Eleições

Portugal vai às urnas diante de avanço da extrema direita e tentativa de uma 'Nova Geringonça' pela esquerda

Direita e esquerda chegam virtualmente empatadas, mas extremista Chega não deve ser parte do novo governo

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
André Ventura, líder do partido de extrema-direta Chega durante comício em março em fevereiro de 2024 - PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP

Neste domingo (10), mais de 10,8 milhões de eleitores portugueses podem ir às urnas para eleger os 230 deputados da Assembleia da República para a próxima legislatura e escolher que partido deve formar governo. 

Liderada por Luís Montenegro, a Aliança Democrática (AD), de direita, aparece seis pontos percentuais à frente do Partido Socialista (PS) liderado por Pedro Nuno Santos na última pesquisa da campanha divulgada na quinta-feira (7) pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (Cesop) da Universidade Católica para os jornais Público, RTP e Antena 1.

Em relação aos blocos dos partidos que podem formar governo, a esquerda - formada por PSD, Bloco de Esquerda, CDU e Livre  - está ligeiramente à frente com 41% dos votos em relação à direita, formada por Aliança Democrática e Iniciativa Liberal que somam 40% dos votos.  

Em terceiro lugar aparece o partido de extrema direita Chega, liderado por André Ventura, com 16% dos votos e a possibilidade de eleger até 41 deputados. 

Nos últimos cinco anos, o jornalista português Miguel Carvalho se dedica a investigar o crescimento da extrema direita e da direita radical populista em Portugal, como repórter especial da revista Visão (1999-2023) e hoje como freelancer. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele aponta que o Chega deve obter um resultado que consolidará o partido como terceira força política e um número razoável de deputados, mas não deve ser parte do governo, correndo "o sério risco de ficar reduzido ao protesto e ao ruído”. 

“Não creio que o Chega vá ter influência na formação de um governo de direita. O candidato a chefe de governo pela coligação AD foi claro ao criar uma espécie de cordão sanitário em relação ao partido de André Ventura e já disse que não fará qualquer tipo de acordo com ele”, avalia.

Mesmo com as pressões internas para uma aliança com o Chega, caso a Aliança Democrática ganhe sem formar maioria, Carvalho considera que Luís Montenegro não deve voltar atrás nesse ponto.

“Ganhando sem maioria, haverá quem, no seu partido, vá pressionar no sentido de Luís Montenegro se contradizer e aceitar negociar com o Chega para alcançar o poder, mas creio que o próprio já percebeu que um aceno ao Chega, por pequeno que seja, arrastará o PSD para uma cisão interna de consequências imprevisíveis.” 

Já em relação à possibilidade de uma "Nova Geringonça", a coalização de partidos que levou e manteve a esquerda ao poder em 2015, Carvalho considera que, em caso de vitória do PS, Pedro Nuno Santos é o socialista com mais condições de repetir um acordo com as esquerdas para uma "Nova Geringonça, uma vez que o seu papel nas negociações com os restantes partidos, entre 2015 e 2019, foi determinante e respeitado".

"A esquerda fez quase tudo bem nesta campanha, sobretudo ao não se digladiar entre si, salvo uma outra exceção. Mas esse sonho de uma boa parte da esquerda parece distante, face aos sinais dados pelas sondagens. Neste momento, só o fato dos indecisos ainda serem muitos (16% segundo o último estudo) permite manter alguma incógnita, pois a distância entre a AD e o PS não oferece garantias para qualquer dos lados."  

Brasileiros nas fileiras do Chega

O discurso de André Ventura contra a “ideologia de gênero” e a favor da família tradicional conservadora tem atraído brasileiros conservadores que vivem em Portugal mesmo que o partido tenha como uma de suas principais bandeiras o combate à imigração.

“Nas minhas pesquisas sobre o Chega, cruzando documentação interna do partido, perfis de redes sociais e fontes públicas abertas, deu para perceber que o partido mantém um considerável número de filiados que são brasileiros. Braga, no norte do País, e as zonas da margem sul de Lisboa são bastante fortes a esse nível”, aponta.

A direção do Chega, formada inicialmente por pastores evangélicos portugueses, hoje está mais ligada a correntes católicas ultraconservadoras, como a Opus Dei e o movimento Comunhão e Libertação. O perfil do eleitorado brasileiro que vota no partido, aponta Carvalho, é predominantemente de cristãos conservadores, embora haja também evangélicos em suas fileiras.

“O Chega sempre foi bastante atrativo para uma parte dos imigrantes brasileiros, sobretudo cristãos, que se reconhecem no discurso de André Ventura e continua a atrair muitos brasileiros conservadores, cristãos, e que, mesmo sendo eles próprios imigrantes, consideram que o partido faz muito bem em colocar limites à imigração. Há setores evangélicos que continuam se identificando com o partido e até pastores que, nos próprios cultos, apelam ao voto no Chega, mas o peso dessa corrente na direção do Chega está hoje bastante reduzido.”

Crescimento da extrema-direita em Portugal 

Apesar do grande avanço eleitoral da extrema direita nessas eleições, Miguel Carvalho considera que sua base eleitoral é heterogênea, e a adesão ao partido “tem muito mais de ressentimento, frustração e sentimento de abandono do que de adesão ideológica”. A popularidade do Chega, ele avalia, está relacionada à uma crise na imprensa tradicional portuguesa, onde os principais jornais do país, como o Diário de Notícias em Lisboa, enfrentaram greves nas redações pela falta de pagamento aos trabalhadores.

“A crise do jornalismo, no sentido em que faltam, como nunca, recursos humanos, técnicos e financeiros para um escrutínio público continuado e detalhado das contradições e da ameaça que representa um partido como o Chega, deixa a informação à mercê do ‘pingue-pongue’ entre declaração e contra-declaração, que não esclarece nada nem aprofunda, mas tem poucos custos e só favorece que ganha com o ruído.”

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho