32ª EDIÇÃO

Graziano apresenta livro e elogia 'resistência cubana' na Feira Internacional do Livro de Havana

O ex-diretor da FAO apresentou seu livro sobre a vida de Josué de Castro

Brasil de Fato | Havana (Cuba) |
Apresentação do livro de José Graziano da Silva - Brasil de Fato

"Temos que difundir a ideia de que sim, podemos erradicar a fome", disse José Graziano, ex-diretor da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) entre 2012 e 2019, nesta sexta-feira (15) no auditório do estande brasileiro na 32ª Feira Internacional do Livro de Havana. 

Durante quase uma hora, Graziano, acompanhado de Marcelo Resende de Souza, representante da FAO em Cuba, apresentou seu mais recente livro, Josué de Castro e a Diplomacia da Fome. O livro é uma obra coletiva que compila 10 ensaios que exploram diferentes aspectos da vida e da obra de Josué de Castro (1908-1973), quem entre 1952 e 1955 foi presidente do Conselho Executivo da FAO. 

No prólogo do livro, Graziano afirma que a publicação pretende ser uma contribuição diante da "dificuldade do Brasil em construir um panteão de símbolos e heróis" que tenham impacto na "construção de uma visão do passado que possa projetar e inspirar um futuro possível para o país". 

Médico, político, escritor, geógrafo e nutricionista brasileiro, Josué de Castro foi uma figura extraordinária que dedicou sua vida à luta contra a fome no Brasil e no mundo. Sua vida fascinante - e pouco conhecida - levou-o a se preocupar com as lutas anticoloniais do terceiro mundo e com o multilateralismo internacional. Seu trabalho lhe rendeu o reconhecimento do Conselho Mundial da Paz com o distinto Prêmio Internacional da Paz em 1954.

Dentre a prolífica obra de Josué de Castro, A Geografia da Fome e A Geopolítica da Fome, trabalhos pioneiros no estudo da fome, tornaram-se verdadeiros clássicos da sociologia da desigualdade. Contrariando o preconceito dominante, o autor utilizou seus estudos empíricos para mostrar que o problema da fome não é um problema ligado à produção de alimentos. Ele teve sucesso em argumentar que, mesmo que a produção de alimentos fosse aumentada, não seria possível acabar com a fome sem mudar a enorme concentração da posse da terra e melhorar a renda e os recursos dos setores mais pobres do país.  

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Apesar da fama internacional que Josué de Castro alcançou, a violência, a censura e a perseguição provocadas pelo golpe de Estado de 1964 o obrigaram a se exilar. Fugindo do regime ditatorial, que era aliado ao latifúndio, Castro se estabeleceu na França, onde passou seus últimos anos até a morte. 

No entanto, apesar do exílio, cinquenta anos após sua morte seu trabalho inspirou a criação do Programa Fome Zero. Uma política que o próprio Graziano executou entre 2003 e 2004 como Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar no gabinete de Luiz Inácio Lula da Silva. Ao mesmo tempo, sua pesquisa é referência permanente no trabalho da FAO para promover a criação de sistemas agroalimentares mais inclusivos e sustentáveis em todo o mundo.


Apresentação do livro de José Graziano da Silva / Brasil de Fato

Durante a apresentação do livro, José Graziano da Silva observou que, embora a fome no mundo sempre tenha estado presente, ela está se tornando cada vez mais um problema urgente. Atualmente, de acordo com os últimos relatórios da FAO, cerca de 9% da população mundial está em situação de insegurança alimentar. Em outras palavras, 740 milhões de seres humanos estão subnutridos e sofrem com a fome. 

Graziano explicou que a única maneira de resolver o problema da fome é por meio da intervenção política ativa dos governos. Para combater a fome, "precisamos implementar políticas universais, como refeições escolares para crianças, bem como políticas direcionadas para os setores mais vulneráveis". Mas também ressaltou que, para que isso seja possível, é necessário acabar com a dívida externa que sufoca as possibilidades das nações pobres de combater a fome.

'Toda a terra dos homens tem sido também até hoje terra da fome'

Em um momento emocionante da reunião, Graziano relembrou a memória histórica das lutas contra a fome no Brasil. 

"Foram os trabalhadores de uma indústria açucareira, trabalhadores muito pobres, que começaram a se unir para poder comprar caixões para as crianças que estavam morrendo de fome. Foi nessa situação que eles perceberam a quantidade de caixões que precisavam e decidiram lutar para acabar com a fome. Essa foi a história do início das ligas camponesas".    

Essas lutas pelo acesso à terra ainda são uma dívida pendente no Brasil, assim como em grande parte do mundo. 

"O livro tem um capítulo escrito por militantes do MST sobre a contribuição que os movimentos sociais dão no combate à fome", diz Graziano, em conversa com o Brasil de Fato.  

"É muito interessante a reflexão que eles fazem no sentido de que primeiro chamam a atenção para o problema. Chamando a atenção para a necessidade de produzir alimentos sem veneno e de qualidade que estejam ao alcance de todos. Acho que essa é a principal contribuição no momento", acrescenta.

Cuba e a luta contra a fome 

A apresentação de Josué de Castro e a Diplomacia da Fome ocorre em um contexto de grave crise econômica em Cuba, que tem levado o país a implementar diferentes políticas de estabilização macroeconômica. A principal preocupação do governo cubano é como implementar esses ajustes e, ao mesmo tempo, garantir que todos os cubanos continuem a ter acesso ao direito à alimentação. 

"Acho que Cuba é bem diferente dos casos, digamos, normais que temos no resto do mundo capitalista, onde o acesso aos alimentos é limitado pelo poder aquisitivo das pessoas. Nesses países, há grandes parcelas da população que não têm dinheiro simplesmente para comprar comida", reflete ele. 

"Em Cuba, a dificuldade se deve principalmente às restrições para produzi-los localmente. Essa dificuldade tem muito a ver com as restrições aos insumos que Cuba pode obter no momento. O bloqueio tem sido muito eficiente em restringir a capacidade produtiva de Cuba. Como resolver isso? Bem, não é fácil. Sempre que a economia se abre, o problema da desigualdade social é introduzido. Até agora, essa tem sido uma questão menor em Cuba".

Apesar das dificuldades existentes na ilha, "é possível ver a capacidade de resistência do povo cubano, admiro muito sua capacidade de resistir a esse bloqueio por décadas, fazendo valer sua coragem e sua vontade".

Edição: Thalita Pires