Fuzilado

STM julga recurso de militares condenados pela morte de músico com 82 tiros no Rio de Janeiro

Última instância da Justiça Militar analisa o caso nesta quinta; defesa é comandada por ex-advogado de Flávio Bolsonaro

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

O Superior Tribunal Militar (STM) julga nesta quinta-feira (29) o recurso dos militares condenados pela morte de um músico e um catador de latinhas no Rio de Janeiro com 82 tiros em 2019. A sessão está prevista para começar às 13h30 e será transmitida pelo canal do STM no Youtube.

O tribunal é a última instância da Justiça Militar, responsável por analisar e julgar os casos de crimes cometidos por militares no exercício de sua função. Ao todo, 15 ministros compõem a corte e devem participar do julgamento desta quinta.

Como mostrou o Brasil de Fato, a defesa dos 12 militares denunciados pela morte dos dois inocentes pediu a absolvição de todos os militares e afirmou ao STM que seria "impossível" que eles tivessem adotado outra atitude, pois estariam em um contexto de suposto conflito com traficantes.

Além de as pessoas fuziladas não terem relação nenhuma com a atuação de traficantes no dia do episódio, os argumentos da defesa foram rechaçados pelo Ministério Público Militar (MPM) em manifestação encaminhada ao STM.

"Fica nítido que o objetivo da defesa é o de jogar fumaça na montanha de provas e evidências contidas nos autos que demonstraram, de forma inequívoca, o cometimento de fato típico, ilícito e culpável por parte de oito dos réus", diz a manifestação do MPM.

Para o órgão, a tese aventada pela defesa, de que os militares estariam com sua percepção alterada devido a uma situação de combate intenso, não se sustenta.

O procurador de Justiça Militar Luciano Gorrilhas e a promotora de Justiça Militar Najla Nassif Palma apontam que naquele dia houve uma troca de tiros entre militares e supostos traficantes pela manhã, mas que a maioria dos denunciados, quando questionados ao longo da investigação, admitiram que não realizaram nenhum disparo neste conflito.

"Esses dados demonstram que, apesar da troca de tiros ocorrida, não houve confronto intenso entre a tropa militar e supostos agentes do tráfico de drogas. Reforça esse argumento o fato dos próprios militares terem dito que não atiraram", diz o MPM.

"Pelas avarias ocasionadas nas viaturas militares é possível concluir que o confronto havido entre os militares e supostos traficantes na comunidade do Muquiço não teve a intensidade idealizada pela defesa que atribuiu, sem provas, dimensão demasiada ao aludido confronto para, sem dúvida alguma, desviar o foco do fato principal (82 tiros deflagrados pelos acusados contra o carro de Evaldo e contra Luciano). A partir daí, desenvolveu a infundada tese de que o dito confronto abalou a psique dos acusados", segue a manifestação. 

Laudo produzido ao longo da investigação mostrou que os militares realizaram o total de 257 disparos no dia, dos quais 82 atingiram o veículo e as vítimas. Além disso, o MPM aponta que, mesmo que tenha ocorrido o assalto antes, os militares deveriam ter seguido regras de uso da força de forma proporcional.

Advogado de militares já atuou para Flávio Bolsonaro

Os militares denunciados pelo MPM são representados neste recurso pelo advogado Rodrigo Roca, que já defendeu o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso das rachadinhas da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e chegou a ser nomeado Secretário Nacional do Consumidor no governo de Jair Bolsonaro (PL). Ele defende a absolvição de todos os envolvidos no episódio.

Ao todo, 12 militares foram denunciados pela morte do músico Evaldo Santos Rosa e do catador de materiais recicláveis Luciano Macedo, alvejados em abril de 2019. No julgamento na primeira instância, em 2021, quatro acabaram absolvidos por não terem feito disparos no dia da abordagem. O tenente que comandava a operação foi condenado a 31 anos e seis meses de prisão. Os demais denunciados foram sentenciados a 28 anos de encarceramento. 

O advogado pede agora a absolvição de todos os envolvidos, com o argumento de que viviam um clima de tensão devido a conflitos com traficantes no dia. Também afirma que os militares confundiram o veículo em que estava o músico com o automóvel utilizado por assaltantes no mesmo dia na região de Guadalupe, zona norte do Rio de Janeiro.

O advogado tenta, inclusive, justificar o número de disparos. "Esta não deve impressionar, tendo em vista que se tratou de uma situação envolvendo uma viatura com 12 militares, que acreditavam estar sofrendo um novo ataque por elementos que imaginavam estar armados, ante o confronto armado ocorrido com os assaltantes minutos antes."

O MPM pede que sejam mantidas as penas dos oito militares condenados, autores de disparos no dia do ocorrido. "Todos que deflagraram disparos de arma de fogo concorreram para a morte de Evaldo e de Luciano e para os ferimentos de Sérgio e, com base na prova segura dos autos, inexistindo causa apta a juridicamente justificar suas condutas, devem ser condenados pelos crimes de homicídio."

Edição: Matheus Alves de Almeida