O aumento no preço da comida nos primeiros dois meses deste ano acendeu um alerta entre especialistas. Em janeiro e fevereiro de 2024, os alimentos e bebidas ficaram 2,34% mais caros no país, quase o dobro da inflação oficial registrada no mesmo período (1,25%).
Os dados foram divulgados no último dia 12 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dois dias depois, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou uma reunião ministerial para tratar do assunto.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT), atribuiu o aumento dos preços a questões climáticas e sazonais. Afirmou que uma redução é esperada nos próximos meses.
Para o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a queda não é tão garantida quanto estima o governo. Até porque, segundo ele, o próprio governo não tem investido em ações que poderiam assegurar preços razoáveis aos alimentos.
"Não está ocorrendo muita observância deste governo com os estoques reguladores e com outras medidas que poderiam aliviar esse processo [de alta de preços]", disse ele, ao Brasil de Fato.
Estoques
Os estoques reguladores são compostos por alimentos comprados pelo governo na baixa de preços para que sejam liberados ao mercado quando os preços sobem. É uma forma controlar altas em períodos críticos.
O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) extinguiu essa política e praticamente acabou os estoques públicos. Não por acaso, em 2022, último ano de sua gestão, os alimentos aumentaram 11,64%, mais que o dobro da inflação oficial (5,79%).
O presidente Lula prometeu restabelecer os estoques visando um controle de preços. Em junho, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) anunciou sua primeira compra de alimentos em seis anos.
Ao longo de 2023, entretanto, a companhia quase só comprou milho. Estoques de arroz, feijão, café, mandioca e trigo, por exemplo, estão hoje zerados, de acordo com dados públicos da própria Conab. Parte desses produtos pressiona agora a inflação.
O arroz já subiu 10,32% em 2024. Já o feijão carioca aumentou 15,27%, segundo o IBGE.
"Especificamente quanto ao arroz, a realização da próxima colheita pode contribuir para redução de seu preço interno, desde que o preço internacional comece a cair. Esperaria passar março e abril para ter melhor noção do que acontecerá em 2024", ponderou o economista e engenheiro agrônomo José Giacomo Baccarin, ex-secretário de Segurança Alimentar e Nutricional do governo federal.
Safra
Diego Moreira, da coordenação nacional do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), disse que a falta de produção também é um problema. A área plantada de alimentos básicos no país vem caindo ano após ano para dar lugar principalmente à soja. O resultado disso é que acaba faltando comida.
Segundo o próprio Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a área ocupada por lavouras de soja no Brasil deve atingir, em 2033, 55 milhões de hectares – cerca de 85% a mais do que ocupava em 2013. Nesse mesmo período, a área dedicada à plantação de arroz e feijão cairá 61% e passará a somar 2,2 milhões de hectares.
"Estamos vivendo o momento mais difícil para a agricultura brasileira, e isso muito fruto da forma como os grandes proprietários do agronegócio a organizaram no país", disse Moreira, reclamando do foco excessivo na produção para exportação.
De acordo com ele, a forma de produção nacional também contribui para mudanças climáticas. Essas mudanças acabam, ao final, prejudicando a própria agricultura.
A safra de 2023/2024 deve ser cerca de 4,7% menor do que a de 2022/0/2023 por conta de fatores climáticos, segundo monitoramento do IBGE. Serão colhidas 14,7 milhões de toneladas de soja, milho, arroz e feijão a menos. E essa queda acontecerá apesar do aumento de 0,2% da área plantada entre uma safra e outra.
"Estamos sofrendo extremos climáticos em várias regiões do país: secas, enchentes, ciclones", acrescentou Moreira. "Isso prejudica a produtividade."
Para ele, o governo precisa reforçar o incentivo à agricultura familiar, que é quem mais se dedica à produção de alimentos e que não reforça as mudanças climáticas.
O economista Roncaglia ratifica a recomendação de Moreira e pede atenção redobrada à produção de alimentos. "O aumento dos preços é uma preocupação importante, principalmente pelo efeito regressivo da inflação de alimentos [que prejudica principalmente os mais pobres] e porque a inflação de alimentos é um regulador de tensão social", disse.
Governo reage
Procurada pelo Brasil de Fato, a Conab informou que, ao longo de 2023, comprou 342.235 toneladas de milho para recompor estoques públicos. Não comprou mais ou outros produtos porque "só é possível formar estoques quando os preços de mercado estão em patamares abaixo dos preços mínimos", o que não ocorreu em outros casos.
Segundo a Conab, os preços de alimentos ainda sofrem os efeitos da alta de insumos verificada na pandemia. A companhia acrescentou que "tem buscado apoiar o produtor rural, incentivando a produção a partir de preços mínimos encorajadores". "As aquisições no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) têm sido uma das nossas principais ferramentas", declarou a Conab.
O Mapa também foi procurado mas não se pronunciou. O ministro Carlos Fávaro (PSD), que esteve na reunião com Lula na semana passada, reforçou que espera uma redução dos preços dos alimentos a partir de abril.
Segundo ele, o governo prepara medidas para que o Plano Safra priorize a produção de alimentos. Esse plano, voltado ao agronegócio, tem recursos de R$ 364 bilhões. Já o Plano Safra da Agricultura Familiar tem R$ 77 bilhões.
Edição: Thalita Pires