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Suspeitos tentam passar para a Justiça Militar caso de fraude em licitação durante Intervenção no RJ

Solicitação alega que presença do general Braga Netto como interventor justifica mudança; juíza responsável nega pedido

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Braga Netto foi candidato a vice-presidente da República na chapa do presidente Jair Bolsonaro (PL) - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um militar da reserva investigado por suspeita de arquitetar uma fraude na contratação de coletes balísticos durante a intervenção federal no Rio de Janeiro, em 2018, e um advogado pediram à Justiça Federal para o caso ser enviado à Justiça Militar pelo fato da investigação envolver um contrato firmado pelo então interventor, general da reserva Walter Braga Netto.  A solicitação dos investigados, porém, foi rejeitada pela juíza federal responsável pelo caso, Caroline Vieira Figueiredo.

"Se não bastasse o cargo de natureza militar do Interventor, bem como a contratação ter sido realizada em área sob administração militar, o Termo de Especificação do Objeto (TEO), como também a Ata da Sessão de Licitação promovida para aquisição dos coletes balísticos, expressamente comprovam que, na íntegra, todos os envolvidos na contratação da empresa CTU Security, objeto da investigação, eram todos militares em serviço na Intervenção Federal" afirma o pedido de Glaucio Octaviano Guerra, um coronel da reserva da Aeronáutica e investigado por suspeita de ser o responsável por arquitetar a contratação fraudulenta e com sobrepreço. 

Em seu pedido, ele chega a afirmar ainda que a investigação aponta a "crucial participação" de Braga Netto nos crimes investigados. "Segundo se verifica do relatório policial, a suposta miríade de delitos ali elencados, há a crucial participação do interventor federal, Exmo. General de Exército Walter Souza Braga Netto, agente público militar responsável pela contratação, por todos os procedimentos licitatórios e que assinou o contrato de aquisição, após a sessão licitatória", segue a defesa de Gláucio. 

Outro que pediu para o caso ser enviado para a Justiça Militar foi o advogado Sebastião Miguel Vieira, que aparece nas investigações como um dos representantes da CTU Security no Brasil. Em seu pedido ele chega a afirmar que a investigação aponta o envolvimento não só de Braga Netto, como também de outros generais. 

"Ainda no tocante à competência, nos autos são apontadas condutas típicas, supostamente praticadas por quatro oficiais generais (Walter Souza Braga Netto, Richard Fernández Nunes, Laelio Soares De Andrade, Paulo Roberto Rodrigues Pimentel) e, por comando expresso do art. 6º, I, “a” da Lei nº 8.457/92, devidamente c/c arts. 10, §3º, 108 do CPPM, a competência para processar e julgar tais agentes é do STM (Superior Tribunal Militar)", diz a manifestação de Sebastião Vieira. 

Na prática, o pedido de envio do caso para a Justiça Militar indica uma tentativa dos investigados de conseguir atenuar eventuais consequências da investigação, já que este ramo da Justiça é tradicionalmente pouco rigoroso na punição de militares, sobretudo de generais. Recentemente, inclusive, dois ministros do Superior Tribunal Militar votaram para absolver um grupo de militares acusados de matar um músico com 82 tiros no Rio de Janeiro, em 2019. O julgamento ainda não foi concluído. 

Juíza nega pedidos 

A juíza Caroline Vieira Figueiredo entendeu que a intervenção na Segurança Pública do Rio teve caráter cível. "É necessário destacar que, em que pese o Decreto nº 9.288/2018 tenha definido o cargo de interventor como um cargo de natureza militar (artigo 2º, parágrafo único), a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro baseou-se na Constituição Federal (artigos 34 e 36), tendo natureza política cível, não militar", afirmou a juíza nas decisões que rejeitaram os pedidos de cada um dos investigados, em 2 de fevereiro deste ano. 

Ainda segundo a magistrada, apesar das várias menções a Braga Netto no decorrer da investigação, o militar da reserva não foi alvo das medidas decretadas na Operação Perfídia, como as buscas e apreensões e quebras de sigilo.  

"Por mais que seu nome tenha aparecido, em alguns momentos, nas mensagens extraídas do aparelho celular de Glaucio Octaviano Guerra, fato é que não foram reunidos indícios em relação ao ex-interventor federal no esquema criminoso em comento a justificar que a medida de busca e apreensão fosse contra ele direcionada", assinalou a juíza em sua decisão.  

"Dessa forma, ao contrário do apontado pelo excipiente, a natureza da função então desempenhada pelo General Braga Netto é indiferente, ao menos por ora, para a fixação da competência", segue a magistrada. Ainda segundo ela, o cargo de interventor é uma extensão da própria Presidência da República na administração estadual, de forma que não pode ser entendida como uma intervenção militar, ainda que os servidores envolvidos sejam militares. 

"O interventor, em verdade, atua como um longa manus do Presidente da República, estando a ele diretamente subordinado, uma vez que é do chefe do Executivo a responsabilidade pela intervenção federal. Não se trata, portanto, de intervenção militar, ainda que o interventor nomeado tenha sido um militar, ou que diversos servidores militares tenham atuado em auxílio ao interventor", explicou a juíza. 

Ao final ela ainda ponderou que os recursos usados para a compra dos coletes e que estão sob suspeita de superfaturamento não eram verbas das Forças Armadas, mas sim do governo federal, o que afastaria também a atribuição da Justiça Militar para o caso. 

'Coronel Guerra'

Conhecido como coronel Guerra, Glaucio é um coronel da reserva da aeronáutica que mora nos Estados Unidos desde 2016 e teve seu nome mencionado na CPI da Covid como um dos envolvidos nas negociações de venda da vacina Covaxin para o governo durante a pandemia.    

Ele está no centro das investigações da Polícia Federal sobre a fraude na contratação de coletes balísticos pela intervenção federal após a Polícia Federal apreender seu aparelho celular, com apoio de autoridades estadunidenses, e extrair um conjunto de mensagens comprometedoras que indicam a atuação dele e de outros militares da reserva para conseguir a contratação da americana CTU Security com sobrepreço estimado de R$ 4,6 milhões.  

Como revelou o Brasil de Fato, o contrato com a CTU Security foi firmado com dispensa de licitação e assinado por Braga Netto no último dia da intervenção, em 31 de dezembro de 2018, no valor total de R$ 40 milhões. O militar sempre negou qualquer envolvimento em irregularidades e, desde que a investigação da PF veio à tona, ele tem reiterado que as contratações da Intervenção Federal foram analisadas e avalizadas pelo Tribunal de Contas da União também. 

Após a intervenção, Braga Netto foi para o governo de Jair Bolsonaro, no qual atuou como ministro da Casa Civil e chegou ainda a disputar a vaga de vice-presidente na chapa com Bolsonaro em 2022. General da reserva, ele também é investigado na Operação Tempus Veritatis, que apura a tentativa de golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro no poder após as eleições de 2022. A reportagem tentou contato com a assessoria de Braga Netto, mas não obteve retorno até a conclusão deste texto. O espaço está aberto para a manifestação do militar. 

Edição: Matheus Alves de Almeida