Retrocesso

De entregar Assange a invadir embaixada mexicana: entenda guinada conservadora da diplomacia do Equador

Crise com o México

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
2013: O chanceler equatoriano Ricardo Patiño (direita) e Julian Assange (esquerda) em reunião na embaixada do Equador em Londres
2013: O chanceler equatoriano Ricardo Patiño (direita) e Julian Assange (esquerda) em reunião na embaixada do Equador em Londres - Xavier Granja Cedeño/Ministerio de Relaciones Exteriores.

A crise diplomática gerada pela invasão da embaixada mexicana em Quito pelo governo conservador de Daniel Noboa, do Equador, foi tema de discussão nesta terça-feira (16) na Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Depois de pedir na Corte Internacional de Justiça a expulsão do Equador da ONU, o México pediu o apoio à sua posição na Celac. 

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, manifestou apoio à proposta e anunciou o fechamento dos consulados e da embaixada venezuelana no Equador. O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva classificou o episódio como “inaceitável” e afirmou que o Equador fez um pedido público de desculpas ao México.

Considerado o ato internacional mais arbitrário da história contemporânea do Equador pelo ex-chanceler do país, Guillaume Long, esse episódio consolida uma guinada autoritária na diplomacia do país, iniciada com o rompimento do asilo político do jornalista Julian Assange - que estava abrigado na embaixada equatoriana em Londres - em 2019 pelo governo de Lenín Moreno.

“Ambos os episódios atacam a instituição do asilo na América Latina e no mundo. Se hoje o Equador pode fazer isso sem enfrentar consequências, amanhã qualquer um, incluindo qualquer ditadura”, afirmou Long em entrevista ao Brasil de Fato.

Os dois casos representam uma violação do direito internacional de asilo. No caso de Assange, o ex-chanceler explica que o Equador rompeu o princípio de não-devolução (non-refoulement) segundo o qual, após conceder o asilo, o país não pode retirá-lo ou expulsar o asilado, a menos que as razões pelas quais este solicitou a proteção tenham deixado de existir.

“No caso de Assange, claramente as razões por trás do asilo ainda existiam, a perseguição e a possibilidade de extradição. Mas, ao contrário de Noboa, os britânicos não violaram a imunidade da embaixada equatoriana em Londres porque foram convidados a entrar pelo governo equatoriano”, aponta Long.

Para a socióloga equatoriana Irene León, a posição atual  da diplomacia equatoriana representa um paradoxo já que o direito de asilo no sistema interamericano avançou graças às contribuições do Equador no caso Assange, quando o governo Rafael Correa concedeu asilo político ao fundador do Wikileaks.

Ao conceder o asilo, ela aponta que a política externa do governo do Movimento Revolução Cidadã estava ancorada “na soberania do conhecimento e houve muitos desenvolvimentos nesse sentido.”

“Assange era praticamente um convidado de honra na embaixada do Equador em Londres, porque contribuiu enormemente para a soberania da informação, a soberania digital e soberania do conhecimento em todo o mundo, para além de ter facilitado a divulgação de informação estratégica para a defesa dos povos.”

Leon considera que o caso Assange explicita a diferença de projetos que estão em disputa no Equador. “A ruptura com o asilo, com o direito internacional humanitário com o sequestro de Jorge Glas por Daniel Noboa e os neoliberais do Equador, é um ataque contra a proposta do movimento Revolução Cidadã, que está alinhado com a esquerda e que, apesar da perseguição política e do lawfare, é a principal força política do país.”

Caso Assange

Na semana passada, o presidente dos EUA, Jor Biden, disse cogitar pedido da Austrália para cancelar as acusações contra Assange. Preso em Londres, o jornalista pode ser condenado a mais de cem anos de prisão por ter relevado milhares de documentos militares dos EUA, referentes às campanhas no Iraque e Afeganistão. 

Por outro lado, nesta terça (16), a Justiça dos EUA atendeu pedido da Justiça britânica de fornecer garantias de que Assange não seria condenado à morte caso extraditado. Analistas acreditam que com a entrega dessas garantias, a extradição do australiano estaria mais próxima. 

 

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho