O pedido feito por uma assessora de Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) para uma assessora do então diretor da Abin, Alexandre Ramagem (PL-RJ), foi utilizado para embasar a operação de buscas nos endereços do vereador nesta segunda-feira, (29), no Rio de Janeiro. Na mensagem, Luciana Almeida solicitava à Priscilla Pereira e Silva informações sobre inquéritos em andamento na Polícia Federal (PF) que envolviam o presidente Jair Bolsonaro e seus três filhos.
As informações constam na decisão de sábado, (27), do ministro Alexandre de Moraes, tornada pública nesta tarde após as diligências da PF. A medida ocorreu após a análise feita dos materiais encontrados na última quinta-feira, (25), durante a Operação Vigilância Aproximada.
Além da mensagem identificada no celular da assessora do ex-diretor da Abin, o pedido de buscas também cita uma série de documentos supostamente impressos por Ramagem, que listam inquéritos em andamento na superintendência da PF no Rio de Janeiro em 2020.
Na mensagem, a assessora de Carlos Bolsonaro afirma: "Bom diaaaa tudo bem? Estou precisando muito de uma ajuda. Delegada PF. Dra. ISABELA MUNIZ FERREIRA –Delegacia da PF Inquéritos Especiais. Inquéritos: 73.630 / 73.637 (Envolvendo PR e 3 filhos) Escrivão: Henry Basílio Moura".
Confira o print da mensagem abaixo.
De acordo com a PF, ao analisar os materiais encontrados na operação na semana passada, foi constatado que Carlos Bolsonaro e Ramagem se comunicavam por meio de suas assessoras.
Ainda segundo a PF, os inquéritos aos quais a assessora se refere não tratavam especificamente de Bolsonaro e seus filhos, mas os dados da mensagem são compatíveis com informações dos sistemas internos da Polícia Federal. "Os referidos inquéritos policiais não apresentam pertinência com os referidos Pr e 3 filhos. Entretanto, fontes abertas indicam que no período existiam investigações em andamento no interesse dos sujeitos razão pela qual provavelmente a fonte não obteve os números dos procedimentos corretos", afirma a representação da PF.
Os investigadores também citam o conjunto de documentos impressos, que listam inquéritos eleitorais sigilosos em andamento na Superintendência da PF no Rio de Janeiro em 2020, período em que Ramagem era diretor-geral da Abin. O material foi checado em conjunto com a Controladoria-Geral da União, que também participou da operação na semana passada.
"A CGU, nesta trilha, identificou impressão de documento pelo então Diretor da ABIN contendo a lista contendo informações dos Inquéritos Eleitorais da Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro. A lista impressa pelo Del. Alexandre Ramagem apresentada o número de inquérito, nome do investigado, o cargo político e o partido político em 20/02/2020 na Superintendência Regional da Polícia do Rio de Janeiro", aponta a representação da PF.
'Ganho de ordem política'
Para o ministro Alexandre de Moraes, as informações não apenas confirmariam as suspeitas iniciais de uso de uma estrutura paralela de inteligência para atender aos interesses da família Bolsonaro, como ainda indicam a existência de um grupo criminoso ainda maior, com outros atores.
"A organização criminosa infiltrada na Abin também se valeu de métodos ilegais para a realização de ações clandestinas direcionadas contra pessoas ideologicamente qualificadas como opositoras, com objetivo de 'obter ganho de ordem política posto que criavam narrativas para envolver autoridades públicas de extrato político oposicionista da então situação', bem como para 'fiscalizar" indevidamente o andamento de investigações em face de aliados políticos", diz a decisão do ministro.
A reportagem entrou em contato por telefone com o gabinete de Ramagem, mas ninguém atendeu. Também foi enviado um e-mail ao gabinete solicitando uma manifestação do parlamentar. Segundo o portal da transparência da Câmara, Priscilla Pereira e Silva, que era assessora de Ramagem na PF, trabalha desde fevereiro do ano passado em cargo de natureza especial no gabinete do agora deputado federal Alexandre Ramagem.
O Brasil de Fato também tentou contato com a assessoria de Carlos Bolsonaro, mas sem retorno. Até a publicação deste texto, o vereador também não se pronunciou em suas redes sociais. O espaço está aberto para pronunciamentos de Carlos Bolsonaro, Alexandre Ramagem e de suas assessoras.
Em entrevista à CNN Brasil nesta segunda, o advogado de Carlos Bolsonaro, Antonio Carlos Fonseca, afirmou que as acusações contra seu cliente seriam uma "narrativa". "Não tem ligação alguma (com a Abin). Criou-se essa narrativa em determinado momento, mas o vereador não tem nenhuma ligação, seja institucional, seja de acesso a informações. Nunca Teve. Isso é uma narrativa criada que não é a realidade", afirmou o advogado.
'Contrainteligência de Estado'
Além das mensagens entre as assessoras de e dos documentos impressos com a listagem de inquéritos sigilosos, a PF também diz que a estrutura paralela da Abin durante o governo Bolsonaro teria sido utilizada para monitorar o então coordenador de Operações de Fiscalização no Ibama, Hugo Netto Loss, exonerado em abril de 2020.
"A existência de mais esse núcleo, argumenta a autoridade policial, se mostrou visível no monitoramento ilegal, para fins políticos, do servidor Hugo Ferreira Neto Loss (responsável por operações de fiscalização ambiental no IBAMA), posteriormente exonerado de sua função, em possível represália às ações de combate aos crimes ambientais", assinalou Moraes em sua decisão. De acordo com o ministro, o conjunto de elementos juntados na investigação indicam que haveria uma "contrainteligência de Estado" durante o governo Bolsonaro.
"A Polícia Federal aponta que a organização criminosa identificada na Abin era, potencialmente, uma das células de organização criminosa de maior amplitude, cuja tarefa primordial era realizar a 'contrainteligência' de Estado'".
Edição: Matheus Alves de Almeida