Diversas organizações que atuam em defesa do meio ambiente se posicionaram contra o Projeto de Lei 364/2019, que permite a atividade agrária nos chamados campos de altitude, nos campos gerais e nos campos nativos.
O PL foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados, nesta quarta-feira (20), com 38 votos. Se sancionado, o projeto pode acabar com 50% do Pantanal (7,4 milhões de hectares), 32% dos Pampas (6,3 milhões de hectares) e 7% do Cerrado (13,9 milhões de hectares), de acordo com uma nota técnica da SOS Mata Atlântica. Da Amazônia, pode-se perder cerca de 15 milhões de hectares. No total, são quase 42 milhões de hectares.
Na nota, a organização afirma que os parlamentares utilizam um “falso argumento de que nenhuma árvore será derrubada com essa flexibilização legal”. Aqueles que são “favoráveis ao projeto renegam a importância dos campos nativos ao considerar essas áreas, estratégicas para segurança hídrica, climática e da biodiversidade, como áreas consolidadas aptas para conversão agrícola sem a necessidade de licenciamento e recuperação ambiental”, diz um trecho da nota.
“A proposta de flexibilização vem sendo apoiado por organizações do setor de florestas plantadas, ou seja, de papel e celulose, pínus e eucalipto e é absolutamente desproporcional, pois retira ou diminui significativamente a proteção dos campos nativos de todos os biomas brasileiros para supostamente resolver problemas pontuais que afetam, no máximo, produtores rurais situados nos campos de altitude sulinos.”
Na mesma linha, o Instituto Socioambiental (ISA) entende que o projeto coloca em risco não somente os campos nativos, mas qualquer vegetação classificada como “não florestal” – aquelas compostas principalmente por plantas com menos de 10 centímetros de diâmetro, localizadas predominantemente no Cerrado, Pantanal e Pampa.
Em nota, o ISA defende que o projeto “legaliza os desmatamentos antigos de toda vegetação ‘predominantemente não florestal’ do país e permite seu desmatamento de agora em diante, de forma automática. O projeto faz isso ao classificar esse tipo de cobertura vegetal, de antemão, ‘área rural consolidada’, ou seja, já convertida para uso agropecuário - mesmo que ela esteja em estado original de conservação”.
O consultor jurídico do Instituto, Mauricio Guetta, afirmou que “a proposta pretende revogar toda a proteção da vegetação nativa não florestal, em vigor no Brasil desde 1934, liberando-a para o desmatamento generalizado”. Em suas palavras, “o impacto é abissal em biomas predominantemente não florestais, como Pantanal, Cerrado, Caatinga e Pampa, mas também vai afetar enormes áreas não florestais na Amazônia e na Mata Atlântica”, disse em nota do ISA.
“A afirmação de que o texto se limita aos campos é falsa, pois a expressão ‘tais como’, na redação atual, denota que os tipos de vegetação mencionados ‒ campos gerais, campos de altitude e campos nativos ‒ são meros exemplos do conteúdo principal, que é a vegetação não florestal”, explica Guetta.
A organização WWF Brasil também se somou ao coro contrário ao PL. Também em nota, a instituição classificou como “falso o argumento de que nenhuma árvore será derrubada”. “O texto representa sim um grave retrocesso ambiental ao liberar o desmatamento em todas as áreas do Brasil com vegetação classificada como não florestais”, defende em um trecho do documento.
De acordo com a nota, o projeto pode viabilizar a regularizações de imóveis ocupados ilegalmente, inclusive aqueles que estão em Áreas de Preservação Permanente e Reservas Legais. Para a WWF, “trata-se de uma espécie de anistia aos proprietários que, ao contrário, deveriam proteger e regenerar suas propriedades”.
“Permitir a destruição dessas áreas pode afetar a disponibilidade de água e acelerar os efeitos das crises climática e de biodiversidade, causando sérias consequências para a produção agrícola, a saúde e a vida de grande parte da população brasileira”, defende a WWF.
O Projeto de Lei
Na prática, o projeto altera o Código Florestal para considerar como “ocupação antrópica” as regiões de atividades agrícola e pecuária que já existiam antes de 22 de julho de 2008, caracterizando-se como áreas rurais consolidadas. Essas regiões devem estar situadas em formações de vegetação nativa predominantemente não florestais, tais como os campos gerais, os campos de altitude e os campos nativos.
De acordo com o escritório de advocacia Junqueira Sampaio, “a ocupação antrópica consolidada se caracteriza por determinadas intervenções realizadas em área de preservação permanente (APP), sem autorização do órgão competente, anteriormente a 22 de julho de 2008”. Mas, “se a intervenção se enquadrar na figura da ocupação antrópica consolidada, não pode haver autuação, seja criminal ou administrativa. Ela é uma espécie de anistia concedida pelo Poder Público”.
Já por vegetação nativa se compreende os biomas caracterizados por vegetação rasteira, herbáceas, gramíneas e pequenos arbustos esparsos com características que mudam de acordo com a região. Esse tipo de vegetação está principalmente localizado no Sul do país, mas pode ser encontrado em mais de um bioma: Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado e Amazônia.
A votação do PL na CCJ também levantou vozes contrárias dentro da Câmara. Para o deputado Bacelar (PV-BA), o projeto ameaça “o pouco que restou da Mata Atlântica” e de vários ecossistemas. “Para biomas como o Pantanal e o Cerrado, o impacto é assustador! Mesmo na Amazônia, temos formações naturais com vegetação não florestal, as quais ficariam muito mais vulneráveis”, defendeu.
“Ainda que a vegetação característica dessas áreas seja baixa, ela está situada nas partes elevadas dos maciços montanhosos, o que a torna essencial para a formação dos aquíferos nacionais. Essa água que vem lá dos maciços montanhosos abastece florestas e equilibra a temperatura de ecossistemas”, disse o parlamentar.
O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP) também se manifestou contra. “Com a desculpa de resolver uma situação pontual de um ecossistema específico do bioma Mata Atlântica, que são os campos de altitude, o relatório atual adquiriu proporções assustadoras e quebra a espinha dorsal de duas legislações estratégicas para a conservação ambiental do Brasil: a Lei da Mata Atlântica e o Código Florestal.”
“Uma incongruência negacionista promovida pela ala radical da bancada do agro e que a CCJ quer aprovar na mesma semana em que o Rio de Janeiro registrou sensação térmica de 60 graus”, afirmou.
Edição: Matheus Alves de Almeida