Com a escolha de Nikolas Ferreiras (PL-MG) e Caroline de Toni (PL-SC) para o comando das Comissões de Educação e Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, o governo tende a ter trabalho nesses dois colegiados ao longo do ano. É o que afirma o analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) Marcos Verlaine, para quem a gestão Lula vai precisar de "muito jogo de cintura" para lidar com a presença dos dois parlamentares nesses postos.
A Educação, por exemplo, tem nas mãos um montante de R$ 180 milhões a serem gastos nas chamadas emendas de comissão, ferramentas que permitem aos parlamentares uma canalização de recursos para projetos, entidades e outras ações nas suas bases estaduais. Pela competência que tem, o colegiado cuida de temas como direito à educação, recursos humanos e financeiros para a rede pública de ensino, política e sistema educacional, entre outros. "É uma área muito importante, com recursos relevantes no governo e por isso o governo vai precisar de muita estrutura e jogo de cintura para lidar com a presença do Nikolas na presidência porque isso não é uma coisa que lá na frente o PT pode tentar alterar por meio de negociação. Dificilmente o PL aceitaria", afirma Verlaine.
A escolha do deputado para o cargo gerou reações de nomes do PT e outros personagens do mundo político nos últimos dias. Em nota dirigida à imprensa, a Frente Parlamentar Mista da Educação, por exemplo, disse ter "profunda preocupação" com o assunto. O documento destaca que a comissão tem pela frente a discussão de matérias importantes sobre o setor educacional por parte do Legislativo. O grupo cita os temas do Novo Ensino Médio, do Plano Nacional de Educação e do Sistema Nacional da Educação. “O parlamentar não tem atuação na área ou profundidade para conduzir os trabalhos em um tema que é central para o desenvolvimento do país”, acrescenta a frente.
Do ponto de vista político, Verlaine interpreta a escolha do deputado para o colegiado como uma estratégia voltada ao acirramento da disputa ideológica entre esquerda e ala bolsonarista da Câmara. "É uma espécie de provocação, assim como foi feito no passado com a escolha de Marcos Feliciano (PSC-SP) para a Comissão de Direitos Humanos [em 2013]. Considerando essa experiencia anterior, o governo vai ter que ter muito jogo de cintura para evitar desgastes maiores e conter danos. Nikolas não está ali pra ajudar a resolver problemas na área de educação, e sim pra criar embaraços políticos. Isso está claro."
O analista aplica o mesmo raciocínio à colocação da deputada Caroline de Toni na CCJ, maior colegiado da Casa e tradicionalmente o de maior disputa entre os partidos. Em geral, fica com o comando da comissão quem tem a bancada mais volumosa. Na legislatura atual (2023-2026), o posto é do PL, sigla com 96 cadeiras no plenário. O PT vem em segundo, com 68. No ano passado, um acordo entre as duas legendas fez com que a sigla de Lula presidisse a CCJ em troca da entrega do posto para o PL em 2024.
"Claro que o governo não queria isso, mas foi inevitável, considerando o critério de proporcionalidade da Câmara. A escolha de um membro do PL se impôs. O drama maior, no caso, é a escolha de Caroline de Toni, já que ela é um nome do grupo que se engaja mais na guerra ideológica. A eleição dela para o cargo traz à tona esse conteúdo e certamente a tendência é que essa ala do PL use a CCJ como mais um espaço de muita confrontação. Esse é um movimento que cresceu na Câmara desde 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência, e esse segmento segue disputando pontos-chave do jogo político", analisa Verlaine.
Saúde
Na engenharia dos acordos feitos entre os blocos políticos, o PT ficou com a Comissão de Saúde, que deve movimentar este ano R$ 4,5 bilhões em emendas de comissão, a maior fatia do total de R$ 11 bilhões previstos para todas as emendas do tipo na Câmara em 2024. A verba faz do colegiado um espaço politicamente estratégico, mas outros elementos também colaboram para isso. Marcos Verlaine lembra a disputa do centrão pelo comando do Ministério da Saúde (MS), que tem um dos maiores orçamentos da Esplanada, com previsão de R$ 232 bilhões para este ano.
"Para citar um caso concreto, o PP, por exemplo, sempre quis comandar o MS. Se a comissão ficasse com eles, a sigla não só teria acesso a um recurso enorme com as emendas, mas também poderia convocar com frequência a ministra da Saúde, Nísia Trindade, fazer um jogo e criar um conjunto de imbróglios para tentar forçar a saída dela da pasta. Lembremos que toda vez que o Flávio Dino [então ministro da Justiça] era chamado para falar no Congresso ano passado, por exemplo, não havia nada muito concreto. Era pura guerra cultural, mas gerava desgaste, então, com uma comissão como a da Saúde sendo presidida por um aliado do governo, a chance de ocorrer algo do tipo se reduz", compara.
Outras
A esquerda ficou também com a Comissão de Direitos Humanos (CDHM), que será presidida pela deputada Daiana Santos (PcdoB-RS), e a de Legislação Participativa (CLP), agora a cargo do psolista Glauber Braga (RJ). Outro destaque dentro do campo progressista é a eleição de Aliel Machado (PV-PR) para a presidência da Comissão de Cultura. Ao todo, os parlamentares definiram até agora 19 dos 30 presidentes de comissão na Casa. Confira na imagem a seguir a lista dos deputados escolhidos.
Edição: Thalita Pires