No último domingo (17), vários protestos ocorreram na província de Santiago de Cuba, no leste do país contra os prolongados e repetidos cortes de energia, que chegam a ultrapassar 6 horas por dia. De pano de fundo, um contexto marcado por grave crise econômica e energética pela qual a ilha está passando.
A situação foi agravada pelas temperaturas recordes que Cuba está registrando e causam aumento na demanda de energia.
Manifestantes também reclamaram da escassez ou atrasos na distribuição da cesta básica familiar normada, sistema de distribuição de alimentos que o Estado garante a preços subsidiados. Consideravelmente mais baratos do que os preços de mercado, seu objetivo é garantir segurança alimentar para a população.
A cesta básica familiar normada tem enfrentado atrasos na entrega de vários de seus produtos, muitos dos quais o país precisa importar. Os protestos de domingo em Santiago, a segunda maior cidade de Cuba, estiveram ligados principalmente a atrasos nas entregas de leite.
Diálogo com manifestantes
Durante os atos, várias autoridades da província foram ouvir as reivindicações e conversar com os manifestantes. Beatriz Jhonson Urrutia, ex-governadora e atual secretária do Partido Comunista Cubano na província, foi uma delas.
Em um vídeo publicado nas redes sociais, Urrutia disse que o diálogo ocorreu de "maneira respeitosa" e que ela "ouviu atentamente as informações fornecidas". Ressaltou também que as autoridades estão cientes dos "efeitos sobre o sistema elétrico nacional causados pelos problemas enfrentados pelas usinas termoelétricas e pela disponibilidade de combustível".
No mesmo tom, o presidente Miguel Díaz-Canel publicou série de mensagens em sua conta X (antigo Twitter), na qual afirmou que a disposição do governo "é atender às demandas de nosso povo, ouvir, dialogar, explicar as inúmeras medidas que estão sendo tomadas para melhorar a situação".
"Em meio às condições de um bloqueio dos EUA que busca nos sufocar, continuaremos a trabalhar em paz para sair dessa situação", concluiu o presidente.
Três vezes mais caro
Consultado pelo Brasil de Fato, o engenheiro elétrico e especialista da estatal Unión Eléctrica, Alejandro Lopéz, argumenta que os problemas de Cuba no setor energético "não podem ser compreendidos sem levar em conta o bloqueio ilegal que Washington mantém contra a ilha há décadas".
"Parte muito importante do combustível que o país consome é importada. Estamos falando de suprimento essencial para a produção de energia, mas também para o transporte e a agricultura. É realmente muito difícil para o Estado importar esse combustível. Como o bloqueio significa que todo navio que entra em um porto cubano é sancionado pelo governo dos EUA, as empresas de navegação geralmente não podem operar com Cuba. E se o fazem, é sempre a custos muito acima do preço internacional", explica ele.
Estima-se que a importação de energia custe ao Estado cubano até três vezes mais do que o preço médio internacional. Assim, por um lado, a economia do país é diretamente afetada, fazendo com que o Estado cubano perca recursos substanciais. Por outro lado, as sanções contra as empresas de navegação dificultam muito a garantia de um fluxo constante de frete. Como resultado, há problemas contínuos com os suprimentos.
Além desses problemas, todas as usinas térmicas do país contam com maquinário muito antigo, alguns com mais de 30 anos de uso. Por isso, é relativamente fácil para elas quebrarem e reduz a distribuição de energia para o país.
"Tanto a manutenção como a renovação de peças ou maquinário são processos muito caros. Por um lado, o bloqueio restringe muito as possibilidades de acesso a financiamento para esses investimentos. Por exemplo, Cuba não pode acessar os mercados financeiros internacionais. Ao mesmo tempo, a importação de peças de reposição, que por si só implica grandes investimentos, é ainda mais cara devido ao bloqueio".
Apagões solidários
Devido ao déficit de energia do país, o governo cubano programa uma série de "apagões solidários" (cortes programados de energia) para economizar energia. Esses cortes são estabelecidos por cada província, que divide a região em "blocos" onde os "apagões solidários" se alternam durante as semanas. Esses cortes de energia são mais prolongados fora de Havana.
Alejandro Lopéz explica que cada província mapeia locais considerados prioritários - hospitais ou residências onde há pessoas vulneráveis por motivo de doença ou idade e que não podem ficar sem eletricidade - que não são afetados pelos cortes de energia.
Ao mesmo tempo, Cuba mantém um sistema de fortes subsídios à energia, tanto para empresas (incluindo empresas privadas) como para o consumo doméstico, que representa cerca de 65% do total. Em 2023, o custo da energia para o Estado foi quase 8 vezes maior do que o pago pelos consumidores.
Interferência estrangeira
No momento das manifestações, a Embaixada dos Estados Unidos em Havana emitiu um comunicado no qual "exortava" as autoridades cubanas a "respeitar os direitos humanos" dos manifestantes. A declaração insinuava que o governo cubano não respeita os direitos humanos.
Em resposta, na manhã de segunda-feira (18), o Ministério das Relações Exteriores de Cuba convocou uma reunião com as autoridades da Embaixada dos EUA para transmitir seu "firme rechaço à interferência" devido às "mensagens caluniosas do governo dos EUA e de sua embaixada em Cuba sobre os assuntos internos da realidade cubana".
As autoridades cubanas ressaltaram que, de acordo com as regras da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, as missões diplomáticas não devem emitir opiniões sobre a política interna do país em que estão localizadas. Coisa que a Embaixada dos EUA em Cuba viola sistematicamente.
As autoridades cubanas também aproveitaram a oportunidade para enfatizar que a "responsabilidade direta" pelas "carências e dificuldades que a população enfrenta diariamente" é principalmente do bloqueio econômico ilegal mantido pelos Estados Unidos contra Cuba. Dessa forma, o Estado caribenho acusa Washington de "limitar e obstruir todos os esforços do Estado cubano para encontrar soluções e dar respostas às necessidades econômicas e sociais do país".
O bloqueio de Cuba pelos Estados Unidos foi abordado pela primeira vez pela Assembleia Geral da ONU em 1992. Desde então, invariavelmente a cada ano, a Assembleia Geral votou por uma maioria esmagadora para pôr fim ao bloqueio, uma série de medidas que interrompem gravemente o desenvolvimento normal da economia de Cuba e condicionam diretamente a vida cotidiana dos cubanos. Entretanto, ano após ano, Washington tem ignorado essa exigência da comunidade internacional.
De acordo com o último documento aprovado na Assembleia Geral por 187 votos a favor, com a abstenção da Ucrânia e apenas os Estados Unidos e Israel votando contra, o bloqueio gerou uma perda de US$ 13 milhões (R$ 65 milhões) por dia para o Estado cubano, somente no ano passado.
Edição: Rodrigo Durão Coelho