Com uma filha de 4 anos, Rosana Santos é professora e vive com mais de 60 famílias no Acampamento Comuna da Terra Irmã Alberta. O terreno fica em Perus, bairro no limite da capital paulista, na Zona Norte. As famílias estão lá desde 2002, quando o MST, em articulação com a Comissão Pastoral da Terra e outra entidade de apoio às pessoas em situação de rua, ocupou o terreno de uma fazenda desapropriada. Além de dar aula numa escola pública, Rosana ajuda a produzir alimentos na Comuna.
“A gente tem bastante dificuldade de ter acesso à água, porque a gente tem um poço, mas ele não tem uma profundidade tão grande. Então, quando a gente foi ter uma horta, a gente teve que abrir mão porque não estava tendo água. Agora, nesse momento, a gente trabalha mais com as frutíferas, mas não tem assim uma produção diária, porque tem a época certa para produzir frutas”, conta Rosana listando dificuldades.
Esses problemas são vividos por pelo menos 70 mil famílias acampadas em todo o Brasil. Muitas vivem com estruturas precárias, em barracos construídos com madeira ou mesmo moradias com lonas.
Os acampamentos normalmente estão localizados em terras que não cumpriam sua função social. É o caso do território da Comuna Irmã Alberta, que formalmente pertence à Sabesp desde a desapropriação da fazenda, mas que era terra improdutiva quando foi ocupada.
Apesar da Comuna estar instalada há mais de 20 anos, ainda há entraves para chegar a um acordo e dar prosseguimento para a regularização, quando o acampamento se torna assentamento. Quem explica é Jade Percassi, integrante da direção estadual do MST de São Paulo pela Regional Grande SP, onde está o Acampamento.
“Nunca chegaram a um acordo sobre o valor da terra, sobre o melhor instrumento, sobre a forma de regularizar. Em que pese essas dificuldades, as famílias resistem aqui na terra todo esse tempo e produzindo. O fato de ser um acampamento significa, na prática, que essas famílias não têm acesso a nenhum tipo de política pública voltada para a reforma agrária porque não são reconhecidas como assentadas”, conta Jade.
Na Comuna da Terra Irmã Alberta é difícil conseguir até luz, já que a concessionária responsável Enel, antiga Eletropaulo, se recusa a fazer a ligação, de acordo com a acampada Rosana.
“Como é uma ocupação, a Eletropaulo nunca veio aqui instalar energia elétrica pra gente. Então, a gente tem que comprar fio e puxar de muito longe pra ter uma energia ruim e a gente gasta muito com a distância que é o fio, né? Porque a gente não paga porque faz um ‘gato’, mas esse ‘gato’ tem um custo porque o tanto que a gente investe em fiação e, às vezes, as pessoas roubam nossos fios. Então, a gente tem que reinvestir novamente pra não ficar sem energia”, lamenta.
No começo de dezembro, a tentativa de instalar internet em um acampamento no Pará acabou em tragédia. Enquanto funcionários faziam a instalação à noite no Acampamento Terra e Liberdade, na cidade de Parauapebas, uma antena acabou encostando em fios de alta tensão. Isso provocou um curto-circuito com explosão e o incêndio que deixou 9 mortos no local.
Depois do acidente, o presidente Lula se solidarizou com as famílias e declarou, em nota, que o governo trabalha para avançar na retomada da Reforma Agrária após anos de paralisação. Porém, em 2023, segundo o MST e conforme dados do próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário, os passos foram lentos.Mesmo assim, os acampados se viraram e continuam se virando para criar alternativas e seguir produzindo e resistindo nos locais ocupados.
“Como tem muito tempo que não sai assentamento no Brasil e os que saíram durante o governo Lula são muito pouquinhos… Diante da demanda, realmente, pouca coisa saiu até agora, então a grande parte dos acampamentos do Brasil desenvolveu essa prática de permanecer onde está e criando as condições para sobrevivência no espaço”, diz o coordenador nacional do MST baseado no Paraná e responsável por acompanhar os acampamentos e assentamentos no estado, José Damasceno.
Segundo o Incra, foram criados dez assentamentos em 2023. No Paraná, neste mês de dezembro, a conquista da regularização foi de uma comunidade 100% agroecológica. O assentamento Maria Rosa do Contestado foi oficializado na cidade de Castro após uma disputa que durou quase 10 anos.
José Damasceno reforça a importância de assentar as famílias, que com acesso às políticas públicas num território regularizado, melhoram ainda mais a produção de alimentos saudáveis e passam a viver de forma digna.
“A partir do assentamento, acho que melhora a vida das famílias… dá um salto de qualidade: casa, água encanada, energia elétrica, saneamento básico, atendimento à saúde, educação e aí vai…”, conclui.
Edição: Rebeca Cavalcante