Tensão com Israel

Brasil mostrou que não quer ser cúmplice de um genocídio, diz advogada palestina

Ao Brasil de Fato, Rula Shadeed diz que Lula deu 'grande primeiro passo', mas sugere revogação de acordos com Israel

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Lula condenou massacre cometido por Israel na Faixa de Gaza - Ricardo Stuckert / PR

Ao convocar o embaixador de Israel, o governo brasileiro deu um “grande primeiro passo” e demonstrou que “não quer ser cúmplice do genocídio” em curso na Faixa de Gaza. Essa é a avaliação de Rula Shadeed, diretora da organização Palestine Institute for Public Diplomacy - PIPD (Instituto Palestinos para Diplomacia Pública), instituição da sociedade civil palestina com sede em Ramallah.

“O que o Brasil está demonstrando com essas ações é que não quer ser cúmplice de um genocídio, que o que Israel está fazendo não é aceitável e que não quer abrigar ninguém em seu país que represente um regime que está atualmente cometendo genocídio”, disse em entrevista ao Brasil de Fato.

No último domingo (18), em entrevista coletiva antes de deixar a Etiópia, Lula comparou o massacre promovido por Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto promovido pela Alemanha nazista contra os judeus. Após a fala, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, anunciou que Lula seria considerado "persona non grata" no país.

Na avaliação de Shadeed, o próximo passo para que o Brasil não seja considerado cúmplice de Israel seria o rompimento de qualquer acordo com o país, em particular os acordos militares. “Você deve garantir que seu estado não tenha nenhum acordo especialmente em relação às armas que estão agora definitivamente sendo utilizadas no genocídio contra o povo palestino em Gaza. Esperamos que os acordos feitos pelo presidente anterior sejam cancelados", afirmou.

A coalizão palestina que lidera o movimento global de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) cobra desde outubro do ano passado, o boicote a Israel pelos ataques contra a população civil em Gaza. Após o início da guerra em Gaza, em outubro de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou dois projetos do governo Jair Bolsonaro (PL) que tratam da cooperação entre Brasil e Israel nas áreas de segurança, combate ao crime organizado e serviços aéreos.

“Esperamos que mais ações sejam tomadas e que vejamos também a população do Brasil, exigindo que o presidente tome mais medidas e também apoiando o presidente quando necessário, quando ele toma certas decisões. É muito importante que o povo do Brasil mostre apoio a tais decisões para que o presidente tenha mais coragem para dar mais passos", disse.

Cessar-fogo

A diretora do instituto acredita que a continuidade dos bombardeios estão cada vez mais atreladas a um posição pessoal do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e considera que não haverá cessar-fogo enquanto nao houver uma posição efetiva dos Estados Unidos e da Europa.

“A situação internamente está se tornando cada vez mais difícil para ele, acho que ele quer continuar também porque teme a perseguição e a prisão quando o genocídio cessar. Portanto, não vejo como Netanyahu sozinho tomará a decisão de cessar-fogo, isso precisa ser feito por pressão de outros estados. Se os EUA assumirem uma posição muito forte em termos de sanções econômicas, de embargos de armas, é aí que veremos Israel parar. Sem isso, não”, afirmou.

Giorgio Romano Schutte, professor de Relações Internacionais da UFABC e membro do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB) também considera que, sem uma atitude mais drástica de outros países, não haverá cessar-fogo e avalia que posicionamento do Lula contribui nesse sentido.

“Para isolar Israel é preciso que o Ocidente dê um basta. Uma liderança como Lula falar de forma contundente, no momento em que precisa se evitar essa catástrofe em Rafah, é dizer para os setores aliados de Israel, que basta, chega. O Lula contribuiu para ampliar essa frente que isola Netanyahu e internamente aumentar a pressão para tirar o Netanyahu e conseguir o cessar-fogo. O que é preciso hoje é o cessar-fogo.”

Sobre a reação de Israel de declarar Lula uma “persona non grata” e convocar o embaixador do Brasil, Romano classifica como uma preocupação secundária. “As relações Israel - Brasil são, nesse momento, diante desse genocídio, uma preocupação de segunda categoria”.

O pesquisador aponta que não está no horizonte neste momento um rompimento de relações diplomáticas entre Brasil e Israel, mas uma suspensão dessas relações com a convocação dos respectivos embaixadores. “As embaixadas vão continuar funcionando mesmo sem embaixador, é uma suspensão, uma pausa, depois as relações vão se recompor. O importante agora é ver como isso ajuda a isolar diplomaticamente Israel, aumentar a pressão para chegar a um cessar-fogo, o Lula se colocou na linha de frente”, disse.

Ele aponta que há um precedente para essa situação quando, em 2015, a embaixada israelense no Brasil ficou vaga, quando a presidenta Dilma Rousseff recusou a indicação de Netanyahu para o posto. “Quando cai a Dilma é claro que o Netanyahu indica também o embaixador que apoiou o Bolsonaro", relembra.

Edição: Lucas Estanislau