Em setembro de 2023, Tiago Dominguez, de 30 anos, utilizou suas redes sociais para criticar a influência da construção civil na cidade de Capão da Canoa, localizada no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. Sua publicação motivou um processo por construtores civis locais, que exigiram indenização financeira e um pedido de desculpas público.
No texto publicado, Dominguez questiona: "Me apresente uma nova perspectiva de futuro para os jovens desta cidade que não seja apenas carregar cimento para os corruptos da construção civil? Me apresente uma cidade que mereça o nome de Capão da Canoa. A Capão que foi soterrada embaixo desses prédios. A praia que ficou sob a sombra de gente hostil..."
Alguns dias depois, a Associação dos Construtores e Incorporadores da Construção Civil de Capão da Canoa (Associc), autoridade máxima representativa da construção civil no município, processou Dominguez pela utilização do termo "corruptos" ao longo do texto. A Associação exigia R$ 5 mil como indenização.
Após uma série de batalhas judiciais, Dominguez obteve vitória, com o tribunal reconhecendo a sua crítica como legítima dentro do contexto da liberdade de expressão. No entanto, o caso ainda não está totalmente encerrado. "A Justiça me deu sucessivas vitórias dentro do processo, por entender que minha crítica, apesar de ácida, era genérica. Após a derrota, a Associação decidiu pôr fim ao processo, solicitando à Justiça o encerramento do caso, o que ainda está em vias de se concretizar", relata o ativista.
Morador de Capão da Canoa, Tiago Dominguez é médico veterinário formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisador da fauna marinha do Litoral gaúcho. Há anos desenvolve um trabalho de preservação da praia, que consiste em recolher o lixo, realizar a proteção e cerceamento de ninhos de animais silvestres na região das dunas e divulgar educação ambiental para a comunidade.
"Eu interpreto a ação movida pela Associação como uma tentativa de censura ao meu canal e também a grande parcela da população de Capão da Canoa que se vê representada pelas minhas palavras." Dominguez é fundador do perfil Qual é a Boa, Capão da Canoa?, espaço em que registra a falta de gestão ambiental na cidade.
O município litorâneo de Capão da Canoa lidera uma série de investimentos na construção civil focados especialmente em segundas residências de médio e alto padrão e turismo residencial. De acordo com Tiago Dominguez, a construção de condomínios de forma acelerada e excessiva às margens do Litoral traz consequências ao meio ambiente e à configuração da cidade. Essas construções, além de criar zonas de sombreamento, interferem nas correntes marítimas — essenciais na regulação térmica da cidade — e causam a saturação do sistema de água e esgoto.
"A brutalidade com que a 'máfia do concreto' está sufocando nossa cidade tem um preço alto sobre as nossas vidas. Nossa cidade possui uma grave crise de moradia. São milhares de pessoas morando irregularmente, em áreas de risco e, ainda assim, nossa população, incluindo jovens que deveriam estar estudando, continua sendo explorada, erguendo prédios que ficam vazios o ano inteiro, em conluio com a prefeitura e demais órgãos públicos, que se utilizam do falso pretexto de desenvolvimento para enriquecer seus bolsos", ressalta o ativista.
O Brasil de Fato RS entrou em contato com a Associação dos Construtores e Incorporadores da Construção Civil de Capão da Canoa (Associc) e com a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano de Capão da Canoa para comentarem sobre o caso. Até a publicação desta matéria, não obtivemos resposta.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko