têm de vir quase como navios fora da lei, sem ligação por satélite, para que os gringos não saibam que estão nos portos venezuelanos.
Fui vice-presidente executivo durante alguns anos. Em 2014, lembro claramente, houve um rendimento nacional de 56 mil milhões de dólares em um ano. Mas em 2019 recebemos 700 milhões. Uma coisa brutal. E, no entanto, este povo tem resistido, tem estado presente e existe a oposição. Acredito sinceramente que a oposição política venezuelana pecou primeiro por subestimar o presidente Maduro e a Revolução Bolivariana. Nunca reconheceram o chavismo como um processo histórico em curso.
Acha que estes discursos da oposição podem ter alguma força na base social?
Sempre, é claro, eles têm muito poder. Controlam as redes sociais. Quando tomam uma decisão ou acontece alguma coisa na política nacional, imediatamente se tornam tendência, há vídeos com excelente produção, há uma força insólita, eu diria, insólita. O que acontece é que o povo venezuelano está muito vacinado.
Porque Maria Corina Machado não pode se apresentar nas eleições?
Peguemos qualquer código penal de qualquer de nossos países e perguntemos a um juiz se é normal que esteja em liberdade uma pessoa que pediu que se organizasse uma força militar, que inclusive começou a treinar na Argentina uma força militar para invadir o seu próprio país, para bombardear as suas refinarias e que durante vários dias tentou organizar golpes de Estado e o assassinato de um presidente. Na Venezuela, houve um excesso e uma flexibilidade de justiça extrema com esta senhora. No entanto, ela está fazendo política, movimentando-se livremente, reunindo as pessoas.
Edição: Douglas Matos