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35 anos da Coiab: sessão na Câmara homenageia entidade indígena da Amazônia às vésperas do Acampamento Terra Livre

Evento celebra também o Dia dos Povos Indígenas; participantes cobram direitos territoriais do segmento

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Kleber Karipuna, da Apib, vem da terra indígena Uaçá, no Amapá, e tem mais de 20 anos de atuação no movimento - Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Uma sessão solene na Câmara dos Deputados homenageou, nesta sexta (19), os 35 anos de fundação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), uma das principais entidades políticas do segmento. O ato ocorreu às vésperas da realização do Acampamento Terra Livre (ATL) 2024 em Brasília (DF) e na mesma data em que se comemora o Dia dos Povos Indígenas no país.

O evento ganhou tom de cobrança pelos direitos territoriais das comunidades, principal ponto da agenda do setor. "Estamos aproximadamente em 60 mil indígenas [na minha região], mas ainda não temos visibilidade em nosso estado, ainda sofremos com problemas estruturais. Em nossos territórios, estamos em festa porque é importante celebrar a data de hoje. Para que estivéssemos aqui, muitos morreram. Muitos povos hoje não existem mais. Contudo, este também é um momento de refletir. É o momento de olhar para a sociedade e dizer que hoje é um dia de luta", registrou Eliane Rodrigues de Lima, da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso, um dos estados abarcados pela Coiab.


Eliane Xunakalo é ligada à Fepoimt / Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

Fundada em 1989, a Coiab congrega, além do Mato Grosso, organizações de outros oito estados da bacia amazônica: Roraima, Amazonas, Acre, Amapá, Pará, Maranhão, Tocantins e Rondônia. A entidade responde por 180 povos, que correspondem a 860 mil indígenas, entre os quais há 114 comunidades em situação de isolamento voluntário. A coordenação desenvolve ações locais relacionadas a temas como educação, cultura e diversidade.

"A gente se orgulha muito de ter a Coiab, da nossa Amazônia brasileira, compondo a Apib [Articulação dos Povos Indígenas do Brasil], que nasceu a partir de uma luta dos povos da Amazônia juntamente com os povos do Nordeste e do Sul. E, se hoje o ATL comemora 20 anos e ano que vem a Apib comemora 20 anos de existência, isso é fruto da luta de todos nós, povos da Amazônia brasileira, também", disse Kleber Karipuna, um dos coordenadores-executivos da Apib.

Durante a sessão, os participantes vocalizaram ainda as dificuldades enfrentadas pelo segmento no âmbito do Poder Legislativo. A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) criticou a tese do marco temporal, aprovada no ano passado, e disse que os indígenas continuarão se mobilizando em prol dos seus direitos legais diante das articulações contrárias que surgem no Congresso Nacional. A Câmara e o Senado têm forte atuação da bancada ruralista, nome popular da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), que reúne um conjunto de políticos anti-indígenas.


Sessão em homenagem aos 35 anos da Coiab reuniu dezenas de indígenas no plenário da Câmara / Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

"Nós somos muito mais do que direita e esquerda. Somos um povo de raiz que está indo pra cima porque nós entendemos que, na ausência histórica dos povos indígenas neste lugar, considerando que diversas vezes fomos recebidos nesta casa com repressão para barrar a PEC 215, foi com a nossa força ancestral [que lutamos]. Toda vez que este Congresso votar retrocessos, nós estaremos aqui. Se a nossa luta não for suficiente, vamos continuar convocando o movimento indígena do lado de fora porque poder, pra nós, não são só Executivo, Legislativo e Judiciário. O poder mais permanente é a luta." 

Governo

Apesar de a sessão ter sido marcada principalmente por discursos pouco contundentes, mornos e sem críticas diretas ao governo Lula, uma declaração do coordenador-executivo da Coiab, Toya Manchineri, chamou a atenção no plenário. Sem citar a gestão, o dirigente disse que "não adianta empurrar [o reconhecimento de terras] com a barriga". A declaração vem após o presidente da República recuar em relação a quatro demarcações que seriam feitas na quinta (18).


Toya Manchineri, coordenador-geral da Coiab, durante sessão na Câmara dos Deputados / Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

"Para nós, é fundamental que o Estado brasileiro reveja as tomadas de decisão e que possa voltar novamente a fazer a demarcação e o reconhecimento dos territórios. Não adianta empurrar com a barriga porque vai causar muito mais pressão sobre os territórios e mais lideranças serão assassinadas. É hora de o Estado fazer o seu papel, ter a coragem de demarcar e fazer respeitar o que está na Constituição", emendou.

Estavam agendadas para homologação as áreas tradicionais do Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Potiguara Monte-Mor (PB) e Xukuru Kariri (AL). Com o adiamento anunciado por Lula, somente os territórios de Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT) foram demarcados entre os seis que estavam previstos para quinta (18). O chefe do Executivo disse, na ocasião, que a dilatação do prazo se dá em virtude de pedido feito por governadores dos estados onde estão localizadas essas áreas.

Em matéria publicada mais cedo nesta sexta (19), o Brasil de Fato mostrou que a Apib estuda judicializar o caso por entender que a decisão de Lula fere os ritos normativos dos processos de demarcação. O tema deve voltar à tona na próxima semana, quando quase 8 mil indígenas estarão reunidos ATL, maior evento de articulação nacional do segmento. Na terça (23), por exemplo, a Câmara irá realizar uma sessão para homenagear a trajetória do acampamento.

Edição: Thalita Pires