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Camponeses argentinos firmam acordo com universidade da China para apoio à agricultura familiar

Convênio ocorreu mesmo com tensões geradas por Milei; pesquisas e implementação de maquinário estão entre os objetivos

Brasil de Fato | Pequim (China) |
Juana Almazán, camponesa agroecológica da região argentina conhecida como Sul Ceboleiro, durante a Escola Nacional de Agroecologia da Federação Rural - Federación Rural

Apesar da instabilidade nas relações diplomáticas entre Argentina e China por conta da orientação do novo governo do país sul-americano, a cooperação entre organizações das duas nações se mantém. No início deste ano, o governo da província de Buenos Aires, de Alex Kicillof (ex-ministro de Economia no segundo mandato de Cristina Kirchner), assinou um acordo com o Instituto Internacional para Inovação em Equipamentos Agrícolas e Agricultura Inteligente da Nova Rota da Seda da Universidade de Agricultura da China (UAC) em diferentes áreas como melhoramento de variedades, bioinsumos e mecanização da agricultura familiar.

O acordo contou com a articulação da Baobá, a Associação Internacional para Cooperação Popular, que tem a Federação Rural para a Produção e o Enraizamento, como uma de suas integrantes. Essa organização argentina representa mais de 30 mil camponeses e camponesas de cooperativas agrícolas de 20 das 24 províncias do país. A província de Buenos Aires, por sua vez, concentra 40% dos agricultores familiares do país, e produz alimentos para cerca de 15 milhões de pessoas, o que equivale a um terço da população argentina.

O reitor da Faculdade de Engenharia da UAC, Song Zhenghe, afirma que o objetivo será “focar em modelos de produção agrícola, tecnologias de produção e insumos para a agricultura familiar, isto inclui aspectos como o desenvolvimento agrícola verde e a aplicação generalizada da tecnologia de mecanização agrícola”. “Por que com a China? Porque este processo histórico que o povo da China vive tem as suas raízes na Revolução de 1949 que lhes permitiu avançar num processo de reforma agrária e colocar as terras nas mãos dos pequenos produtores, das famílias camponesas”, explica Manuel Bertoldi, integrante da Federação Rural.

Na América do Sul, continua Bertoldi, o desenvolvimento agrícola esteve intimamente ligado às ideias do agronegócio e às grandes escalas de produção e por isso a tecnologia sempre esteve orientada para essa concepção. O vice-presidente da Universidade de Agricultura da China, Du Taisheng, falou sobre as raízes do desenvolvimento tecnológico para a agricultura em pequena escala na China e lembrou que “em 1958, o presidente Mao [Tsé-Tung] apresentou a famosa afirmação de que ‘a solução fundamental para a agricultura reside na mecanização’, algumas das teorias de desenvolvimento do presidente Mao sobre a agricultura ainda são aplicáveis hoje e continuam a orientar a modernização da agricultura e a revitalização rural”.

Crise argentina

Os camponeses do vizinho sul-americano passam por momentos de resistência contra as políticas do novo governo. Organizações camponesas do país têm definido o megadecreto de Javier Milei, que visa abolir ou modificar 366 leis, como uma medida “autoritária” e “um forte golpe na produção de alimentos”. Entre as medidas, está a revogação da Lei de Terras que, caso seja implementada, incentivará a presença de atores estrangeiros no campo e a concentração da terra.

“Os pequenos agricultores e camponeses na Argentina, mas também no mundo, não vivem uma situação simples. Existe um modelo de desenvolvimento agrícola, especialmente em países onde a justiça social não prevalece, que os obriga [a migrar], são expulsos pelo modelo econômico do campo para a cidade”, explicou Lautaro Leveratto, o coordenador nacional da Federação Rural para a Produção e o Enraizamento (“arraigo”, em espanhol), durante a cerimônia de assinatura do memorando de entendimento. O conceito de “arraigo” não possui uma tradução direta para o português. Ela encerra o objetivo da organização do direito de que as pessoas possam continuar morando e trabalhando no campo. Leveratto afirmou que apenas 7% dos argentinos moram em zonas rurais.

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“É aqui que colocamos o maior esforço para gerar o desenvolvimento rural desses pequenos agricultores, gerar melhorias na qualidade de vida das nossas famílias, bem como condições e estrutura produtiva para produzir com eficiência, e assim alcançar o ‘enraizamento’ rural e o desenvolvimento da agricultura em áreas da província de Buenos Aires, em particular, e de toda a Argentina, em geral”, expressou o dirigente camponês durante a celebração do acordo.

Bertoldi afirmou que o acordo “vai na contracorrente da orientação política que o governo nacional assumiu”. "Por isso tem uma dupla importância já que, infelizmente, o governo nacional que temos hoje na Argentina decidiu sair do Brics e está tendo algumas atitudes ou gestos na geopolítica que também nos preocupam muito, como por exemplo, a aproximação de alguns funcionários, especialmente da chanceler argentina, com Taiwan", disse.

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A cooperação através do acordo é semelhante a outros da Universidade de Agricultura da China, como os recentemente assinados com a Universidade de Brasília e com o Consórcio Nordeste, no caso do Brasil.

Segundo o Ministério de Desenvolvimento Agrário da província de Buenos Aires, o plano de ação para implementar o acordo também deve ter como eixos tanto a mecanização agrícola como a produção orgânica e sustentável. “Esperamos aprender com o processo de desenvolvimento agrícola na Argentina, incorporando lições valiosas que a Universidade de Agricultura da China deverá absorver. Ambos os lados têm a ganhar e a complementar-se nos seus respectivos esforços de desenvolvimento agrícola”, conclui Du Taisheng.

Edição: Lucas Estanislau