A nova bandeira política do bolsonarismo passou a ser o pedido de anistia aos golpistas que invadiram e depredaram prédios públicos no dia 8 de janeiro de 2023. Na manifestação da extrema-direita, em São Paulo, no dia 25 de fevereiro de deste ano, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deixou evidente que pretende trabalhar para que o perdão alcance seus seguidores e ele próprio.
Ato contínuo, as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo chamaram uma manifestação para o próximo dia 23 de março para pedir nas ruas que a anistia não seja concedida aos golpistas.
"Nós, da esquerda brasileira, não vamos aceitar esse pedido de anistia. É um absurdo, porque os crimes que eles cometeram, quando estavam no governo, tanto quanto já estavam fora, foram gravíssimos, do ponto de vista jurídico e político", afirmou João Paulo Rodrigues, liderança do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), em entrevista ao Brasil de Fato.
Para Rodrigues, a anistia aos golpistas do 8 de janeiro, no ano em que o Brasil lembra os 60 anos do golpe militar de 1964, mostraria que o país não aprendeu nada com o perdão concedido aos militares em 1978.
"A anistia brasileira não colocou o debate de um novo projeto das Forças Armadas e, pelo contrário, 30 anos depois permitiu que os bolsonaristas ocupassem da estrutura das Forças Armadas e tentassem novamente um golpe", pontuou o líder do MST.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Em seu discurso, no ato do dia 25 de fevereiro, na avenida Paulista, Jair Bolsonaro falou em "pacificar o país". Para tal condição, disse ele, seria necessário uma anistia aos "baderneiros" do 8 de janeiro. Qual sua opinião sobre um eventual projeto de lei que preveja a anistia dos golpistas do 8 de janeiro?
João Paulo Rodrigues: Nós, da esquerda brasileira, não vamos aceitar esse pedido de anistia. É um absurdo, porque os crimes que eles cometeram, quando estavam no governo, tanto quanto já estavam fora, foram gravíssimos, do ponto de vista jurídico e político. Por isso, a nossa luta, no Congresso Nacional e na imprensa, é para que não se aceite essa barbárie. Seria a legalização ao enfrentamento do que temos de melhor nesse momento, que é um regime democrático para o Brasil. Por isso, a nossa luta é "não" a anistia. Pelo contrário, que a justiça alcance eles.
Parte dos anistiados, se o projeto tiver êxito, seriam militares. Justamente neste 2024, daqui 20 dias, lembraremos os 60 anos do golpe militar, que acabou em anistia também. É possível conectar os dois assuntos?
Sem dúvida alguma. A anistia brasileira não colocou o debate de um novo projeto das Forças Armadas e, pelo contrário, 30 anos depois permitiu que os bolsonaristas ocupassem da estrutura das Forças Armadas e tentassem novamente um golpe. O que é mais grave? Com o apoio dos militares. A anistia do passado não ajudou em nada ao país, encobriu crimes e gestou uma nova geração de golpistas. Por isso, não podemos dar uma nova oportunidade aos golpistas. A democracia no Brasil tem que se consolidar.
A esquerda convocou um grande ato para o próximo dia 23, em São Paulo. É uma resposta ao pedido de anistia?
Não, é um início de mobilizações populares que estamos fazendo e um dos assuntos é o grito contra a anistia. As manifestações vão acontecer em todo o país. Elas vão ao encontro do que foram as manifestações do 8 de março, ao encontro das mobilizações que estão sendo preparadas para o 1 de maio. É uma forma muito clara dos movimentos populares de demonstrar força através da mobilização. Essa manifestação do dia 23 não tem pretensão de ser maior, igual ou menor que outras manifestações feitas por nós em outros momentos, muito menos que a dos bolsonaristas. As ruas sempre foram palco da esquerda e não podemos abandoná-las. Nós queremos fazer dois atos nacionais grandes, em São Paulo e, provavelmente, Salvador.
Parte da esquerda não aceitou muito bem o ato dia 23, porque se oporia ao ato dos bolsonaristas na avenida Paulista. O Valter Pomar diz que a esquerda tem que ir para a rua para demarcar espaço. Você concorda com ele?
Há uma preocupação muito grande da nossa parte, porque pessoas do governo e fora do governo, da esquerda, não estão querendo ir as ruas. Isso preocupa porque não faz parte da história da esquerda ficar em casa fazendo luta pelo controle remoto. Nossa tradição é ir para as ruas em cinco pessoas ou milhares. Nós convidamos o governo a participar das nossas reuniões, inclusive convidamos o presidente Lula.
Estamos também às portas de abril, mês que tradicionalmente o MST vai as ruas, é o “Abril vermelho”. O que o movimento tem planejado para este ano?
Esse abril será de luta e o tema central será cobrar o governo federal pela Reforma Agrária, já estamos há um tempo sem assentamentos. O ano passado foi muito ruim para a Reforma Agrária, quando não era ainda um orçamento deste governo. Mas neste ano, a expectativa é grande e esperamos que o governo aproveite o mês de abril para fazer anúncios.
Nós temos 60 mil famílias que precisam ser assentadas esse ano. Agora, sabemos da autonomia que o governo tem, referente ao movimento popular, e o governo sabe de nossa autonomia. Por isso, vamos fazer ocupações, marchas e caminhadas, como sempre fizemos, denunciando o latifúndio improdutivo e avançando no caminho de uma Reforma Agrária popular.
Em 2022, o MST elegeu seis parlamentares, entre deputados federais e estaduais. Agora, em 2024, o movimento pretende manter esse movimento político, de apostar em candidaturas próprias ao legislativo? Como avaliam a experiência de 2022, após dois anos de mandatos dos eleitos?
O nosso movimento continua sempre na luta pela Reforma Agrária, mas esse período exige que disputemos outros espaços, em especial no Legislativo e Executivo. Por isso, o MST vai reforçar a campanha de candidaturas a vereadores e prefeitos no país. O MST está em mil municípios, temos que disputar esses territórios.
Edição: Matheus Alves de Almeida