O primeiro ano após o fim da passagem de Jair Bolsonaro (PL) pela Presidência da República marcou uma queda relevante no número de episódios de agressões a jornalistas. Segundo levantamento divulgado nesta quinta-feira (25) pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o total de casos registrados passou de 376 em 2022 para 181 em 2023 – número ainda alto, e diretamente influenciado pela violência praticada e incentivada pelo bolsonarismo.
A edição 2023 do relatório Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, que acaba de ser lançada, lista ocorrências de diversos tipos, como assassinatos, atentados, agressões físicas, censura e cerceamento da atividade jornalística, e seus agressores. Nos quatro anos em que ocupou o Palácio do Planalto, Bolsonaro foi o "líder" desse levantamento. Desta vez ele não aparece, mas muitos de seus apoiadores estão lá, em 31 episódios.
A queda no número de ataques pode parecer significativa, mas os números ainda estão mais altos que os registrados até 2018 (último ano antes de Bolsonaro assumir), quando a Fenaj apontou 135 casos de violência contra jornalistas. Em 2019 (primeiro ano de governo do capitão reformado) foram 208 episódios de violência; em 2020, uma explosão de casos: 428. Em 2021, o recorde até aqui: 430.
"A volta da democracia – que sabemos, continua inconclusa e imperfeita – teve reflexo direto e imediato na liberdade de imprensa. O fim da institucionalização da violência contra jornalistas, perpetrada por Bolsonaro, fez cair o número de agressões diretas aos profissionais e fez desabar os ataques genéricos e generalizados a veículos de mídia e a profissionais. Por isso, podemos comemorar a queda nos números da violência, em 2023. Mas temos de continuar em alerta e mobilizados, porque as cifras continuam muito elevadas", destaca o relatório da Fenaj.
Os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 são um bom exemplo. A horda de apoiadores do hoje inelegível ex-presidente que protagonizou as grotescas cenas que rodaram o mundo não poupou a imprensa. Pelo menos 12 jornalistas foram agredidos fisicamente e outros cinco sofreram intimidações ou ameaças naquele dia. Entre as vítimas, profissionais brasileiros e estrangeiros que relatavam a tentativa (felizmente frustrada) de golpe.
Os desdobramentos do 8 de janeiro foram estopim para outras agressões, como ameaças de morte feitas à jornalista Dandara Barreto, da Rádio TransBrasil Feira, de Feira de Santana (BA), após comentários sobre a barbárie promovida pelos "patriotas" na Praça dos Três Poderes. Dados pessoais dela foram divulgados em grupos de WhatsApp bolsonaristas e alguns comentários falavam em "silenciá-la definitivamente".
Agressões promovidas por parlamentares ligados ao ex-presidente também estão na lista elaborada pela Fenaj. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair, foi um deles. Ele ameaçou processar a jornalista Laura Braga, do Metrópoles, depois que a profissional noticiou gastos da família no cartão corporativo da presidência.
Outra figura marcante do bolsonarismo, o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), agrediu verbalmente profissionais do site Aos Fatos no dia em que tomou posse (1º de fevereiro). Ele foi questionado pelos jornalistas sobre ataques feitos a nordestinos nas redes sociais. Gayer é um dos parlamentares com maior número de ações de descredibilização da imprensa.
"O ciclo de Bolsonaro na Presidência da República foi um período em que houve a institucionalização da violência contra jornalistas, por meio da Presidência da República, com a prática sistemática de descredibilizar a imprensa e atacar seus prossionais. Nos quatro anos em que Bolsonaro ocupou a Presidência da República, ele próprio foi o principal agressor, atacando pessoalmente a imprensa e incentivando seus apoiadores a também se tornarem agressores", complementa o relatório.
As tentativas de intimidação bolsonarista se estenderam também a entidades de classe. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará (Sindjorce) foi alvo de ataques virtuais da milícia digital ligada ao ex-presidente após a publicação de uma nota criticando a decisão da Câmara dos Vereadores de Fortaleza de conceder o título de cidadão da capital cearense a Bolsonaro.
Ataques ao Brasil de Fato
A lista elaborada pela Fenaj relata dois episódios vivenciados pela equipe do Brasil de Fato em 2023. O primeiro deles aconteceu logo em 10 de janeiro, quando o repórter Pedro Carrano, do Brasil de Fato Paraná foi detido por policiais militares quando acompanhava operação de despejo da ocupação Povo Sem Medo, em Curitiba.
Na ocasião, a Polícia Militar (PM) estava impedindo a entrada de jornalistas e advogados na ocupação. Carrano tentou negociar com os agentes policiais, e alegou que era direito da imprensa acompanhar a reintegração de posse. A PM não acatou os pedidos, levou o jornalista para o porta malas de uma viatura e confiscou o telefone celular dele. O profissional foi liberado horas mais tarde.
O outro episódio aconteceu em 30 de outubro, quando o YouTube tirou do ar o canal do Brasil de Fato RS e o podcast De Fato sob alegação de "violações graves ou repetidas de nossa política de spam, práticas enganosas e golpes", logo após entrevista com o cientista político Bruno Lima Rocha sobre as eleições na Argentina (com a candidatura de Javier Milei) e a violência isralense na Faixa de Gaza.
Após grande mobilização, que envolveu pessoas e organizações de diversas partes do país, o canal foi recuperado no dia 31. O YouTube alegou que houve erro de avaliação da inteligência artificial que atua para garantir a segurança da plataforma.
Edição: Nicolau Soares