Desafios do governo

Venezuela registra queda na inflação, mas tem problema para aquecer consumo

Economistas afirmam que redução dos gastos públicos e manutenção dos salários baixaram a taxa, mas paralisaram consumo

Caracas (Venezuela) |
Em 2023, o Banco Central colocou em circulação os quase US$ 4,2 bilhões de dólares que entraram pela venda de petróleo - Yuri Cortez/AFP

A inflação na Venezuela entrou em um ritmo de baixa. Em fevereiro e março, a taxa mensal ficou em 1,2%, a menor registrada nos últimos 12 anos. O índice, que agora está em uma rota de descida, chegou a alcançar o patamar de 196,6% em janeiro de 2019, o mais alto desde o início da série histórica em 2007. 

Para conseguir baixar a inflação e controlar a alta dos preços, o governo adotou como medida principal a injeção de dólares no mercado. Em 2023, o Banco Central colocou em circulação os quase US$ 4,2 bilhões (mais de R$ 20 bi) que entraram pela venda de petróleo no mercado internacional para controlar o câmbio e estabilizar o valor da moeda nacional, o bolívar.

No entanto, a sustentabilidade dos métodos e a explicação usada pelo governo são questionados por economistas. De acordo com o deputado e economista Tony Boza (governista) , a inflação na Venezuela tem origem na redução do poder de compra dos salários e na queda dos gastos públicos, o que pode inviabilizar as medidas do governo no médio prazo.

“A redução da inflação vem pela contração brutal por duas vias: primeiro pela redução dos gastos públicos e pelos salários. Há uma compressão brutal do salário. Isso é insustentável com o tempo, porque o problema fundamental é que você controla a inflação mas não reativa a economia", afirma Boza ao Brasil de Fato.

"Como se reativa a economia se o consumo de dois atores fundamentais que são os trabalhadores do país, públicos e privados, que tem um salário muito baixo, e há uma restrição brutal do gasto público?”, questiona.

 

Bloqueio

A economia venezuelana está diretamente ligada ao bloqueio. Os Estados Unidos substituíram algumas licenças para a venda de petróleo venezuelano, para endurecer as regras para as exportações do produto. Ainda assim, o governo da Venezuela projeta um crescimento econômico de até 8% no PIB deste ano.

Para Boza, o bloqueio imposto pelos Estados Unidos é fundamental para entender os problemas econômicos da Venezuela, mas a solução tem que ser o uso de uma tática que não seja usada pelo mercado.

“O Estado assumiu o problema com um enfoque monetarista. Todos os porta-vozes do PSUV, e isso é uma crítica que faço de dentro do processo revolucionário, porque sou do PSUV, diziam que o problema era do bloqueio. E eu estou de acordo com isso. O problema é que, as medidas que você adota para contornar essa situação são medidas de mercado. Reduzir a liquidez e reduzir a circulação."

Se a pouca entrada de dólares já é um problema grave para a Venezuela, o país encontrou outra dificuldade a partir de uma medida do Banco Central. De 2014 a 2018, o órgão deixou de publicar a cotação do dólar. Com isso, comerciantes, empresários de diferentes setores e agentes econômicos perderam a referência para estabelecer preços. Quem ocupou esse vazio cambiário foi a moeda paralela.

Diferentes sites e páginas começaram a cotar o dólar em relação ao bolívar para trazer referência, e o valor da moeda estadunidense disparou no país. O problema só passou a ser amenizado depois que o país conseguiu encontrar formas de driblar as sanções e colocar o petróleo a venda no mercado internacional.  

Segundo o professor de Economia da Universidade de Zulia Omar Muñoz, a dificuldade do governo é conciliar a asfixia externa sobre a economia com a gestão dos recursos que estão entrando agora pela venda de petróleo.

“O governo precisa aumentar os gastos públicos, mas está limitado porque os mecanismos internos não estão funcionando para adotá-lo. Uma atividade econômica restrita, pressão fiscal, um bloqueio… Nós deixamos de vender 4 bilhões de barris de petróleo. Isso mais o que tem os bancos, mais o dinheiro da Citgo [rede estatal venezuelana de refinarias], mais o ouro que está na Inglaterra dá uma quantidade exagerada de 2 trilhões de dólares. Tudo isso restringe a capacidade do governo de satisfazer o que as necessidades da sociedade”, afirma Muñoz ao Brasil de Fato.

O aumento dos salários é um ponto central no debate sobre a condição de vida dos venezuelanos. Sem reajuste há 2 anos, o salário mínimo hoje está em 130 bolívares, algo próximo a 4 dólares. 

De acordo com Tony Boza, o crescimento dos salários no mesmo ritmo da inflação é uma forma adequada que pode dinamizar a economia e aumentar a qualidade de vida da população sem prejudicar a inflação. Para ele, manter os salários só vai criar uma retração ainda maior na economia. 

A saída, de acordo com ele, seria indexar os salários ao crescimento da inflação projetada. O governo venezuelano usaria como base a projeção da inflação para o mês seguinte para reajustar os salários e usaria mecanismos compensatórios para eventuais diferenças entre a projeção e o resultado da inflação no final do mês. 

“Se você pergunta a um banqueiro ou a um empresário, um industrial: como você resolve o problema de a inflação afetar os seus custos? Bom, indexar o valor, com o qual os bens e serviços se realizavam na economia, ou seja, crescer ao mesmo ritmo da inflação”, afirma.

Omar Muñoz ressalta que o objetivo de um sistema econômico é beneficiar a população e não promover os ganhos.

“Não pode ser que a economia seja para obter benefícios e não para garantir a vida. O primeiro objetivo é que toda a estrutura econômica tem que estar montada não para o benefício, mas para gerar bem estar, porque ninguém pode ficar sem comer.".

Edição: Leandro Melito