Diversas organizações e sindicatos ligados à comunicação na Argentina apresentaram na quinta-feira (8) uma denúncia à Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre os ataques do presidente Javier Milei contra a comunicação pública e comunitária no país.
O documento aponta que a comunicação e a liberdade de expressão foram atingidas pela intenção do governo de Javier Milei de desmontar marcos jurídicos protetores de direitos que estavam vigentes no país.
“Na Argentina de Javier Milei há cada vez menos representação popular nos conteúdos, se atenta contra a democracia, limitando a pluralidade de vozes, está em jogo a liberdade de expressão e o valor supremo de que necessitamos, que é o direito à comunicação”, afirma Mariano Randazzo, integrante do coletivo da Radio Sur, emissora comunitária da cidade de Buenos Aires, uma das rádios que integram a coordenação da Associação de Rádios Comunitárias (Amarc) Argentina.
Além da Amarc, assinam o documento o Centro de Estudos Legais e Sociais, a Coodenação Nacional de Televisões Alternativas, o Fórum Argentino de Rádios Comunitárias, além de federações e sindicatos de trabalhadores da imprensa e comunicação social.
O texto enviado à CIDH também chama a atenção para a violência crescente dirigida aos profissionais de imprensa em meio aos protestos contra as políticas ultraliberais de Milei. O caso mais recente foi durante a tramitação do pacote ultraliberal conhecido como Lei Ônibus, que voltou à estaca zero no Congresso Nacional, na primeira derrota parlamentar do governo provocada pelos próprios deputados governistas.
“Houve muitas manifestações e uma quantidade absurda de policiais e outras forças atuando para reprimir. e os alvos dos ataques foram principalmente jornalistas, comunicadores, fotógrafos - foram os e as trabalhadoras das comunicações”, relatou ao Brasil de Fato a jornalista e comunicadora argentina Sofía Hammoe.
O ataque de Milei ao sistema de comunicação pública e comunitária na Argentina acontece em várias frentes, por meio de decretos, leis e intervenções diretas do Executivo nas empresas públicas e órgãos de fiscalização.
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“Desde a campanha que ele vem ameaçando com essas medidas e, já esse ano, o governo tem indicado uma intervenção tanto nos meios públicos quanto no Enacom [ Ente Nacional das Comunicações]. Está acontecendo algo que a gente já viveu quando assumiu o governo Macri em 2015, são tantas frentes que estão tentando atingir os direitos, que fica difícil acompanhar tudo”, aponta Hammoe.
Milei nomeou interventores para as empresas públicas de comunicação do país: a agência de notícias Télam e o sistema RTA - rádio e televisão públicas e as TVs educativas nacionais O Enacon, órgão regulador do sistema de radiodifusão e telecomunicações também foi alvo de intervenção direta por parte do presidente, por meio do Decreto 89/24. Milei ameaça ainda fechar a Defensoria Pública de Serviços de Comunicação Audiovisual - responsável pela defesa e promoção do direito à comunicação do público argentino.
“Ele decidiu interferir de maneira autoritária, argumentando que os meios públicos eram órgãos de propaganda a serviço de um governo e, por isso, os deixa sob o absoluto controle de seu próprio governo”, aponta Randazzo.
Os mecanismos de participação e controle dessas empresas públicas foi anulado no Congresso pelo partido governista A Liberdade Avança, eliminando a participação prevista para minorias parlamentares e para a representação social da RTA instituída pela Lei 26.522, conhecida popularmente por Lei de Meios.
“No caso da RTA, que tinha representação para a primeira, segunda e terceira minorias parlamentares, o interventor assume os três diretórios”, aponta Jéssica Triten, gerente Geral de Conteúdos Públicos Sociedade do Estado, responsável pelas TVs educativas.
Ataques à Lei de Meios
Em 2009, a Argentina aprovou a Lei 26.552, popularmente conhecida como Lei de Meios, com o objetivo de democratizar as normas legais nos setores audiovisual e de telecomunicações do país. Apesar da forte resistência do setor empresarial no país, a lei foi ratificada pela Suprema Corte de Justiça em 2013.
“Foi um feito histórico para nosso país. Por um lado, porque é uma lei construída pelas organizações, pelas demandas de diversos setores, debatida publicamente em todo o país e que substituiu o marco regulatório vigente desde a última ditadura cívico militar”, aponta Randazzo.
Entre uma série de medidas, a lei estabelece limites para a concentração da propriedade de meios audiovisuais no país. Esses limites foram eliminados por meio do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) 70/23, “habilitando níveis de concentração midiática que são incompatíveis com os estandartes de liberdade de expressão da CIDH”, diz o texto entregue à CIDH.
Milei também expressou sua intenção de eliminar o Fundo de Fomento Competitivo para Meios de Comunicação Audiovisual (Fomeca) estabelecido pela Lei de Meios como um mecanismo de igualdade para os meios de comunicação não comerciais, utilizado em grande parte pelas rádios comunitárias, que incluem rádios de trabalhadores rurais e de povos originários.
“As pessoas que estão assumindo o governo junto com Milei são ignorantes da função pública, falam de coisas que não conhecem. Esses recursos como o Fomeca não são gerados pelo Estado, saem de uma série de impostos e taxas que vem da comunicação audiovisual privada, arrecadados por meio de publicidade, não tem nenhum custo para o Estado”, aponta Sofía Hammoe.
Lei Ônibus
Outra frente do ataque de Milei a esses órgãos está embutida no pacote ultraliberal, conhecido por Lei Ônibus, apresentado ao Congresso Nacional, com propostas de converter as sociedades do Estado em sociedades anônimas e privatizar os veículos públicos de comunicação com alcance nacional, como a agência de notícias Télam e a Rádio Nacional. Embora tenha retrocedido em sua tramitação no Congresso, as medidas previstas na Lei Ônibus permanecem no plano de reformas do governo argentino.
Edição: Rodrigo Durão Coelho