PROBLEMA URBANO

Fios soltos nas ruas de São Paulo aumentam risco de choques e tragédias durante temporais

Pedestres denunciam fiação pendurada e sem reparação; responsabilidade é da Enel, que culpa empresas de telecomunicações

São Paulo (SP) |

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Problema é antigo na capital paulista e traz de volta o debate sobre aterramento dos fios para evitar problemas - Reprodução Redes Sociais/Arquivo

Quem circula por São Paulo está acostumado a ver fios soltos nas ruas ou pendentes nos postes. É difícil identificar se pertencem à fiação elétrica. Mas o risco de levar um choque existe, e a reação de desviar é imediata.

Em poucos dias, a reportagem do Central do Brasil, do Brasil de Fato, recebeu relatos de pelo menos 10 endereços com cabos suspensos ou soltos em diferentes regiões da cidade. Como na Avenida Corifeu de Azevedo Marques e na Avenida Nossa Senhora da Assunção, endereços do Butantã, na zona oeste, e na Rua Santo Antônio, na Bela Vista, região central. Frequentadores dos arredores denunciam que os fios passam muito tempo sem reparo. 

Segundo dados levantados pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) com base em informações reportadas à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 46 pessoas morreram no Brasil em 2022 em acidentes com cabos energizados caídos no solo. Em 2023, foram 16 mortos. Considerando diversas causas, quase 11 mil se acidentaram com fios de energia entre 2009 e 2021, segundo Priscila Arruda, analista de pesquisa do programa de energia do Idec.

"Até 2021, esses dois indicadores que as distribuidoras devem reportar pra Aneel não eram desagregados. Então, esse número de acidentes e o número de mortes incluem diversas causas. Não só o choque por fios soltos. Tem pessoas que se acidentaram ou morreram ao fazer uma poda de árvore, ou ao fazer ligações clandestinas, ou então soltar pipa perto de fio de alta tensão", lista Arruda.

Em Moema, zona sul da capital, na segunda semana de janeiro, chovia forte quando um motorista de 62 anos foi eletrocutado. Ele tentou sair do carro quando foi atingido por um cabo, que tinha se soltado após queda de uma árvore, e não resistiu. Uma semana depois, no Jabaquara, também na zona sul, um cabo de energia caiu em cima de dois carros, que pegaram fogo imediatamente. Por sorte, ninguém ocupava os veículos estacionados.

Os riscos de tragédias com fios aumentam durante temporais porque as chuvas fortes podem facilitar o rompimento dos cabos, ocasionando também a interrupção do fornecimento de energia para os moradores.

Confira a reportagem em vídeo:

Os problemas devem piorar com as fortes chuvas decorrentes das mudanças climáticas, explica Nabil Bonduki, arquiteto, urbanista e professor de planejamento urbano da Universidade de São Paulo (USP). 

"As pessoas vão sofrer com muitas enchentes, com muitos desabamentos… Porque continua-se construindo em área de risco e em beira de córrego. Os córregos não têm sido tratados da maneira adequada. Nós precisaríamos ter ao longo dos córregos a recuperação da mata ciliar. Pelo contrário, tão se desmatando [sic] ainda na beira dos córregos. Então, veja: o problema vai se agravar, sim, com certeza", alerta Bonduki.

Em novembro do ano passado, algumas casas chegaram a ficar até quase uma semana sem luz por causa de tempestade. O caso fez voltar à tona a discussão sobre aterramento de fios. O "SP Sem Fios", projeto da prefeitura de São Paulo, previu, em 2018, enterrar mais de 65 quilômetros de fios, com a consequente retirada de postes. Até o momento, foram enterrados cerca de 65% do previsto, ou seja, pouco mais de 42 quilômetros de fios, segundo a prefeitura. A informação anterior era de 62% e foi atualizada. A Enel, concessionária responsável que faz parte do "SP Sem Fios", contradiz e informa que já concluiu 100% da meta de enterramento da rede elétrica prevista neste projeto.

De acordo com o professor da USP, o processo de aterramento é caro, mas importante e necessário. "A concessionária, quando feita a concessão do serviço de distribuição de energia elétrica, não tinha incluído nos seus custos esse custo do enterramento. E pelo contrário: elas, inclusive, alugam os postes com receita para, por exemplo, as empresas de telefonia, de internet etc. Por isso, a gente tem esse emaranhado de fios na cidade. O que precisaríamos ter feito eram galerias subterrâneas e as próprias concessionárias poderiam explorar essas galerias subterrâneas, cobrando aluguel pela colocação de fios de telefonia, de internet. Então, é um investimento que precisa ser feito, um investimento que não pode onerar o consumidor, que essa é a grande questão, né?", pontua.

Enquanto isso, o Idec recomenda notificar a prefeitura quando houver cabos soltos. Em caso de acidente, a pessoa afetada pode pedir indenização. "A via é a ação judicial pra conseguir indenização por parte da distribuidora. Seja no caso de danos… no caso de morte ou no caso de acidente", conclui Priscila Arruda.

O que diz a prefeitura?

Procurada pela reportagem, a prefeitura de São Paulo declarou, em nota, que a responsabilidade de zelar pelos fios e postes da cidade é da concessionária Enel, e que as subprefeituras vão vistoriar os endereços citados e tomar providências legais com base no Decreto N.° 59.670/20 e na Lei N.° 16.673/17.

O que diz a Enel?

Também procurada para dar um posicionamento, a Enel informou ter um cronograma permanente de inspeções da rede elétrica e que, em 2023, mais de 10 mil quilômetros de fios foram inspecionados e 15 mil intervenções corretivas foram feitas.

Sobre os endereços citados na reportagem, a Enel disse que pertencem às empresas de serviços de telecomunicações e que essas empresas serão notificadas pela distribuidora de energia para realizar a retirada ou manutenção dos fios.

*Esta matéria foi atualizada no dia 07/02/2024, às 15h55, para incluir a versão da Enel de que já concluiu 100% da meta de enterramento da rede elétrica do projeto SP Sem Fios. A empresa não havia respondido sobre a meta antes da publicação da primeira versão. A porcentagem informada pela prefeitura também foi atualizada, de 62% para 65%, após recebimento de nova nota da administração municipal.

Edição: Matheus Alves de Almeida