Após cobranças de lideranças do campo que vinham apontando lentidão nos processos de reforma agrária, o governo federal apresentou nesta segunda-feira (15) um programa que busca dar maior agilidade às ações relacionadas à política. Intitulado Terra da Gente, o programa deverá sistematizar as áreas disponíveis no país para serem incluídas no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA).
Segundo a gestão, a ideia também é inserir 295 mil famílias no PNRA até 2026, último ano de governo, sendo 74 mil delas assentadas e 221 mil reconhecidas ou regularizadas em lotes de assentamentos existentes. O governo, no entanto, ainda não detalhou o significado dessas categorias.
O anúncio ocorreu no dia de maior mobilização do Abril Vermelho, jornada nacional de lutas que o MST faz anualmente no mês em que, em 1996, aconteceu o Massacre de Eldorado do Carajás. Neste ano, o lema da jornada é "Ocupar para o Brasil alimentar".
De acordo com o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, do total de 295 mil famílias, 73,2 mil serão incluídas no programa ainda este ano, 81 mil em 2025 e o restante no ano seguinte. Os números configuram um aumento de 877% na política no comparativo com o período entre 2017 e 2022, quando as ações voltadas ao segmento foram desmontadas e paralisadas.
"É uma mudança muito expressiva do tratamento do tema da reforma agrária no Brasil", disse o petista, ao anunciar ainda que 7 mil famílias devem acessar terras através do Programa Nacional de Crédito Fundiário.
A oficialização do programa veio por meio de um decreto assinado pelo presidente Lula (PT) que ordena diferentes formas de obtenção e destinação de terras, englobando áreas já adquiridas, lotes em fase de aquisição, terras passíveis de adjudicação por dívidas com a União e imóveis improdutivos, entre outras. O objetivo é, com isso, organizar um mapeamento que detalhe a localização e a situação de cada uma dessas áreas.
Está previsto para este ano um montante de R$ 520 milhões em investimento na aquisição de imóveis, o que deve alcançar 73 mil famílias, segundo os números apresentados pela gestão. "Nós temos a obrigação de levar a essas pessoas o direito de ter acesso a crédito, o que é mais lucrativo e o que não é. O que nós queremos é a multifuncionalidade da terra, para que a gente possa extrair de um terreno tudo que a gente pode produzir", afirmou o presidente Lula (PT).
O presidente também assinou atos que repassam para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) uma área adquirida pela União por meio de processos de negociação de dívidas e que vai gerar nove assentamentos voltados à reforma agrária.
"Para a gente, essa política é extremamente importante. Nós mulheres, por exemplo, respondemos por 45% da produção [da agricultura familiar], porém a gente tem dificuldades com várias coisas, como no acesso à terra, à assistência técnica, ao crédito. Mesmo a gente produzindo uma quantidade significativa de alimentos na zona rural, a situação é essa, por isso o lançamento deste programa e dessas ações de hoje nos traz esperança de avanços", disse ao Brasil de Fato a secretária de Mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Mazé Morais.
Déficit
O déficit do Brasil na política de reforma agrária tem sido o principal problema vocalizado por entidades civis do campo ao longo da história. O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), organização mais emblemática do segmento, tem cerca de 71 mil famílias acampadas à espera de um assentamento para a produção de alimentos.
"Isso era o número que a gente tinha até ontem [domingo], mas hoje, com a nossa jornada de lutas, já deve ter ultrapassado os 80 mil. A gente ainda não tem os dados oficiais, mas foram 24 ocupações até agora, então, a gente estima que esse número ainda pode aumentar bastante durante esta semana", calcula a dirigente Ceres Hadich, que integra a coordenação nacional do movimento, ao mencionar as mobilizações do Abril Vermelho.
Na Contag, o déficit atual é de cerca de 50 mil famílias aguardando inclusão no PNRA. Durante o evento desta segunda, o presidente da entidade, Aristides dos Santos, elogiou a iniciativa do governo de lançar o Terra da Gente, mas também cobrou uma articulação intensiva em torno da agenda do grupo, inclusive no âmbito do Congresso Nacional.
"O Estado brasileiro, para não dizer a sociedade brasileira, tem uma dívida muito grande com os povos do campo, da floresta e das águas. Sabemos que o governo herdou um Incra quebrado, por isso reconhecemos a iniciativa e temos que enfrentar este tema com muita importância. O governo, com apoio dos movimentos sociais, tem condições de fazer um debate no Legislativo para que as leis não impeçam a luta pela terra e pela reforma agrária. Sem reforma agrária, não há democracia nem desenvolvimento no campo."
Em conversa com o Brasil de Fato, Santos manifestou preocupação com o conservadorismo do Congresso, majoritariamente dominado por parlamentares da bancada ruralista e aliados. "Mas o problema do Legislativo também é orçamento. Quando se fala de obtenção de terra, reforma agrária, o bicho pega. Nós entendemos que o Lula tem autoridade política pra fazer esse debate com o Congresso Nacional. Números anunciados, valores investidos são coisas que temos que trabalhar", disse, ao afirmar que a entidade espera um orçamento maior para a política de reforma agrária. O dirigente considera os valores atuais "ainda muito baixos".
Violência
Segundo afirmaram representantes do governo durante o evento, a gestão espera, com uma maior velocidade do PNRA, ajudar a promover a “paz no campo”. O ministro Paulo Teixeira destacou que, entre 2017 e 2023, foram registrados 780 conflitos relacionados à luta por reforma agrária no Brasil. O assunto também foi lembrado por lideranças populares nesta segunda. Ceres Hadich disse que o MST vê a política de reforma agrária como ponto essencial do combate à violência na zona rural.
“Ela é parte essencial do processo de mediação de conflitos fundiários e da solução do problema. Se o governo quer um processo de pacificação e quer de fato enfrentar a questão da fome no país, sem dúvida alguma ele vai precisar enfrentar também, neste ano e nos próximos, a questão dessa concentração agrária absurda que temos ainda no Brasil.”
Edição: Thalita Pires