O presidente da Argentina, Javier Milei, cumpriu nesta quarta-feira (17) o primeiro compromisso internacional de seu mandato no Fórum de Davos. O ultradireitista aproveitou a ocasião para apresentar suas ideias ultraliberais diante da elite mundial e atacar as agendas globais de combate à desigualdade e às mudanças climáticas.
Durante pouco mais de 20 minutos de discurso, Milei repetiu quase que literalmente as mesmas teses que vem defendendo em todas as suas falas públicas. "Estou aqui hoje para lhes dizer que o Ocidente está em perigo", disse. "Está em perigo porque aqueles que deveriam defender os valores do Ocidente são cooptados por uma visão de mundo que - inexoravelmente - leva ao socialismo e, consequentemente, à pobreza", afirmou.
Com um tom acusatório, Milei atacou organizações internacionais, argumentando que nas últimas décadas "os principais líderes do mundo ocidental abandonaram o modelo de liberdade em favor de diferentes versões do que chamamos de coletivismo".
Em um dos momentos mais estranhos da apresentação, o ultraliberal disse que "o marco teórico da teoria neoclássica", em referência ao conjunto de teorias capitalistas ortodoxas, "acaba inconscientemente sendo funcional à interferência do Estado, ao socialismo e à degradação da sociedade".
Assim, de acordo com a concepção ultrarradical de Milei, mesmo para os próprios parâmetros do Fórum de Davos, que funciona como o coração do capitalismo mundial, o mercado capitalista é "justo e moralmente superior" a qualquer tentativa de regulamentação. Para ele, que torna o mercado capitalista como algo sagrado e uma espécie de religião, "falar de falha de mercado é um oximoro, não existe tal coisa como falha de mercado".
Chamou empresários de 'heróis' 👀
— Brasil de Fato (@brasildefato) January 17, 2024
No Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, o presidente argentino Javier Milei acusou a reunião de estar "contaminada pelo comunismo".
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A linguagem da exposição de Milei faz parte da retórica usada por um setor da extrema direita global, como os ex-presidentes Donald Trump, nos EUA, e Jair Bolsonaro, no Brasil. Em sua cruzada contra o suposto "socialismo que tomou conta do mundo", o presidente argentino apontou que a "justiça social", uma noção que se refere a lutas por maior equidade, "é uma ideia intrinsecamente injusta porque é violenta".
A exposição do ultraliberal em defesa do capitalismo de livre mercado ocorre apenas dois dias depois do Comitê de Oxford para o Alívio da Fome (Oxfam) divulgar um relatório alertando que a riqueza dos cinco maiores bilionários do mundo dobrou desde 2020, enquanto 60% da população mundial ficou mais pobre. Ao mesmo tempo, o relatório observa que os bilionários são US$ 3,3 trilhões mais ricos do que eram em 2020 e sua riqueza cresceu três vezes mais rápido do que a taxa de inflação.
Milei, no entanto, questionou: "Como é possível que a academia demonize um sistema econômico que tirou a população mundial da pobreza, que é justo e moralmente superior? Graças ao capitalismo, o mundo está em seu melhor momento. Nunca houve uma época de maior prosperidade. O mundo está mais livre, mais rico, mais pacífico e mais próspero".
Protestos em Buenos Aires
Enquanto o presidente argentino discursava em Davos, movimentos populares protestavam contra os ajustes neoliberais que seu governo quer implementar no país. No município de La Matanza, região metropolitana de Buenos Aires, organizações políticas e sindicais permaneceram mobilizados durante mais de seis horas para denunciar o chamado DNU de Milei.
"Estamos outra vez em um dia de protestos na Rota 3 com panelaços populares contra o ajuste brutal que o governo está fazendo. É algo que impacta de maneira selvagem as famílias nos bairros populares e os trabalhadores formais, que recebem abaixo da linha da pobreza", afirmaram os movimentos em comunicado.
Através do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), Milei pretende revogar e modificar 366 artigos de lei, aprofundando cortes e implementando diversas políticas de caráter neoliberal.
Os manifestantes também chegaram a bloquear o fluxo de uma das principais vias do município e denunciaram que Milei "tem um plano sinistro". "O corte no fornecimento de comida dos restaurantes populares nesta região é brutal. Há muita reclamação porque retiraram nada mais, nada menos do que a comida, isso mostra do que eles são capazes", disse uma das manifestantes à agência estatal argentina Télam.
Uma cruzada radical contra os direitos
Entre suas diatribes contra qualquer tipo de regulamentação do capitalismo de livre mercado, Milei também alertou em Davos que o perigo em que o Ocidente se encontraria seria o de que os socialistas estariam alimentando "outros supostos conflitos sociais igualmente prejudiciais à vida da comunidade e ao crescimento econômico".
"A primeira dessas novas batalhas foi a disputa ridícula e antinatural entre homem e mulher", disse, concluindo que "a única coisa em que essa agenda do feminismo radical resultou foi em mais intervenção do Estado para impedir o processo econômico". Ele também argumentou que "os socialistas" teriam colocado o conflito "do homem contra a natureza", negando a mudança climática e a importância da luta contra esse flagelo.
Tanto a luta contra a desigualdade de gênero quanto a luta contra as mudanças climáticas fazem parte das metas estabelecidas pelas Nações Unidas. Ambas as questões são amplamente reconhecidas como flagelos pela comunidade científica internacional. Em 2023, a professora da Universidade de Harvard Claudia Goldin recebeu o maior prêmio Nobel de economia por seu extenso trabalho sobre o papel das mulheres na economia e a diferença salarial. Já a mudança climática é uma realidade reconhecida por todo o campo científico.
Milei ainda classificou como "inimigos da liberdade" todos aqueles que não concordam que o livre mercado. "Não há diferenças substantivas. Socialistas, conservadores, comunistas, fascistas, nazistas, social-democratas, centristas. São todos iguais. Os inimigos são todos aqueles em que o Estado detém os meios de produção", afirmou. No final de seu discurso, o líder da extrema direita ainda chamou empresários de "heróis" e pediu que eles "não se deixem intimidar pela casta política".
Edição: Lucas Estanislau