Durante duas semanas, estradas bolivianas foram bloqueadas por apoiadores do ex-presidente Evo Morales. O motivo: a impossibilidade do líder histórico do Movimento ao Socialismo (MAS) concorrer ao pleito de 2025. A questão levantada pela Justiça em dezembro de 2023 expôs uma divisão no partido e levou às ruas uma disputa política pela candidatura da esquerda boliviana no ano que vem.
As paralisações começaram em 22 de janeiro e terminaram na quarta-feira (7), depois que a Câmara dos Deputados boliviana aprovou um projeto de lei definindo os critérios e prazos para uma nova eleição judicial, a principal reivindicação dos setores quer apoiam Evo. Com isso, a Assembleia Legislativa tem até 80 dias para receber os candidatos ao pleito e as eleições devem acontecer em 22 de setembro.
O pano de fundo dos debates é uma disputa eleitoral dentro do partido entre Evo e o atual presidente Luis Arce. Esse embate interno começou quando Evo voltou à Bolívia em 2020, após passar um ano exilado na Argentina por conta do golpe de Estado que levou à derrubada de seu governo, em 2019.
Ao Brasil de Fato, o cientista político e professor da Universidade Católica de La Paz Marcelo Arequipa disse que essa é a primeira vez que o partido mais forte da Bolívia enfrenta uma divisão com grandes forças.
“Pela primeira vez temos de um lado a direção do partido político que não está no governo e do outro lado está quem governa e que pertence a esse partido. A Bolívia sempre teve uma concentração de poder político nas mãos de quem está governando: o presidente era também o máximo dirigente do partido. Agora, a discussão tem que ser resolvida internamente entre diferentes setores”, afirmou.
O ponto alto da disputa pela liderança no MAS foi vista em outubro de 2023, quando Morales organizou um congresso em Lauca Eñe, no distrito de Cochabamba. A região é berço político e reduto eleitoral do ex-presidente. No evento, ele chamou os apoiadores de Luis Arce de “traidores”.
Para Marcelo Arequipa a saída é um debate interno para definir quem será o candidato para 2025. “O MAS tem que fazer outro congresso até maio e pode mudar o estatuto. As primárias são no último trimestre deste ano. Nessas primárias, os militantes podem escolher quem querem. Uma coisa importante é ampliar a participação de candidatos, não só para os militantes”, disse.
Independente do candidato, para o professor de ciência política da Universidade Mayor de San Andrés Franklin Pareja, o MAS tem força política suficiente para ganhar o pleito em 2025.
“O MAS é uma grande força política de matriz sindical e de organizações sociais, tem uma presença que irradia em todo o país. As oposições não têm força política com essa extensão. Mesmo com essa briga, pode ganhar as eleições por ter estrutura, base social e recursos. Se seguir assim, outra força até poderia ocupar espaço, mas essa força não existe e a oposição não aproveita a ruptura interna no MAS”, afirmou ao Brasil de Fato.
Disputa judicial
O Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia decretou em dezembro de 2023 que presidentes e vice-presidentes só poderiam exercer o cargo por dois mandatos, de forma seguida ou não. Essa era uma lacuna que já existia na Constituição boliviana. Antes, a Carta Magna afirmava que o presidente não poderia exercer o cargo por mais de dois mandatos, mas não especificava se eram seguidos ou não. Com a sentença judicial 1010, Evo Morales, que foi presidente por quatro mandatos, não poderia voltar ao poder.
Os apoiadores de Evo consideram que, com um novo Tribunal Constitucional, essa norma poderia cair e Evo poderia voltar a ser candidato em 2025. Segundo Pareja, os apoiadores de Evo tem razão constitucional na reivindicação.
“A Constituição diz uma coisa que os tribunais interpretam de maneira diferente criando uma contrarreforma. Evo entende que os magistrados estão usando o tribunal para tirar suas competências políticas. Tecnicamente ele tem razão, porque a Constituição não era clara em relação a isso e Evo já foi quatro vezes presidente. Deveria haver uma discussão maior”, afirmou.
As manifestações que pararam as principais estradas que ligam La Paz a Santa Cruz de la Sierra tiveram efeito e a Câmara convocou as eleições judiciais. A Bolívia é um dos únicos países do mundo no qual a população vota para escolher os representantes do Poder Judiciário. As últimas eleições deveriam ter sido em 2023, mas não foram organizadas.
Segundo a vice-ministra de Comunicação, Gabriela Alcón, os bloqueios nas rodovias tiveram um impacto de 982 milhões de dólares na economia boliviana. De acordo com o Ministério do Interior, confrontos entre policiais e manifestantes deixaram 71 policiais feridos e 21 pessoas presas.
Edição: Lucas Estanislau