As principais províncias produtoras de petróleo e gás da Argentina ameaçam cortar o fornecimento para o resto do país em poucos dias devido a uma disputa por recursos federais com o presidente Javier Milei, cujos severos ajustes fiscais provocam impactos nos gastos básicos dos governos locais.
"Na próxima quarta-feira, não sairá nem uma gota de petróleo se não respeitarem, de uma vez por todas, as províncias e não tirarem o pé de cima de nós", declarou, neste sábado (24), Ignacio Torres, governador de Chubut (sul), ao canal C5N.
Torres recebeu na sexta-feira (23) apoio dos colegas da Patagônia (Terra do Fogo, Santa Cruz, Río Negro, La Pampa e Neuquén) em sua rejeição à cobrança a Chubut de uma dívida reclamada pelo Estado nacional.
Os governadores da região sul concordaram, em uma reunião virtual no sábado, que seus distritos paralisarão a produção de petróleo e gás se Milei não revisar a decisão, informaram fontes provinciais à imprensa.
Em uma mensagem na rede social X (antigo Twitter), Milei, que estava a caminho dos Estados Unidos, chamou os governadores que apoiaram a reivindicação de Chubut de "degenerados fiscais", devido a um corte de 13,5 bilhões de pesos (80,2 milhões de reais) nos repasses mensais de fundos federais para o distrito.
"É um conflito sem precedentes em termos de magnitude. Há uma rebelião das províncias e uma interpretação equivocada por parte de Milei sobre o nível de conflito que o Estado nacional pode enfrentar com diferentes atores", disse o cientista político Artemio López à AFP.
A Argentina exporta petróleo (39° do mundo) e gás (20° do mundo) e importa combustível refinado para atender à demanda interna. No segundo trimestre de 2023, Chubut (21,5%) e Neuquén (51,5%) concentravam 75% da produção de petróleo.
Em 2022, a balança energética registrou um déficit de 12 bilhões de dólares (59,8 bilhões de reais), mas o governo estima um superávit de US$ 3,3 bilhões (16,4 bilhões de reais) para 2024, devido à expansão do campo patagônico não convencional de 'Vaca Muerta' (Neuquén, Río Negro e La Pampa).
Mais apoio que MIlei
Chubut também recebeu o apoio de nove províncias administradas por aliados de centro-direita, cujos deputados frustraram este mês a aprovação da "Lei Ônibus", com a qual o presidente esperava adotar fortes cortes fiscais e reformas ultraliberais.
Segundo López, o presidente "está certo ao enfrentar o Congresso porque a opinião pública é muito crítica em relação ao Poder Legislativo. Mas não é a mesma coisa enfrentar os governadores. A maioria deles obteve uma porcentagem de votos maior do que ele na última eleição".
"Nacho e seus cúmplices", escreveu Milei no X, referindo-se a Torres e aos outros governadores, ao lembrá-los de um artigo do Código Penal que prevê até dois anos de prisão para quem impedir, atrapalhar ou dificultar o fornecimento de energia.
Na madrugada, em voo para Washington para participar neste sábado da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), da qual o ex-presidente americano Donald Trump também participará, o presidente fez centenas de referências ao conflito na rede X.
"Não se preocupe, Nachito, vamos resolver na Justiça", publicou Milei.
"Tomara que haja um canal de diálogo, o problema é que você não sabe com quem falar", respondeu Torres antes de se reunir com seus contrapartes patagônicos para acordar "ações conjuntas"
"50 milhões de argentinos"
O ministro da Economia, Luis Caputo, argumentou no X que o corte de fundos foi motivado pela cobrança pelo governo de uma dívida não paga de Chubut no valor de 119 bilhões de pesos (667 milhões de reais), uma situação que pode se repetir com outras 10 províncias.
O governo explicou que, de acordo com o regime do Fundo Fiduciário de Desenvolvimento Provincial, criado em 1995, deveria descontar de Chubut uma parte da dívida que o distrito mantinha.
"Não cumprir com os acordos entre a Nação e as províncias não afeta os governadores, mas sim os 50 milhões de argentinos que vivem nas 24 jurisdições do país", afirmaram os governadores não patagônicos que apoiaram o ultimato de Chubut, qualificado pelo governo como "ameaça chavista".
As províncias cobrem de 26% (Cidade de Buenos Aires) a mais de 90% (La Rioja e Formosa) de suas despesas com os fundos de coparticipação, estabelecidos em 1988, de acordo com o centro de estudos CEPA.
A disputa de Milei com os governadores eclode uma semana antes da abertura das sessões ordinárias do Congresso, em 1º de março, e em meio a um clima de crescentes protestos devido ao aumento de preços e tarifas de serviços públicos, além dos cortes na assistência aos refeitórios comunitários.
Desde dezembro, Milei implementou amplas desregulamentações e ajustes como parte de seu plano ultraliberal para combater uma pobreza que já ultrapassou os 50% e uma inflação de mais de 250% ao ano.
Edição: AFP