A cidade de Nova York contabiliza mais de 100 mil pessoas em situação de rua. No inverno, essa realidade ganha contornos dramáticos. Nessa época do ano, a temperatura máxima média é de 4,2ºC, enquanto a mínima média fica em -2,3ºC. Nos dias mais frios do ano, os termômetros podem ficar abaixo dos -20ºC com sensação térmica ainda menor, um risco para quem não tem onde se aquecer.
Essa não é uma realidade exclusiva de Nova York. No país mais rico do mundo, o número de pessoas sem casa para morar bateu recorde em 2023, um dado que preocupa principalmente em relação às dificuldades enfrentadas durante os meses mais frios.
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"Existe o que é chamado de 'Contagem de um Ponto no Tempo', que é uma estimativa da população em situação de rua em uma noite específica. E em 2023, esse número é de aproximadamente 650 mil, o maior já registrado desde que começaram a fazer essa contagem em 2007", explicou o especialista Stephen Metraux ao Brasil de Fato.
Número de moradores em situação de rua em alta
O professor da Universidade de Delaware explicou que essa "não é uma ótima contagem, porque pessoas em situação de rua é [algo] difícil de mensurar, […] Mas essa é a melhor contagem que temos e, por essa medida, a situação é a pior, pelo menos na última década e meia".
Soluções locais para um problema nacional
Quando o inverno chega, as cidades apresentam diferentes saídas para proteger a população sem-teto durante os dias mais frios do ano.
Em Chicago, cidade conhecida pelos ventos congelantes, a prefeitura abre bibliotecas para que pessoas possam passar a noite aquecidas. Em Boston, que já passou pela primeira nevasca de 2024, algumas estações de trem ficam abertas e aquecidas durante as madrugadas mais frias.
Em Nova York, todos os dias nos quais a previsão é de temperaturas abaixo de 0ºC, o chamado Código Azul é acionado. Dentre as medidas, moradores em situação de rua podem dormir em qualquer abrigo da cidade e mais assistentes sociais vão para as ruas.
"A forma de se pensar sobre isso é como um band-aid", diz Metraux. "São medidas efetivas para não deixar que as pessoas congelem até a morte. No entanto, esse é só um dos muitos problemas que pessoas sem-teto enfrentam."
O especialista explica que, "em última instância, pessoas sem-teto precisam de um lar. Se estão doentes, seja por questões de saúde mental ou física, ou por abuso de substâncias, elas precisam de serviços públicos."
Aporofobia
Nos últimos anos, a prefeitura de Nova York instituiu uma política controversa para recolher barracas de calçadas e pessoas que dormem em estações ou vagões do metrô, que opera 24 horas por dia.
Na maior cidade do país, no entanto, muitos moradores em situação de rua não querem ir para abrigos. Esse foi o caso do Johnny Grima, que teve sua barraca recolhida pela polícia em Manhattan.
"Você sabe, há coisas violentas acontecendo nos abrigos, como esfaqueamentos e coisas assim", afirmou Grima. "É muito perigoso, cara. E sim, ninguém quer ter esse tipo de vida. Quem quer viver assim correndo perigo o tempo todo?", questiona.
Mesmo para quem quer um abrigo da prefeitura, a situação não é simples. Com um fluxo recorde de imigrantes chegando à cidade todos os dias, o sistema de habitação está superlotado.
Desde 2022, mais de 160 mil imigrantes chegaram à cidade, dos quais 70 mil seguem dependendo de abrigos públicos. Os que ainda não têm onde morar enfrentam as noites de frio nas calçadas de Manhattan.
Muitos dos imigrantes que cruzaram a fronteira com o México chegaram a Nova York em ônibus enviados pela governo do Texas, o que levou a prefeitura a entrar na Justiça. O envio é uma manobra política para pressionar democratas por políticas migratórias mais restritivas.
Em um anúncio recente, o prefeito Eric Adams (Democrata) afirmou: "a cidade de Nova York está, e seguirá, fazendo sua parte para lidar com essa crise humanitária. Mas nós não podemos arcar sozinhos com os custos de manobras políticas imprudentes do estado do Texas."
Preços exorbitantes
Ainda que o fluxo de imigrantes sobrecarregue o sistema de abrigos, o problema maior é a falta de moradia, ou pelo menos de moradia com a qual as pessoas consigam arcar.
De acordo com o governo federal, o salário médio na cidade é de cerca de US$ 3.100 mensais (após o pagamento de impostos). Enquanto isso, o valor médio de aluguel de um estúdio é US$ 3.047, segundo um site de anúncios imobiliários.
"Você sabe, os EUA são um país muito rico. Eu acho, eu acredito, que existem recursos para resolvermos esse problema, e por algum motivo a gente não resolve", conclui Metraux. "Por que esse problema existe? Uma resposta simples é porque, apesar de toda a riqueza que esse país tem, ela não é igualmente distribuída. Então existe um pequeno número que tem muito, e número maior que não tem o suficiente para pagar despesas básicas como habitação".
Edição: Thalita Pires